Streaming 2.0: quais serão os próximos passos?

Em um cenário repleto de plataformas audiovisuais, as dúvidas sobre o futuro do mercado estão em alta

Sábado à noite, em pleno lockdown, alguém procura incansavelmente por entretenimento para amenizar o tédio. Com uma longa lista de plataformas, cada uma munida de um vasto catálogo, a escolha do conteúdo torna-se uma tarefa desafiadora. Séries, filmes, documentários, reality shows - "o que eu devo assistir?". Essa pergunta permeou o pensamento de milhões de brasileiros ao longo de 2020, enquanto a procura por plataformas aumentou. 

O mercado de streamings chamou atenção de empresas de entretenimento. Afinal, com um cenário bastante lucrativo e em alta, quem não quer ter uma plataforma para chamar de sua? A disponibilização de materiais exclusivos gerou um mercado mais competitivo, que culminou em dúvida sobre a sustentabilidade desse contexto. À medida que as plataformas de transmissão digital evoluem e inovações tecnológicas continuam a moldar o modo de consumir conteúdo, surge a pergunta crucial: como será o futuro desse mercado?

Em um mergulho para desvendar as novas tendências e os desafios que podem definir os próximos passos das plataformas de streaming, a reportagem busca elucidar questões sobre o futuro desses serviços.

Intensa competição

Em meio ao crescimento deste mercado, é esperado que a concorrência por audiência e assinantes atinja níveis maiores. Leo Morel, professor de MBA na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em Gestão e Produção Cultural, destaca a distinção estrutural entre os serviços de música, nos quais os artistas disponibilizam o mesmo material em várias plataformas, e os serviços de vídeo, nos quais cada empresa oferece conteúdo exclusivo. 

Esta disparidade, segundo ele, é um dos motivos da competição acirrada no mercado de vídeo, compelindo os consumidores a investirem em várias assinaturas para ter acesso aos materiais de seu interesse. O aumento significativo na diversidade de catálogos levanta questionamentos sobre a acessibilidade econômica do entretenimento, criando o desafio de manter várias assinaturas em diferentes plataformas para acessar conteúdos variados. "Assinar os principais serviços de vídeo sob demanda aqui no Brasil fica inviável, restrito a uma camada da população brasileira com poder aquisitivo que possibilite isso", analisa Morel.


Algumas observações de mercado podem sugerir que existam aquisições e fusões entre as grandes plataformas, na tentativa de tornar o mercado menos concorrido, fortalecer os catálogos e aumentar a fatia de consumidores. Apesar de as empresas possuírem uma visão própria sobre o comportamento do mercado, novas plataformas podem surgir a qualquer momento. A questão sobre o retorno da TV por assinatura em detrimento dos serviços de streaming surge quase que inconscientemente. Vale a pena pagar por vários, ou é melhor abrir mão do conforto da navegabilidade para ter tudo em um só lugar?

O Brasil tem muita possibilidade de crescimento nessa área, mas esbarra em um contexto de grande desigualdade social. "Cada classe social no Brasil consome entretenimento de uma forma distinta. Eu imagino que as classes mais altas aceitariam, sem problemas, pagar pelo serviço. Mas as classes mais baixas, não tem poder de compra para isso", explica Morel. Segundo ele, assinar todos os serviços torna-se insustentável para grande parte da população brasileira, assim como a TV por assinatura.

Surge a necessidade de buscar formas de captação diversas, como a disponibilização de materiais gratuitos, mas com inserção de propagandas, assunto que ainda é considerado polêmico pelos usuários. Morel analisa a inserção de publicidade como uma tendência de mercado, para que seja possível custear as operações e incluir consumidores que não estão dispostos a pagar uma assinatura completa. 

Equilibrando as contas

Em outubro de 2023, a Netflix anunciou o aumento no valor das assinaturas e a inserção de propagandas no plano básico, uma decisão que gerou críticas de seus clientes. Por outro lado, o preço de manter uma plataforma de qualidade é alto. Somente assinaturas não conseguem sustentar financeiramente a maior parte das empresas. 

