Mercado de podcast exige maior qualificação para se destacar entre a concorrência

Em tempos de maturação, profissionalização dos conteúdos, inovação e criatividade são ingredientes necessários para atrair ouvintes com ampla oferta de opções

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O formato de podcast ganhou o apreço do público e das marcas nos últimos anos no Brasil. O boom na criação possibilita uma ampla opção de conteúdo que compete pela atenção da audiência. De acordo com pesquisa da Insider Intelligence, empresa especializada em estudos de mercado, a América do Norte tem o maior número de ouvintes de podcast do mundo até então, mas, em 2025, será alcançada pela América Latina e, em 2027, ultrapassada pela China. Dados do Spotify, uma das principais plataformas para hospedagem do formato, indicam que o Brasil lidera o mercado latino nesse segmento, registrando, em 2023, um aumento de 28% no consumo, acompanhado por um crescimento de 36% na produção dos programas. 

Especialistas acreditam que, apesar da expansão contínua, o modelo já se desenvolve em ritmo mais lento, o que indicaria uma maturação. "Acredito que este seja um momento de amadurecimento do mercado. Hoje, têm muitas pessoas fazendo ainda de forma amadora, e existe um caminho crescente para a busca do qualitativo, com ascensão de produtoras, agências e profissionais especializados, e, ainda, melhor aproveitamento jornalístico", afirma o professor da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Tércio Saccol. 

No Jornalismo, o podcast tem sido visto pelos veículos de imprensa como um braço para levar informação ao público de forma complementar ao modelo principal. Um exemplo é o 'Café da Manhã', produzido pela Folha de São Paulo para debater temas relevantes do momento, que está entre os mais ouvidos do País. 

No Rio Grande do Sul, grandes empresas do setor também aderiram. O Correio do Povo está entre elas desde 2019, com a criação de diferentes podcasts para temáticas diversas. Entre os principais do veículo, estão o 'Direto ao Ponto', que aprofunda assuntos locais e nacionais que estão sendo tratados no jornal, ou ainda os culturais 'Fita Expressa' e 'CPop', e o 'Papo com Jurandir', com análises sobre os acontecimentos mundiais. 

"O modelo está consolidado com pautas que complementam as abordagens feitas no impresso e no site. Temos que usar as ferramentas ao nosso favor para potencializar e enriquecer o conteúdo ao conectar as várias formas de contar a história", explica o coordenador de Web do Correio do Povo, Márcio Gomes. 

Mesmo que a adesão dos principais veículos não seja uma novidade, há a expectativa de que os conteúdos jornalísticos sejam explorados de diferentes formas nos próximos anos. As apostas do mercado são em maior produção de matérias amplas e séries com histórias populares reais, como 'A Mulher da Casa Abandonada' ou 'Praia dos Ossos'. "O áudio mexe muito com o imaginário das pessoas. Por isso, conteúdos mais aprofundados e detalhados tendem a ser mais usados para contar histórias no tempo do ouvinte", defende a diretora de Relacionamento e Conteúdo da Padrinho, Alexandra Zanela.

Além da profissionalização e do maior aproveitamento jornalístico, estão entre os desafios para o setor a inovação para se destacar entre tantas opções e a monetização. As plataformas têm criado ferramentas e as marcas estão mais interessadas nesses espaços. No entanto, não há uma fórmula para o sucesso.

Desafio da monetização persiste

Um estudo da Kantar Ibope Media em 2023 indicou que 90% dos brasileiros consomem algum formato de áudio, como rádio, streaming ou podcast. Entre os ouvintes de rádio, 50% afirmaram terem acessado podcasts nos últimos três meses, o que representa uma alta de 23% em relação ao ano anterior. A possibilidade de absorver o conteúdo enquanto realiza outras atividades é um dos fatores responsáveis para que o formato atraia tantos adeptos, que tornam os momentos no trânsito, fazendo as atividades domésticas ou físicas, mais produtivos. 

Apesar de otimizarem o tempo, os ouvintes fazem uma escuta ativa, com interação com os locutores e grande fidelização aos canais. Cerca de 81% dos ouvintes realizaram algum tipo de ação após ouvir anúncios de áudio durante um podcast, segundo pesquisa divulgada pelo Spotify. Essas ações incluem procurar um produto na internet, conectar-se com a marca nas redes sociais e falar sobre com outras pessoas. Isso indica um grande potencial para anunciantes, para conversar com um público fiel, ativo e, grande parte das vezes, segmentado. 

Com base nisso, a plataforma lançou, em novembro de 2023, o Spotify Audience Network, um marketplace de venda de publicidade em áudio para conectar anunciantes de todos os tamanhos com produtores de conteúdo. "Acredito que essa  novidade impactará bastante no mercado, que passa a ter mais uma estratégia para investir os recursos", comenta a diretora da Padrinho.

