Erico Veríssimo: de presidente da Associação Riograndense de imprensa (ARI) ao escritor best-seller

Por Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite

 

Minha tendência no momento é dizer que o grande herói desta hora é o povo, o homem comum, que, se continua vivo, é de teimoso (1975).

Erico Veríssimo

Em 17 de dezembro de 2018, completaram-se 113 anos do nascimento, no município de Cruz Alta (RS), de um dos grandes nomes da nossa literatura: o gaúcho Erico Lopes Veríssimo.  

Nascido no ano de 1905, nosso escritor faleceu aos 69 anos de idade, na noite de 28 de novembro de 1975, vítima de infarto, após ter dedicado 50 anos de sua vida à literatura. Entre contos, romances, biografias, narrativas e novelas, este sagitariano nos legou uma vasta produção literária, totalizando 36 obras.

 Autobiográfico, Solo de Clarineta, em seu segundo volume, ficou inacabado devido ao seu falecimento. Ao concluir esta obra e trazê-la a público, em 1976, o historiador Flávio Loureiro Chaves - um estudioso sobre a vida deste cruzaltense - cumpriu de forma honrosa a missão. Os livros de Erico Veríssimo já foram editados em mais de quinze idiomas. Escritor premiado, ele pertence à segunda fase do Modernismo ou, como também denominam os especialistas, em literatura brasileira, fase da consolidação do movimento.

Infância e família

Oriundo de uma tradicional família, que sofrera um sério revés financeiro, Erico começou a trabalhar, desde cedo, para ajudar no orçamento familiar. Sebastião Veríssimo, seu pai, era formado pela Faculdade de Farmácia de Porto Alegre e proprietário, em Cruz Alta, de um estabelecimento, cujo nome era Farmácia Brasileira.      

Localizada ao lado da residência da família, esta farmácia era separada apenas por um corredor. Junto ao local havia também a sala de operações do Dr. Cesare Merlo. A mãe, dona Abegahy Lopes, era uma figura terna, de boa formação cultural, e dedicada ao marido e aos filhos Erico, Ênio e Maria (adotiva).  Aos quatro anos, o nosso futuro escritor teve meningite e por pouco não veio a falecer.

Em Cruz Alta, estudou no Colégio Elementar Venâncio Ayres. Aluno disciplinado e discreto, ele frequentava o cinema e gostava de ler, incursionando, desde cedo, pelo universo literário. Aos 10 anos, encantou-se pelas aventuras do escritor Júlio Verne (1928-1905). Atento aos acontecimentos mundiais, o menino Erico acompanhou as notícias sobre naufrágio do Titanic (1912), o início da 1ª Grande Guerra (1914-1918) e a terrível Gripe Espanhola (1918).   

Nasce o jornalista

Na sua cidade natal, a precoce aproximação com o jornalismo ocorreu no âmago familiar, pois seu pai, Sebastião Veríssimo, era responsável e o fundador do jornal humorístico O Calhorda. Segundo a bacharela em Comunicação, a gaúcha Luiza Carravetta, o exercício do jornalismo se refletiu na obra de Erico Veríssimo, conforme explicou: "não só pelo jornalismo ser usado como tema, por ele ter criado vários personagens jornalistas, mas, também, pelo modo de narração e de construção de suas histórias". Em 1983, Carravetta dirigiu o espetáculo O teatro, a literatura e a montagem audiovisual, tendo como base a obra Solo de Clarineta, que ganhou o prêmio do Instituto Nacional de Artes Cênicas.

Na infância, a arte de desenhar esteve presente no processo de criação do futuro jornalista e escritor. Em 1914, aos nove anos de idade, ele criou uma revista artesanal, cujo nome era A caricatura. Na realidade, era um exemplar, composto por duas folhas de papel almaço, ilustrado com desenhos e umas pequenas notas. O projeto não foi além do primeiro exemplar. Em plena 1ª Guerra Mundial (1914-1918), o menino Erico criou a sua segunda publicação à qual denominou de Íris. Na capa, destacava-se o retrato do então presidente norte-americano Woodrow Wilson (1856-1924).

A partir dos 13 anos, o menino que, mais tarde, tornar-se-ia um ícone da nossa literatura, começou a ler os autores nacionais como Aluísio de Azevedo (1857-1913), Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), Coelho Neto (1864-1934), Euclides da Cunha (1866-1909) e também os estrangeiros, a exemplo de Walter Scott (1771- 1832), Émile Zola (1840-1902), Balzac (1799-1850), Proust (1871-1922), Dostoiévski (1821-1881) e Oscar Wilde (1854-1900).