O Box Brazil Play, serviço de streaming nacional, diversifica as  fontes de renda para manter o negócio sustentável. Deydrid Kaefer, diretora de Operações da empresa, explica que são utilizados recursos como publicidade interativa, conteúdos patrocinados, compras no aplicativo, modelos de Pay-per-View, Parcerias e Cooperações, além de programas de fidelidade. "Equilibrar os interesses entre criadores, assinantes e anunciantes cria um ambiente sustentável e garante o crescimento dos negócios", aponta. 

Sobre publicidade, a solução seria a integração de anúncios interativos, que envolvam o usuário, oferecendo uma experiência mais personalizada e menos intrusiva. Deydrid esclarece a utilização dos dados do usuário de forma a personalizar os anúncios, fazendo com que os espectadores recebam ofertas interessantes e os anunciantes tenham mais eficácia. 

A diretora de operações argumenta que as estratégias não apenas diversificam as fontes de receita, mas também podem impactar positivamente a criação e distribuição de conteúdos. "Ao introduzir novas formas de monetização, as plataformas podem financiar produções mais ambiciosas, promover a descoberta de conteúdo e, ao mesmo tempo, manter a acessibilidade para um público mais amplo", acrescenta.

É necessário existirem diferentes planos de assinatura para atender às expectativas do público. A aceitação da publicidade é mais aceitável quando o conteúdo é disponibilizado gratuitamente, salienta Morel. Então, como inovar nesse cenário?

Inovação e novas tecnologias

Uma presença destacada no mercado de streaming está ligada diretamente ao conteúdo oferecido e o público é exigente no que consome. Recentemente, a RDC TV lançou a plataforma RDC PLAY, buscando tornar os conteúdos mais acessíveis aos usuários. Athilio Zanon, coordenador de Conteúdo Digital da plataforma, observa que, diante da dinâmica do mercado, é necessário que o serviço apresente um diferencial significativo. Com o tempo, a redução do número de clientes em cada player resulta em recursos limitados, impactando negativamente na qualidade do produto.

Para Zanon, ainda existe espaço para explorar esse mercado, mas em breve ele precisará se reestruturar. "Hoje, já entendo que o orçamento necessário para produzir é superior à quantidade disponível de demanda", explica. Essa reestruturação destacada pelo coordenador de conteúdo digital pode ser entendida como novas ideias, tecnologias e até mesmo fusões entre plataformas e trocas de catálogos. A RDC Play revela os planos futuros que incluem a geolocalização, para que os serviços consigam entregar conteúdos específicos levando em consideração sua cultura e interesses locais. 

As inovações do mercado vêm provando que aprimorar a tecnologia é inevitável, a exemplo da Inteligência Artificial. É possível que as empresas invistam nessa novidade para a produção de conteúdo, o que pode gerar conflitos com profissionais desse cenário e a discussão sobre propriedade intelectual. Morel destaca que também é possível uma mudança no funcionamento dos algoritmos, que devem ser mais orientados ao que a plataforma deseja que usuários assistam do que, necessariamente, conteúdos personalizados.

Ao falar em tendências, é necessário citar a revolução das realidades aumentadas (RA) e realidades virtuais (RV). Inovações que prometem aumentar a experiência imersiva e interatividade dos usuários. Deydrid Kaefer sugere que esses projetos podem revolucionar a entrega de conteúdo nos próximos anos. "Essas inovações estão redefinindo o futuro do entretenimento, tornando-o mais envolvente e personalizado." 

Streamings se moldam e se organizam em um cenário de entretenimento digital dinâmico, marcado por conteúdos exclusivos e competição acirrada. Os principais desafios são o aprimoramento contínuo das plataformas, a atração de novos usuários e a manutenção desses consumidores. Por outro lado, a personalização, qualidade e acessibilidade se tornaram essenciais para o sucesso.

Entre tantas tecnologias que prometem inovar a experiência dos usuários, é difícil saber qual se tornará a favorita. E o caminho está repleto de questionamentos que vão de direitos autorais à modelos sustentáveis de monetização.

Enquanto o futuro não chega, o mercado fica de olho nas próximas tendências, na expectativa de testemunhar os avanços que definirão o rumo dos streamings. Afinal, ainda tem, sim, alguém assistindo. 

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