Professora da Unisc que está nos EUA entrevista docente da Arizona State University

Cristiane Lindemann conversou com Retha Hill, ex-Washington Post, sobre jornalismo e tecnologia

Retha Hill - Divulgação

Nos Estados Unidos desde o começo de junho, a professora Cristiane Lindemann, da Unisc (Santa Cruz do Sul), conversou com a docente da Arizona State University (ASU) Retha Hill, que atuou por anos no Washington Post, sobre jornalismo e tecnologia. A gaúcha participa do programa acadêmico do governo norte-americano Study of the U.S. Institutes (Susi) for Scholars, Cronkite School of Journalism and Mass Communication, da ASU. Ela foi a única brasileira contemplada com a bolsa.

Ao Coletiva.net, Cristiane contou que a segunda semana de aula teve como tema 'Understanding the future of Journalism and Communication' (Entendendo o futuro do Jornalismo e da Comunicação), apresentado por Retha. "Os encontros suscitaram discussões que, me parecem, são universais, afinal, somos 17 participantes, todos de países diferentes, e muitas inquietações se assemelham, resguardadas algumas questões políticas, econômicas e sociais", falou.

Segundo ela, a experiência foi maravilhosa e, por isso, quis compartilhar com outros profissionais da área. "Retha foi muito receptiva e gentil, recebendo-me em seu gabinete para uma conversa que, agora, compartilho com os leitores de Coletiva.net", informou, contando que a norte-americana vivenciou de perto todas as etapas pelas quais o jornalismo vem passando desde o estabelecimento da 'sociedade em rede'. "Ela era produtora-executiva de projetos especiais no jornal Washington Post quando, em 1995, foi criada a primeira versão digital do veículo, disponibilizada ao público cerca de oito meses depois, já em 1996, quando a web ficou suficientemente estável", mencionou.

Retha ainda foi vice-presidente de conteúdo da BET Interactive, unidade online da Black Entertainment Television e o site mais visitado especializado em conteúdo afro-americano na Internet, de acordo com Cristiane. Em 2007, a professora norte-americana ingressou no corpo docente da Walter Cronkite School of Journalismnd Mass Comunication, da ASU, onde leciona disciplinas sobre narrativa digital e coordena o Laboratório de Inovação e Empreendedorismo de Novas Mídias, incentivando os alunos a criarem videogames, aplicativos móveis e cenas 3D para realidade virtual.

Leia a entrevista pingue-pongue:

Cristiane Lindemann: Como foi a experiência de criação da primeira versão digital do Washington Post?

Retha Hill: Foi absolutamente fantástica, por algumas razões. O Washington Post existe desde 1930 e é um ótimo jornal. Muitas coisas eram tradicionais e, criando o WashingtonPost.com, realmente tivemos a chance de pensar sobre qual nova publicação queríamos, como fazer as coisas de uma maneira diferente, e isso foi emocionante. Tivemos que experimentar e ultrapassar um pouco os limites, então, foi legal desse ponto de vista. Ao mesmo tempo, ao contrário de algumas das startups como Slate e Salt Line, e outras delas, tínhamos essa marca atrás de nós.

Assim, os limites foram dobrados, porque os editores e gestores ou nos ignoravam ou eram cautelosos, questionando "o que vocês estão fazendo com a nossa marca?". Então, houve um pouco de tensão ao tentar criar algo novo, porque o site não podia ser apenas o jornal online, tinha que ter interatividade. Como editora, em muitos aspectos foi bom para mim porque quase 80% das pessoas que viviam em Washington liam o jornal em papel - compravam ou tinham uma assinatura - ou seja, não precisavam lê-lo novamente no computador.

Conversávamos regularmente com algumas pessoas, tínhamos mapas interativos, fazíamos muitas coisas interativas. Eu e minha equipe tentávamos pensar: "Ok, já lemos o jornal de hoje sobre o time de futebol vencendo o jogo. Como podemos dar a você algo diferente?" Ou: "Se o cidadão já leu uma resenha de um filme que está saindo na sexta-feira, como podemos falar sobre isso de maneira diferente? Talvez possamos conversar com um crítico de cinema?". Foi interessante para inventar novas formas de contar histórias.

Cristiane: Podemos dizer que hoje existem modelos consolidados de jornalismo digital?