O Cruzeiro do Sul

Hábil na arte da escrita, Erico Veríssimo passou, na adolescência, a colaborar no jornal O Pindorama do internato de orientação protestante, Cruzeiro do Sul (atual IPA), localizado em Porto Alegre, no Bairro Teresópolis, onde permaneceu até o final de 1922. Na realidade, Erico não quis frequentar o curso preparatório para ingressar na Faculdade de Direito e retornou a Cruz Alta. Neste ínterim, a farmácia de seu pai faliu e seus pais se separaram. Erico, a mãe e seus irmãos foram morar na casa dos avós maternos. Diante das dificuldades econômicas, ele passou a trabalhar como balconista do armazém do tio Americano Lopes.      

Entre as publicações lidas por Erico, A Revista Brasil (1916-1990), na época, era uma das suas favoritas. Ao lê-la, de forma habitual, o futuro escritor tomava ciência da vida literária do Brasil, que, naquele momento, vivenciava o Movimento Modernista, no qual despontavam nomes como Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Graça Aranha (1868-1931), Monteiro Lobato (1882-1948), entre outros destaques. Dominando a língua inglesa, ele traduziu, em 1923, os poemas, em inglês, do poeta indiano Rabindranat Tagore (1861-1941).

No contexto histórico do nosso Estado, neste período eclodiu a Revolução de 23, cujo objetivo era destituir o presidente do Estado Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961). A oposição - que era liderada por Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938) -, divergia da política borgista, que, há mais de 20 anos, era marcada pelo centralismo e por eleições sucessivas e fraudulentas lideradas pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Sob a "mão de ferro" de Borges de Medeiros, a oposição assisista se rebelou e partiu para o confronto bélico, pois seus apelos ao presidente Artur Bernardes (1875-1955), para que este interviesse no Estado, não encontravam ressonância, na antiga Capital Federal, no Rio de Janeiro, embora Borges de Medeiros houvesse apoiado o seu opositor Nilo Peçanha (1867-1924) na campanha eleitoral para a presidência.

A Revolução, conhecida como Assisista ou Libertadora, visava também a alterar a Constituição de 1891, que permitia as reeleições sucessivas e fortalecia, com poderes plenos, o Poder Executivo. Naquela época, o voto não era secreto, sendo que a fraude eleitoral era uma prática constante. O voto passou a ser secreto somente em 1932, assim como as mulheres, naquele ano, conquistaram o direito de votarem conforme o nosso primeiro Código Eleitoral.

No ano seguinte, em 1924, Erico, sua mãe e os irmãos se mudaram para Porto Alegre, pois seu irmão Ênio iria ingressar no colégio em que ele havia estudado. Infelizmente, devido às dificuldades financeiras, a família retornou à cidade natal. Em Cruz Alta, na residência de seus tios, Catarino e Maria Augusta, ele criou o hábito de ouvir os compositores clássicos. Os filhos deste casal, Rafael e Adriana foram os primeiros a lerem a incipiente produção literária do jovem Erico.

Em 1925, ele voltou a trabalhar, como chefe da Carteira de Descontos, na filial do Banco Nacional do Comércio. Transcorrido um ano, junto com um amigo de seu pai, tornou-se sócio da Farmácia Central. Infelizmente, este empreendimento faliu, deixando uma dívida que só seria saldada dezessete anos mais tarde. Além de farmacêutico, Erico também lecionou literatura e inglês.

O casamento

No ano de 1927, iniciou o seu namoro com Mafalda Halfen Volpe - uma jovem de 15 anos - que, após quatro anos, tornar-se-ia a sua esposa. O casal teve dois filhos: Clarissa Veríssimo e Luis Fernando Veríssimo. O último nome dispensa apresentações, pois seguiu a verve do pai, sendo um consagrado escritor. Entre suas obras importantes, podemos destacar O Analista de Bagé (1981) e Comédia da Vida Privada (1994).  Dona Mafalda foi a companheira fiel de Erico. Ele costumava declarar que, sem a paciência e o bom senso da esposa, sua carreira de escritor teria sido impossível.

A amizade de dois titãs da nossa literatura

Em 1928, Dr. Getúlio Dorneles Vargas (1882-1954), assumiu o governo do Estado e conseguiu unir ferrenhos adversários políticos: chimangos (lenço branco) x maragatos (lenço vermelho). Por meio da FUG (Frente Única Gaúcha), o presidente Vargas uniu facções, cujo ódio político-partidário permanecia acirrado desde a Revolução Federalista (1893-1895) ou da Degola.  