"Com a exigência de conteúdos cada vez com mais qualidade, produzir um podcast não é mais algo barato. É preciso um bom retorno financeiro e esse ainda é um ponto frágil para quem produz e que tende a se desenvolver muito nos próximos anos", acredita Saccol. Entre as alternativas, estão a participação em eventos, branded content, assinatura, episódios especiais para os assinantes, clube de doadores, patrocínio para venda de algum item, etc. Não existe um único caminho. Porém, os especialistas acreditam que a principal ferramenta para gerar dinheiro é a conexão. A partir do momento em que essa relação for conquistada, o ouvinte estará mais disposto a assinar e a comprar o que for anunciado. 

"Não podemos dimensionar o sucesso de um podcast pelos números de alcance apenas. É preciso avaliar pela autoridade e relevância. O alcance é subjetivo, pois nem todos os episódios chegarão ao mesmo número de pessoas. É tudo sobre reputação", analisa Alexandra. Embora o formato já esteja no radar da publicidade, esse é o ponto que ainda trava os investimentos em mídia.  

"As empresas ainda não conseguiram entender este mercado. É preciso separar o pensamento da comunicação e do marketing, afinal, podcast é uma construção de relação. Esse amadurecimento vai demorar mais um pouco para acontecer, mas vai acontecer. Afinal, se hoje ainda há pouca aderência, já está melhor que no passado", acredita Saccol. Por outro lado, o futuro é promissor quando observadas as estimativas. Dados divulgados pela Insider Intelligence indicam que a receita de anúncios de podcast deve atingir US$ 2,56 bilhões em 2024 nos Estados Unidos. 

Empresas e entidades com canais próprios

Se, por um lado, ainda há resistência em anúncios, por outro existem grandes empresas investindo em canais próprios de podcasts que abordam assuntos conectados com seus negócios. São bancos, lojas de roupas, cosméticos, entre tantas outras. Uma estratégia para o fortalecimento das marcas e conexão com seu público, sem o foco direto na conversão em vendas. "Quanto mais gente interessada em entrar nesse segmento, melhor ele fica em termos de qualidade. O podcast está sendo visto como um braço da comunicação das empresas, o que significa que a marca olhou para o formato e investiu nisso", destaca o pesquisador da PUCRS. 

Há um crescente interesse em investir na visibilidade em eventos. De acordo com Gomes, existe uma demanda maior de pacotes de mídia que incluem a participação ou publicidade em podcasts em períodos como, por exemplo, a Feira do Livro ou a Expointer. A gravação no meio desses ambientes traz visibilidade e desperta a curiosidade dos frequentadores, como foi o caso dos diversos conteúdos captados durante a Comic Con Experience (CCXP), convenção brasileira de cultura pop, na edição de 2023.

Em uma escala regional, a Padrinho esteve presente nas últimas edições da Mercopar com um estúdio para gravação do 'Plano de Voo', onde o público podia acompanhar ao vivo a conversa em arquibancadas montadas no local. "Isso despertava um interesse nas marcas em estarem ali, afinal, além dos olhares curiosos, os frequentadores interagiam mais com o ambiente. Esse formato de estúdio móvel tem muito a crescer", prevê Alexandra, que acredita que inovar é levar algo que o mercado precisa, com estratégia e criatividade.

Podcast X Videocast

De modo geral, os consumidores de podcasts e videocasts são os mesmos, que fazem escolha do formato dependendo da sua rotina, humor ou ambiente. É uma forma de oferecer ao público opções. Em estudo da Sounds Profitable, empresa especializada no mercado de podcasting, publicado em dezembro de 2023, entre os entrevistados que haviam assistido a um videocast nos últimos 30 dias, 86% também ouviram um podcast no mesmo período. Quanto à estimativa de tempo gasto assistindo videocast, o grupo alegou que utilizou menos da metade do que o de consumo com podcasts (47%).

Com a possibilidade de agregar conteúdo de qualidade nas redes sociais com trechos de um programa, o formato em vídeo tem despertado a atenção dos produtores. Além de fazer uso em seus perfis, os recortes são compartilhados e podem viralizar, o que leva mais usuários para os canais de áudio e vídeo. 

"O vídeo tomou força maior ainda com a possibilidade de subir as imagens nas plataformas de streaming. É um recurso extra que pode ser utilizado nas outras mídias por um longo tempo. O DNA segue sendo de podcast, mas recebe uma camada de vídeo", explica Alexandra, que acredita na expansão do formato. A empresa na qual é gestora investiu mais de R$ 70 mil em novos equipamentos e adequações para a implantação dos programas com vídeo em 2023.

Conforme Saccol, é preciso pensar nas motivações para aliar os dois recursos. "Há uma convergência, mas é interessante refletir sobre a presença de elementos visuais interessantes o suficiente e compreender o porquê da necessidade. É preciso ter um diferencial para justificar o formato", defende. 

Ambos os formatos têm espaço para crescer no Brasil, com uma consolidação cada vez maior do público. Para os profissionais da Comunicação, acompanhar o desenvolvimento do mercado é de grande relevância, visto que os podcasts têm muito a agregar. Afinal, são muitos os caminhos tanto para quem atua em veículo, como para quem está na área corporativa ou, ainda, para aqueles que desejam criar seu próprio conteúdo. 



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