Retha: Acho que talvez ainda não estejamos aproveitando toda a tecnologia disponível para realmente dar ao consumidor digital, particularmente ao consumidor móvel, a experiência completa que poderíamos oferecer. Digamos que é um experimento caro. Se quisermos ter, por exemplo, realidade aumentada como parte da operação de notícias diárias, é preciso criar as ferramentas. Temos que criar o fluxo de trabalho, temos que ter um artista e pessoas que podem, muito rapidamente, modelar algo, ir para a unidade e descobrir isso. Vai demorar um pouco antes que possamos fazer isso diariamente, mas, definitivamente, acho que nós, empresas de notícias, estamos fazendo um documento, um relatório de investigação ou algo do tipo para chegar a uma produção diária.

Há muito mais que podemos fazer com o digital agora que não podíamos há 25 anos. Como a CNN, que, ao cobrir o caso das crianças na caverna da Tailândia, possibilitou ao internauta sentir que estava dentro na caverna. Deveríamos estar fazendo mais coisas assim, dar às pessoas essa experiência. Não é barato e leva tempo, mas acho que já há um investimento nessas ferramentas.

Cristiane: Fale mais sobre como o jornalismo pode se apropriar de ferramentas tecnológicas como realidade virtual e realidade aumentada.

Retha: Penso que os jornalistas têm que prestar atenção no que as pessoas e outras indústrias adjacentes estão fazendo. Os clubes de futebol e a engenharia arquitetônica usam muito bem a realidade virtual e realidade aumentada. Em uma grande empresa aeroespacial ou empresa de aviação, basta usar fones de ouvido e eles estão dizendo exatamente como colocar esse objeto no espaço. Então, pensemos nisso como jornalistas: como explicar para as pessoas como podem contribuir para a diminuição de carbonila [monóxido de carbono]? Imagine ter alguma ferramenta em que você possa ver, ajustando um termostato, como é possível contribuir. Por exemplo, evitando usar o carro para ir ao trabalho quando você pode pegar o ônibus naquele dia. Isso é algo que o jornalismo pode fazer.

Não estamos propondo apenas ter algo divertido, mas realmente pensar no contexto, seja dos Estados Unidos ou de outros locais. Porque muitas pessoas não refletem sobre o que fazem, mas podemos mostrar a elas, pois temos tecnologia para isso. Você só precisa estar preparado. Temos que pensar em bons casos de uso, construí-los e implementá-los. Por outro lado, as pessoas precisam ter acesso a isso. Elas têm um telefone celular, não precisam colocar algo acoplado em suas cabeças, por exemplo. Podem tê-lo no bolso. Mas não estamos construindo esse tipo de conteúdo.

Cristiane: Isso não é um paradoxo entre realidade e ficção? Afinal, no jornalismo sempre trabalhamos com os preceitos de verdade e realidade. As realidades aumentada e virtual não remetem à ideia do "real mais que real"?

Retha: Você tem que trabalhar com o que é verdade quando você está fazendo uma história. Deixe-me comentar uma coisa sobre a televisão. Fui entrevistada tantas vezes pela televisão e sempre que eles vêm aqui, sabe o que eles me pedem para fazer? "Levante-se, fique de pé e faça isso". Eu estava fazendo isso? Eu não estava. Quando eles entraram, eu não estava de pé apontando para o computador, mas eles me pediam para fingir. Eles me pedem para andar pelo corredor, olhando para um pedaço de papel.

Não estou dizendo que os jornalistas falsificam algo. Eu estou apenas dizendo que o que podemos fazer é recriar a realidade. O que eu estou fazendo com alunos do ensino médio, por exemplo: estou tentando criar uma versão de realidade aumentada de um bairro, vamos fazer isso multimídia. Estou olhando para este lugar e tentando recriar como será daqui cerca de 25 anos. Posso pegar um desenho plano, ir para a unidade e criar um modelo 3D para que um usuário público possa vê-lo em seu telefone. Isso é real!

Cristiane: Neste contexto, as redações precisam de mão de obra especializada. Como os jornalistas de longa data se adaptaram à tecnologia? No Brasil, muitos deles foram demitidos. Jovens são contratados porque entendem mais sobre tecnologia. Isso ocorre nos Estados Unidos?

Retha: A mesma coisa. Muitas das pessoas que são mais velhas foram demitidas e tiveram dificuldades em voltar a trabalhar. Alguns deles se voltaram para ser professores em universidades, mas muitas escolas de jornalismo já têm professores que podem ensinar redação, videografia, tudo isso. Eles precisam contratar um profissional com algumas habilidades especiais, alguém que possa ensinar análise de mídia social digital, por exemplo, mas se você não tem feito isso, não pode ensinar. Alguém como eu, que trabalha tecnologia, pode ensinar coisas.