Manoelito de Ornelas (1903-1969) - o autor de Gaúchos e Beduínos (1948) e Terra Xucra (1967) - conheceu, na época, em Cruz Alta, Erico Veríssimo. Ambos tinham, em comum, a paixão pela literatura e a profissão de farmacêutico, selando-se assim uma fecunda amizade. A comunicação entre os dois amigos, por meio de cartas, diminuía a distância e a saudade.  Ao ler o conto Ladrão de Gado, Manoelito convenceu seu amigo a enviá-lo para a Revista do Globo (1929-1967) onde foi publicado.  Erico, a partir desta iniciativa, deu um passo importante na sua caminhada literária graças ao incentivo do seu amigo.

No ano de 1929, no mensário Cruz Alta em Revista, ele publicou Chico: Um conto de Natal. Ainda nesse ínterim, enviou para o diretor Souza Júnior, do suplemento literário do Correio do Povo, o conto A Lâmpada Mágica, que também foi publicado. A partir do êxito destas iniciativas, novos horizontes iriam se descortinar para o jovem escritor...

Em outubro de 1930, ao se despedir da figura paterna, Erico viveu um momento bastante triste. Envolvido com a Revolução de 30, seu pai decidira se mudar para Santa Catarina. Após este episódio, pai e filho nunca mais se encontrariam novamente.

A Revolução de 30 - que agitou o País - encerrou-se com a prática política de Minas Gerais e São Paulo elegerem seus representantes para a presidência do Brasil de forma alternada. Havia um acordo, entre os dois estados, desde a época do presidente Campos Sales (1898-1902). Quando, novamente, foi indicado um paulista, no caso Júlio Prestes (1882-1946), e não um mineiro para a presidência, o pacto se rompeu. Diante deste fato, o representante de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946), decidiu dar o seu apoio à candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio Vargas (1882-1954). Em um discurso, no ano de 1929, ele assim declarou: "Façamos a revolução pelo voto antes que o povo a faça pelas armas". A famosa Aliança Liberal (Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba) deu fim ao conhecido ciclo da política do Café com Leite, apeando do poder o presidente Washington Luís (1869-1957). Acusado pela oposição de vencer uma eleição fraudulenta, o seu sucessor Júlio Prestes foi impedido de assumir a presidência, e o gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, que havia perdido as eleições, ocupou o cargo máximo da Nação, em 24 de outubro de 1930, dando início à Era Vargas.

Em busca de um lugar ao Sol

Naquele mesmo ano, em dezembro de 1930, nosso escritor deixou, novamente, Cruz Alta, viajando para Porto Alegre com apenas a roupa no corpo e outra muda na mala. Completado 25 anos de idade, Erico sentia a imprescindível necessidade de um emprego que lhe possibilitasse concretizar o seu sonho: ser um escritor! 

Ao encontrar com Moysés Vellinho (1902-1980), na época, secretário de Oswaldo Aranha (1894-1960), Erico falou da necessidade de conseguir um emprego, mas não houve retorno concreto quanto ao seu pedido. Em contrapartida, o seu encontro com Mansueto Bernardi (1888-1966) - diretor da Revista do Globo - resultou numa resposta positiva. Com uma proposta de um salário razoável, ele começou a trabalhar, na Livraria do Globo, iniciando uma nova fase profissional.                                                                                                    

Um bar Boêmio

No Bar do Antonello, na Rua da Ladeira (atual General Câmara), Erico se reunia com outros intelectuais da época. Localizado no antigo Edifício Petit Cassino, que fora demolido, os jornalistas, da época, transformaram o local num ponto de encontro, principalmente durante a madrugada, quando ali se apresentavam duvidosas estrelas vindas do Rio da Prata. Entre os frequentadores se encontravam Augusto Meyer (1902-1970), Paulo Corrêa Lopes (1898-1957), Ernani Fornari (1899-1964), Reynaldo Moura (1900-1965), Mário Quintana (1906-1994), Darcy Azambuja (1903-1970), Athos Damasceno Ferreira (1902-1975) e outros nomes.

Erico, em 1931, fez a tradução dos livros O Sineiro (The Ringer), O círculo vermelho (The Crimson Circle) e a Porta das sete chaves (The Door with Seven Locks) de Edgar Wallace (1875-1932). O escritor e amigo Augusto Meyer (1902-1970) lhe apresentou a obra Point Counter Point, de Aldous Huxley (1894-1963). Traduzida por Erico, em 1933, com o título Contraponto, esta obra foi editada dois anos depois. Ainda naquele ano, o Diário de Notícias (1925-1979) publicou vários de seus contos: Malazarte, O professor dos cadáveres, Aquarela chinesa, Como um raio de sol, entre outros.

Em 1932, eclodiu a Revolução Constitucionalista, na qual os paulistas pegaram em armas, visando a derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e à convocação de uma Assembleia Nacional Constitucionalista. Neste confronto os paulistas perderam e Vargas seguiu no poder. Na época, em Porto Alegre, Mansueto Bernardi deixou a Revista do Globo (1929-1967), para assumir, no Rio de Janeiro, a Casa da Moeda, e Erico assumiu a sua direção e atuou no departamento editorial da Livraria do Globo.

