A chuva, 80 canais e nada para ver

Por Eliziário Goulart Rocha Assino o pacote Advanced, da Net, mais o "a la carte" esportivo PSN e os cinco canais do pay-per-vyew do …

Por Eliziário Goulart Rocha
Assino o pacote Advanced, da Net, mais o "a la carte" esportivo PSN e os cinco canais do pay-per-vyew do futebol, o que significa 80 canais. Apesar disso, já me deparei várias vezes com a falta do que ver na TV. Sem contar as emissoras totalmente desinteressantes incluídas no menu, há ainda os canais segmentados que decididamente não são para o meu segmento, mais aqueles que repetem sem parar programas que não eram bons nem enquanto novidade, os que nos fazem adormecer em poucos minutos, os que não se pode assistir com crianças na sala etc. Tem seu lado bom, sem dúvida. Conversa-se mais com as pessoas, lê-se bons livros em maior quantidade, vai-se mais ao cinema, ao teatro, e o mais importante, a restaurantes e barzinhos jogar conversa fora. Como os dias de sol têm sido raros em São Paulo, os momentos de folga contam ainda com brincadeiras, CDs, DVDs, vídeos etc.
Sem dúvida, há um lado ótimo, mas é um absurdo assinar 80 canais e às vezes ficar sem opção. A grande polêmica entre Globo e SBT por causa da Casa dos Artistas deveria se transferir para outra esfera. Que o SBT copiou a fórmula do Big Brother não há dúvida, embora seja discutível se alguém pode ter direitos assegurados sobre o ato de filmar pessoas numa casa. Meu pai, que nos últimos anos desfilava sempre com uma câmera de vídeo a registrar o cotidiano de sua propriedade, poderia ser processado pela Endemol, afinal, ele muitas vezes filmava pessoas conversando e vivendo seu dia-a-dia dentro de uma casa. Também é fato que a Globo só chiou tanto porque Silvio Santos aprimorou a idéia e obteve um êxito fenomenal. Se o povo gosta de espiar a intimidade de estranhos, era previsível que se interessasse mais pela de pessoas conhecidas, ainda que estrelas de segundo time. Agora começou o Big Brother da Globo, e é claro será um grande sucesso, como já o foi em vários países. A Globo tem poder de fogo, estrutura e competência para transformar rapidamente em estrelas os participantes da gincana milionária, neutralizando em parte o impacto da Casa dos Artistas.
O foco sob o qual deveria se desenrolar a discussão é a falta de originalidade da televisão. Aparentemente, tudo já se criou, então, parta-se para a cópia descarada. A mesma Globo que se escandalizou com a Casa dos Artistas, não teve qualquer constrangimento em importar do SBT o Programa do Jô, cópia descarada de talk-shows americanos, em especial do Late Show, de David Letterman. Do cenário da cidade ao fundo à caneca personalizada, ou o assessor careca para assuntos aleatórios. Também, porque deveria, se Letterman, Larry King e Jay Leno, os três grandes âncoras de programas do gênero nos EUA nunca se preocuparam com eventuais semelhanças.
O futebol é outro campo fértil para a imitação. Quem assistiu às recentes transmissões da Rede Record deve ter achado que sintonizara na Globo. O uniforme da equipe, o comentarista de arbitragem, a vinheta com equipes, tempo e placar no canto superior esquerdo do vídeo e várias outras semelhanças não eram coincidências. Tampouco são marcas registradas da Globo, se utiliza o mesmo padrão pelo mundo afora. Se deu certo, é mais fácil fazer igual do que arriscar alguma inovação. Chacrinha já dizia: "Em televisão nada se cria, tudo se copia." Poucos, na história da TV brasileira, tiveram a ousadia e a originalidade do Velho Guerreiro, até hoje imitado, jamais igualado. Sílvio Santos também estabeleceu um padrão, e continua sendo o melhor, apesar dos inúmeros seguidores. É mais velho do que o mundo: entre a cópia e o original, o povo fica com o original, o contrário não faria sentido. Mas, como preferidos ou não, os imitadores de estilo garantem audiência suficiente para se manter no ar, tudo ficará como está.
Os programas infantis são um caso exemplar, sem exceção apresentados por loiras pretensamente angelicais. Os noticiários não fogem à regra, todos querendo ser iguais ao Jornal Nacional, objetivo de gosto duvidoso, mas, enfim. É óbvio que a audiência tem de ser levada em conta, é daí que vêm as verbas publicitárias, que por sua vez permitem a produção de programas mais sofisticados. Algumas minisséries da Globo são bons exemplos de que é possível unir qualidade e muitos pontos no Ibope. A discussão é interminável, mas talvez um cidadão com 80 canais num dia chuvoso tenha mais opções quando os profissionais de TV pararem de criar programas com um olho no canal concorrente.
Dedicado a Vera Zilio
( [email protected])

Comentários