Precisamos de mais correspondentes latinos na China

Por Thiago Copetti, para Coletiva.net

Existe um problema que paira sobre a segunda maior economia do mundo, e não é uma questão econômica. Claro que a guerra comercial, iniciada pelos Estados Unidos, é um problema, mas esta é uma questão tangível. O que paira sobre a China como uma névoa intangível é a sua comunicação com o mundo.

A comunicação internacional da China, que na diplomacia se classifica como "poder do discurso, uma ferramenta do softpower", é tema tanto de debates acadêmicos quanto de preocupações governamentais. E foi por isso que durante seis meses estive lá, o que já foi tema de artigo publicado em Coletiva.net (leia aqui). Neste novo artigo, abordo o tema por um outro foco e depois de ouvir também acadêmicos e jornalistas internacionais que trabalham em Pequim.

A China "reclama" que não consegue levar adiante suas notícias de forma ampla e clara. Quando bem dissemina, não é entendida. E isso tem muitas pontas envolvidas. A primeira delas, indicada por chineses e com a qual concordo, é que basicamente o que chega de notícias sobre o país no ocidente tem o viés de agências europeias e norte-americanas. Existem pouquíssimos correspondentes fixos da América Latina no país. Recordo apenas de uma representante da mexicana Telesur e de uma correspondente de Cuba. O Brasil, cujo maior parceiro comercial é a China, não conta com nenhum jornalista baseado lá. É um caso a se pensar.

Assim, sem olhares latinos e próprios, acabamos comprando a versão europeia ou norte-americana sobre a China. Pouco a pouco, cresce na mídia brasileira o saudável hábito de também buscar informações na Xinhua, agência oficial de notícias do governo chinês. Mas como é uma agência oficial, ainda que com qualidade, reproduz o discurso governamental e por isso perde pontos.

Para encerrar, cito o jornalista Michael Zárate, peruano que atua na revista China Hoy. Assim como 99% dos veículos chineses de comunicação, a China O, voltada ao público de língua espanhola, é um veículo institucional. Praticamente todos os veículos são de governos, províncias, distritos ou do partido. O que não impediu Zárate, durante o II Seminário Internacional 'China y América Latina: Diálogo entre civilizaciones', fazer sua crítica ao modelo chinês de comunicação e de sua pouca credibilidade na disseminação do discurso internacional.

Zárate ressaltou que há uma excessiva, ou quase única, presença de notícias positivas sobre a China nos quase 100% de meios de comunicação do país. "Não há problemas em difundir o que é positivo. O problema é não dar espaço para a crítica. Sem esse espaço, a mídia ocidental não usará a mídia chinesa como referência", sintetizou Zárate.

Creio que a mudança do controle do governo chinês sobre a mídia nacional está por vir, pouco a pouco, lentamente. Mas creio virá. Hoje, não é permitido que um jornal publique notícias que podem desestabilizar o poder central e que uma denúncia seja publicada sem a devida resposta do governo. O problema está no que é "desestabilizar". Exigir o contraponto, não. Algo precisa mudar na comunicação da China com o mundo, começando pela China. Mas os jornais brasileiros também fariam um bom trabalho tendo, de alguma forma, um olhar próprio sobre a China, dentro da China, sem intermediários.

Thiago Copetti é jornalista e repórter do Jornal do Comércio.

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