O primeiro livro de contos

Lançado em 1932, Fantoches é uma coletânea de quinze contos que sofreram a influência de autores como Henrik Ibsen (1828-1906), Bernard Shaw (1856-1950), Anatole France (1844-1924) e Luigi Pirandello (1867-1936). Este seu primeiro livro de contos foi elogiado pela crítica e teve 1.500 exemplares impressos, tendo sido vendidos entre 400 e 500 números. Infelizmente, um incêndio no armazém, onde se encontravam os livros, destruiu grande parte da sua tiragem.

Seu primeiro romance

No ano seguinte, em 1933, publicou Clarissa. Considerado seu primeiro romance, Erico traça o perfil psicológico de uma adolescente, de 15 anos, que pertence a uma tradicional família rural que vem estudar em Porto Alegre, vivendo numa pensão que, na realidade, é um microcosmo da vida urbana e seus personagens da classe média. O livro teve uma tiragem de 7000 exemplares. Em 1935, nasceu a sua filha, que foi batizada com o nome de Clarissa, personagem protagonista desta obra.

A Revista do Globo

O escritor, jornalista e pesquisador Antônio Hohlfeldt, membro do Conselho da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), enfatiza que Erico, ao assumir a direção da Revista do Globo, em 1932, fez com que esta desse um salto de qualidade.  Hohlfeldt - atual presidente da Fundação Theatro São Pedro - assim declarou: "A revista se transforma em algo de caráter nacional, ela deixa de ser algo de caráter social, que publicava fotos de aniversários de 15 anos de moças, para se tornar uma publicação de referência".

Com o tempo que lhe restava, após seu trabalho na Livraria do Globo, Erico escrevia numa coluna no Correio do Povo, cujo nome era A mulher e o lar, conforme o Ir. Elvo Clemente (1921-2007) registrou num artigo publicado no livro Erico e seu tempo (2005). Esta coletânea foi organizada pelo CIPEL no ano do Centenário (1905-2005) de nascimento do nosso escritor. Em 2005, comemorou-se também o centenário de nascimento de outro ícone: o escultor pelotense Antônio Caringi (1905- 1981).  Entre tantos trabalhos importantes, ele foi o responsável pelo monumento O Laçador, inaugurado, em 1958, sob os aplausos e o discurso de Leonel de Moura Brizola.

Um ano especial na vida de Erico

Em 1935, ano em que ocorreram as festividades alusivas ao Centenário Farroupilha (1835-1935), o Gen. José Antônio Flores da Cunha (1880-1959) governava o Rio Grande do Sul e o nosso prefeito era o Dr. Alberto Bins (1869-1957).

No contexto nacional, eclodia a famosa Intentona Comunista que se tratou de um levante de caráter revolucionário. Operado por membros do Exército brasileiro, com o apoio do Partido Comunista (PC), seu objetivo era derrubar o governo Vargas, porém seu intento foi frustrado. Embora o momento político bastante tumultuado, Erico se destacou como escritor, inclusive, recebendo importantes prêmios literários. Em 1935, ele realizou a sua primeira viagem ao Rio de Janeiro, na época, Capital Federal onde contatou com Jorge Amado (1912-2001), Murilo Mendes (1901-1975), Augusto Frederico Schimidh (1906-1965), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), José Lins do Rego (1901-1957), entre outros nomes do nosso cenário literário. 

Com o lançamento do livro Música ao Longe (1935), no qual a personagem Clarissa reaparece, numa cidade pequena, como professora, Erico ganhou o Prêmio Machado de Assis da Cia. Editora Nacional. O livro, na realidade, é uma continuação do romance Clarissa (1933). Neste período, faleceu seu pai Sebastião Veríssimo.

Erico Veríssimo é eleito presidente da ARI 

Em 23 de dezembro de 1935, atingindo 88 votos, dentre 114 jornalistas, ele foi eleito o primeiro presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI). Os jornalistas ligados à ARI, que se fizeram presentes nesta eleição, pertenciam às redações dos principais jornais de Porto Alegre: Correio do Povo, Diário de Notícias, A Federação, Jornal da Manhã, Jornal da Noite, Revista do Globo, Neue Deustsche Zeitung e Deutsches Volksblatt. Desta época, o único que não encerrou, de forma definitiva, a sua circulação foi o Correio do Povo

A perseguição no Estado Novo (1937-1945)

Durante o seu discurso da posse, Erico conclamou a classe dos profissionais de imprensa do Rio Grande do Sul a se aliarem a ARI, visando a lutar pela liberdade de imprensa. Ainda em 1935, ele lançou o livro Caminhos Cruzados, que retratou o contraste existente entre ricos e pobres, levando o leitor a questionar sobre as desigualdades sociais e os problemas gerados a partir desta realidade socioeconômica. O romance nos traz uma abordagem crítica da sociedade brasileira contemporânea. Devido ao teor desta obra, Erico foi acusado pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de ser comunista. Além disso, ele havia assinado um manifesto que condenava o fascismo, o que se somou à sua "má fama" em relação a este órgão do governo. Embora as polêmicas geradas acerca de Caminhos Cruzados, este romance fez com que Erico recebesse o Prêmio da Fundação Graça Aranha.