O que eu digo para os jornalistas mais velhos é: voltem a estudar. Não precisa ser um curso de quatro anos, mas algo online, para aprender alguma coisa. E é isso que faço. Onde quer que eu tenha um tempo extra, como em um feriado ou algo assim, eu acesso um desses vídeos e ensino a mim mesma. Posso não ser uma especialista nisso, mas me tornei boa o suficiente para poder ensinar meus alunos e estou sempre tentando aprender novas habilidades. Muitos dos meus amigos que começaram no Washington Post comigo ou no jornal da Carolina do Norte, não estão trabalhando. Não quero ser essa pessoa, por isso, continuo aprimorando minhas habilidades. Você não pode ficar complacente porque não há espaço suficiente no jornalismo.

Cristiane: Olhando para o futuro, como os alunos aprenderão daqui a 10 anos? Como os jornalistas vão trabalhar?

Retha: Acho que eles vão aprender com um híbrido de teoria de estudos acadêmicos e habilidades práticas - sair, entrevistar pessoas, coletar conteúdo. Mas alguns dos canais de distribuição serão diferentes. Pode ser em um fone de ouvido, talvez a sua sala de estar seja um espaço holográfico onde você pode ver os eventos do dia em 3D, como um post em uma tela plana. Para mim, as ferramentas podem ser diferentes, e a distribuição pode ser diferente, mas o jornalismo, em essência, permanece o mesmo. Você está sendo verdadeiro? Você está representando o que está acontecendo de maneira correta? Você está permitindo que as pessoas tenham discussões sobre o que está acontecendo e se envolvam? Todas as coisas que fazemos agora faremos muito melhor.

O mundo está muito mais complicado e precisamos ser capazes de mostrar às pessoas o que está acontecendo de uma maneira verdadeira, de forma que elas possam entendê-lo. Podemos lhes dar opções para se envolverem da maneira que escolherem. Queremos ir a Marte por volta de 2030 e eu não quero que as pessoas tenham medo de Marte. Quero que as pessoas digam: "Como seria viver em Marte?" Os jornalistas precisam ser capazes de pegar tudo o que os cientistas estão dizendo, construir uma representação disso e mostrar a todos: "Você já viu? Você está com medo disso? Esperançoso? Triste? Animado?". Eu acho que é assim que precisamos fazer as coisas. No jornalismo, temos que aprender novas ferramentas, mas continuamos sempre relatando a verdade.

Cristiane: Porém, em diferentes formatos e canais?

Retha: Pode ser. Acho que daqui a 20 anos os adolescentes estarão tão acostumados com todas as realidades 3D, espaciais e aumentadas. É assim que eles vão querer obter as informações.

Cristiane: Você acha que o jornal impresso vai sobreviver?

Retha: Penso que há algumas pessoas que ainda querem ler, mas talvez nem seja na versão impressa. Isso provavelmente será um desperdício porque você lê e joga fora. Talvez algum tipo de papel digital flexível, cujo conteúdo mude todos os dias, que seja possível colocar no bolso. O MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) está trabalhando nisso, 15 ou 18 anos atrás eu vi uma demonstração. Algumas pessoas ainda amam livros, mas acho que muito disso vai passar para a tela porque é um desperdício menor. A última vez que me mudei, há cerca de cinco anos e meio, eu tinha muitos livros e finalmente decidi me livrar de dois terços deles. Hoje, tudo que tenho está no meu Kindle. E, agora, não tenho que mover caixas grandes.

Cristiane: A tecnologia torna os seres humanos melhores?

Retha: Creio que tem um potencial para nos tornar seres humanos melhores porque coloca o conhecimento na ponta dos dedos. Quando eu era pequena, eu era muito pobre. Não tivemos sequer uma enciclopédia. Então, sempre que eu precisava saber alguma coisa, entrava na biblioteca da escola - para chegar, ou andava na neve ou pegava um ônibus. Agora, você tem muita informação ao alcance dos seus dedos. Não há desculpas, se você tem acesso, para ser ignorante sobre qualquer parte deste mundo. Mas também pode isolar as pessoas. Você tem que saber quando desligar isso e conversar com alguém pessoalmente. Algumas pessoas se escondem atrás da tela para atacar os outros e outras pessoas dizem: "Eu tenho o mundo na ponta dos meus dedos e vou aproveitar ao máximo". Essa sou eu.

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