Ao ser empossado, como presidente da ARI, ele assim se manifestou quanto às acusações do DOPS: "Sou um homem que não tem nem nunca tive partido político. Acho que todos os partidos são bons desde que possam assegurar uma vida decente, razoavelmente confortável e cheia de ar puro e livre. Há uma convicção que ninguém varre da mente: a de que o ar não é prioridade de ninguém. Todos temos igual direito a respirá-lo de acordo com a capacidade de nossos pulmões".

Em sua gestão, o alto índice de prisões, que se seguiu à Intentona Comunista, incluiu muitos jornalistas. As prisões decretadas se baseavam na Lei de Segurança Nacional.  Diante disso, Erico interveio, várias vezes, visando à liberdade dos colegas de profissão e, quando não era possível, buscava obter melhores condições de carceragem; além de dar assistência à família do preso político. Ele costumava dizer que "Comunista é o pseudônimo que os conservadores e saudosistas do fascismo inventaram para designar todo sujeito que luta por justiça social".                                    

Na Alfândega, outras negociações também ocorriam junto ao governo, visando à liberação de papel importado para a impressão dos jornais, assim como garantir nas viagens de trem um desconto de 50 % para os profissionais filiados à ARI. Hohlfeldt enfatiza que a grande contribuição de Erico, como presidente da ARI, foi também reunir patrões, empregados e pessoas que trabalhavam diretamente com a imprensa. 

A literatura infantojuvenil

De 1935 a 1939, Erico Veríssimo publicou vários livros para crianças e jovens. Entre outros títulos, ele publicou: A vida de Joana D'Arc (1935), Os três Porquinhos Pobres (1936), As Aventuras de Tibicuera (1937), O Urso com Música na Barriga (1938) e Viagem à Aurora do Mundo (1939).

Em 1936, a pedido de Arnaldo Balvé, assumiu dois programas na Rádio Farroupilha: Amigo Velho e O Clube dos três Porquinhos. Neste período, nasceu o filho Luiz Fernando Veríssimo e Erico lançou o seu livro Um lugar ao Sol, onde reaparecem personagens presentes nos livros Música ao Longe e Contraponto, além de permanecer na direção da revista A Novela (1934-1937), que era editada pela Editora Globo.

No ano seguinte, devido à censura durante o Estado Novo (1937-1945), por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo (DIP), nosso escritor abandonou os programas no rádio. Isto ocorreu devido à ordem de submetê-los à aprovação daquele órgão. Sua atuação, na condição de presidente da ARI, seguiu até maio de 1937. Em 1938, ele abandonou, definitivamente, a Revista do Globo, dedicando-se apenas à parte editorial.

O jornalista Ayres Cerutti, que faz parte da diretoria da ARI, declarou que "o sucesso retumbante do Erico como escritor, como romancista, eclipsou sua importância como jornalista". O ingresso e a atuação de Erico na Revista do Globo e depois na Editora são a prova inconteste de seu talento excepcional. Como jornalista, a partir de 1940, a sua colaboração nos periódicos se tornou menos frequente. Erico havia alcançado, de forma irrefutável, o sucesso literário.

Seu primeiro best seller

Erico Veríssimo lançou, em 1938, o romance Olhai os Lírios do Campo que se tornou um estrondoso sucesso editorial, tendo sido traduzido do inglês ao indonésio. Em São Paulo, Erico realizou uma sessão de autógrafos e lá, na Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade (1893-1945), teve contato com figuras importantes: Lígia Fagundes Telles, Edgard Cavalheiro (1911-1958), José Geraldo Vieira (1897-1977), Sérgio Milliet (1898-1966), Paulo Bonfim 1926-2019) entre outros nomes.

O título Olhai os Lírios do Campo nos remete a um trecho do famoso Sermão da Montanha (Mateus 6:28), no qual esta frase é citada. A obra se trata da história de Eugênio Fontes, que, de origem humilde, formou-se em Medicina. Durante o curso, ele se apaixona por Olívia, mas casa-se por interesse econômico com Eunice - uma mulher abastada e da elite -, cujo pai se chama Vicente Cintra. Com esse drama de pano de fundo, Erico construiu um quadro de tipos humanos que vivem num universo conflitante, gerado pela dicotomia entre segurança versus felicidade. Os dramas são vivenciados numa sociedade capitalista e competitiva, na qual o acúmulo de bens materiais sobrepuja os valores espirituais.   

Olhai os lírios do campo / Tese acadêmica, o filme e a novela

Modernidade e exercício da medicina no romance Olhai os lírios do campo (1938) de Erico Verissimo é o título da tese da historiadora Elizabeth Rochadel Torresini que foi defendida, em 2003, em Porto Alegre, na Ufrgs. Este trabalho resultou num livro, cujo título é Histórias de um Sucesso Literário - Olhai os Lírios do Campo de Érico Veríssimo, publicado pela Editora Literalis. Durante a sua importante pesquisa, Torresini frequentou arquivos, bibliotecas e museus, a exemplo da hemeroteca do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, localizado no Centro Histórico de Porto Alegre, que, em 10 de setembro de 2019, completará 45 anos de atividades culturais junto à sociedade gaúcha.

A primeira adaptação para o cinema, de uma obra de Erico, ocorreu em 1947. Com o título Mirad los lírios del campo (Olhai os Lírios do Campo / 1938), trata-se de uma produção argentina dirigida por Arancibia. Ainda naquele ano, Erico traduziu Mas não se mata cavalo de Horace Mcoy.

Passados 33 anos, do lançamento do filme argentino, Olhai os Lírios do Campo deu origem a uma telenovela. Exibida, em 1980, pela Rede Globo no período de 21 de janeiro a 23 de maio, esta produção teve a direção de Geraldo Vietre e Wilson Aguiar Filho.

Como conselheiro literário da Editora Globo, Erico selecionou, ao lado de Henrique Bertaso (1906-1977) e de Mauricio Rosenblatt (1906-1988), muitos escritores estrangeiros, a exemplo de Thomas Mann (1875-1955), Virgilia Woolf (1882-1941), Proust (1871-1922), Balzac (1799-1850). Traduzidas para o português, as obras destes autores passaram a fazer parte das coleções Nobel e Biblioteca dos Séculos, resultando num enorme sucesso.

Os pesquisadores da obra de Erico costumam denominar de romance urbano o período, no qual ele retratou a vida da pequena burguesia, por meio de uma visão crítica e lírica, nos romances Caminhos Cruzados, Clarissa e Olhai os Lírios do Campo. 

Após o sucesso editorial de Olhai os Lírios do Campo, Érico Veríssimo, em 1940, lançou Saga. Considerado pelo próprio autor como o seu pior romance, a obra se trata de uma reflexão sobre a Guerra Cívil Espanhola (1936-1939). Vasco Bruno - a personagem central - é um brasileiro que se alista nas brigadas internacionais. Na realidade, é como se tratasse de um "diário de experiências", narrado na primeira pessoa. Ainda naquele ano, ele traduziu Adeus Mr. Chips e Não estamos sós, de James Hilton (1900-1954); Felicidade e Meu primeiro Baile, de Katherine Mansfield (1888-1923), e Ratos e Homens de John Steinbeck.

Em 1941, ano da grande enchente, Porto Alegre ficou encoberta pelas águas do Guaíba. Na época, a família de Erico, após ter mudado de endereço, algumas vezes, terminou por fixar residência na Rua Felipe de Oliveira, no Bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Neste local, nosso escritor viveu até a sua morte, em 1975, e sua esposa, até 2004.

Ainda naquele ano, a convite do Departamento de Estado Americano, Erico passou três meses nos Estados Unidos, participando de conferências. Suas vivências, na terra do Tio Sam, resultaram na publicação do livro Gato Preto em Campo de Neve. 

O Resto é Silêncio: um livro polêmico

Em Porto Alegre, em outubro de 1941, ele e o irmão Ênio presenciaram um suicídio de uma mulher, que se atirou de um edifício. O fato ocorreu enquanto os irmãos conversavam, na Praça da Alfândega, no centro da capital gaúcha. Este fato inspirou Erico a escrever o seu sétimo livro, cujo título é O Resto é silêncio. Publicado em 1943, a figura central do romance é Tônio Santiago. Desembargador aposentado, este personagem é um escritor que resolve se inspirar na tragédia ocorrida, para escrever uma novela de televisão. Após 38 anos do seu lançamento, este livro, em 1981, deu origem a um telerromance de Mário Prata, que teve a direção de Arlindo Pereira,

Um artigo publicado na revista Echo, do Colégio Anchieta, pelo padre jesuíta Leonardo Fritzen, levou Erico a mover um processo crime contra o religioso. O artigo, em questão, tratava-se de uma crítica ao seu livro O Resto é Silêncio, quanto a seu conteúdo moral, além de Fritzen enfatizar, também, que não indicaria a leitura da obra à mocidade dos educandários católicos.

Em 1942, ano em que o Brasil entrou na 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a Editora Globo, visando a driblar a censura, criou a Meridiano. Na realidade, era uma subsidiária secreta, onde eram lançadas obras que iam de encontro à política do Estado Novo (1937-1945), como o livro As mãos de meu filho. Escrito por Erico, este livro é uma coletânea de contos.

O professor Erico Veríssimo

Com medo de represálias políticas em relação à sua família, Erico, em 1943, aceitou o convite para lecionar literatura brasileira na Universidade da Califórnia. Erico e a família passaram a morar em Berkley. Em 1944, o Mills College de Oakland da Califórnia, na qual ele lecionou literatura e história do Brasil, conferiu-lhe o título de Honoris Causa.

Diante da vitória dos aliados na 2ª Guerra mundial e com o término da ditadura Vargas (1937-1945), Erico retornou ao Brasil. Após ter realizado várias conferências e cursos, em vários estados dos EUA, foi publicado neste país Brazilian Literature anoutline. Em 1946, ele publicou A Volta Gato Preto, no qual registrou, a exemplo de outro livro escrito por ele, em 1941, reflexões acerca das suas vivências nos Estados Unidos.

Ao final de 1945, pouco tempo depois de seu retorno dos Estados Unidos, Erico visitou o Ginásio Cruzeiro do Sul, onde havia estudado. Encantados com a visita, os jovens estudantes o questionaram acerca da sua vida pessoal e a de escritor famoso. O fato foi registrado na Revista do Globo, pelo repórter Jorge cordeiro, na edição nº 399, daquele ano. Recentemente, no Almanaque Gaúcho, do jornal Zero Hora, Ricardo Chaves, em 16 de abril de 2019, publicou, em sua coluna, um texto sobre esta importante visita de Erico Veríssimo, contatando com os alunos, daquele estabelecimento de ensino, num prazeroso intercâmbio cultural.  

O Tempo e o Vento

O ano de 1947 foi bastante marcante, pois Erico começou a escrever outro grande sucesso literário: O Tempo e o Vento. Ele, na realidade, havia previsto que o seu livro - um romance histórico - seria lançado num único volume, mas isto não foi possível. Por meio de seus personagens, Erico retratou a história de dois séculos do Rio Grande do Sul desde a sua formação sociopolítica, econômica e cultural. Esta importante obra acabou ultrapassando 2.200 páginas. Esta trilogia se insere, na trajetória do nosso escritor, como a fase do romance histórico.

Dedicando-se, durante 15 anos, ao processo de elaboração desta obra, Erico narra a saga da família Terra Cambará e de sua principal opositora o clã dos Amaral. A trilogia segue uma ordem cronológica: O Continente (1949), O Retrato (1951) e o Arquipélago (1961). Personagens como Ana Terra, Bibiana e Capitão Rodrigo Cambará se imortalizaram no imaginário dos leitores.

A trilogia O Tempo e o Vento tem sido objeto de estudo, em vários trabalhos acadêmicos, como a tese O Tempo e o Vento e a tessitura das Memórias, que foi defendida, em 2016, na UFSM, pelo Dr. Francisco Mateus Conceição, na área das Letras. 

O Tempo e o Vento: no Cinema e na TV

No dia 20 de setembro de 2013, data magna para os gaúchos, na qual ocorrem vários eventos oficiais alusivos à Revolução Farroupilha (1835-1845), houve a estreia nacional do filme O Tempo e o Vento, baseado na famosa trilogia de Erico Veríssimo. Atingindo um público de 711.267 espectadores, que lotaram as salas de cinema, o filme alcançou uma renda de 7,7 milhões de reais em bilheteria. Com roteiro da dupla Tabajara Ruas e Letícia Wierzchowski, a direção ficou a cargo de Jayme Monjardim.  Em 1985, esta trilogia foi apresentada pela Rede Globo numa minissérie que foi exibida de 22 de abril a 31 de maio, em 26 capítulos. A trilogia O Tempo e o Vento inspirou também o lançamento de mais três filmes: O Sobrado (1956), Um Certo Capitão Rodrigo (1970) e Ana Terra (1971). Este último foi dirigido por Durval Gomes, o primeiro, por Cassiano Gabus Mendes e Walter George Durst e o segundo, por Alselmo Duarte. 

No ano de 1949, Erico coordenou a comitiva que recepcionou o escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960) e também lançou O Continente que faz parte, como já foi citado acima, da trilogia O Tempo o Vento, tendo excelente aceitação do público leitor. 

Convidado pelo governo brasileiro, em Washington (EUA), Erico, em 1953, assumiu a direção de departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, da Secretaria da Organização dos Estados Americanos (OEA), no lugar do escritor Alceu Amoroso Lima (1893-1983).

Em 1954, ano do suicídio do presidente Getúlio Vargas, Erico foi agraciado com o Prêmio Machado de Assis graças ao conjunto da sua obra. Erico visitou vários países da América Latina, proferindo palestras e conferências diante das funções assumidas junto à Organização dos Estados Americanos (OEA). Este importante prêmio foi concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Na época, Erico publicou a novela A Noite, porém a expectativa maior, do seu público leitor, era a conclusão da trilogia de O Tempo e o Vento. Esta novela foi adaptada, em 1985, para o cinema e dirigida por Gilberto Loureiro. A estória se passa numa única noite. A personagem central se trata de um homem que perde a sua memória. Permitindo-se arrastar por dois desconhecidos, ele é levado, na madrugada afora, a lugares sórdidos da cidade onde as regras de boa conduta são quebradas e sobreviver é a única saída.

A família Veríssimo retornou ao Brasil, em 1956, e sua filha Clarissa se casou com David Jaffe, mudando-se para os Estados Unidos. Desta união nasceram os seus netos Michael, Paul e Eddie. Ainda naquele ano, Erico publicou o livro Gente e Bichos. Direcionada ao público infantil, esta publicação é uma coletânea de textos.

Erico e a Feira do Livro de Porto Alegre

Erico Veríssimo, em 1955, ano da 1ª Feira do Livro de Porto Alegre, não conseguiu retornar dos Estados Unidos. No ano seguinte, ele trouxe uma inovação para a nossa Feira do Livro: a sessão de autógrafos, que, tradicionalmente, aproxima os autores com o seu público leitor numa verdadeira simbiose cultural. Naquela ocasião, a novidade foi considerada um exibicionismo e gerou protestos. Embora a oposição inicial, a ideia de criar uma sessão de autógrafos se consolidou, ao longo do tempo, como um marco importante no universo literário. A sessão de autógrafos, naquele tempo, era diferente, pois o escritor permanecia um período, na banca de sua editora, autografando. Um dado interessante é que o autógrafo pioneiro foi do juiz de Direito, Lenine Nequete, em seu livro Da Prescrição Aquisitiva-Usucapião, comprado pelo escritor Guilhermino César (1908-1993).

Com impressões vivenciadas durante sua viagem ao México, Erico lançou, em 1957,  um livro, cujo título é o próprio nome daquele país. O livro O Ataque é lançado, em 1958, reunindo três pequenas novelas: Sonata, Esquilos de Outono e A Ponte. Na mesma obra há um capítulo, que depois foi inserido na parte final de O Tempo e o Vento.

A primeira viagem à Europa

Dois anos depois, em 1959, Erico, Mafalda e Luis Fernando fizeram sua primeira viajam à Europa. Em Portugal, Erico, em suas palestras, defendeu o regime democrático, chocando-se com a ditadura do presidente António de Oliveira Salazar (1889-1970). Na casa da sua filha Clarissa, em Washington, Erico passou uma temporada.   

Em 1961 - o Ano da Legalidade - o Rio Grande do Sul, por meio de seu governador Leonel Brizola, liderou um movimento, criando a rede da Legalidade, visando à mobilização da população gaúcha, para que João Goulart (1918-1964) não fosse deposto da presidência, evitando assim, naquele momento, o golpe civil-militar que se concretizaria, três anos depois, em 1964. Na época, Erico sofreu o primeiro infarto do miocárdio. Após dois meses de recuperação, ele retornou aos Estados Unidos na companhia de sua esposa Mafalda.

O casal, Erico e Mafalda visitaram, em 1962, França, Itália e Grécia e, neste mesmo ano, nosso escritor lançou o último volume da trilogia O Tempo e o Vento: O Arquipélago, que foi considerado uma obra prima. No ano seguinte, faleceu sua mãe Dona Bega.

Erico e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985)

No ano de 1964, foi implantada, no Brasil, a ditadura civil-militar (1964-1985). Com receio de uma guerra civil, o presidente gaúcho João Goulart preferiu recuar a resistir ao golpe, pois temia um derramamento de sangue. O motivo de ter se afastado do poder, o próprio presidente Goulart justificou para o seu cunhado Leonel de Moura Brizola (1922-2004), que insistiu para que este lutasse até o fim. Diante da recusa de Jango, em relação ao seu pedido, este se afastou, por um longo período, do seu amigo e cunhado. Diante da implantação de uma ditadura, Erico dirigiu um manifesto a seus leitores, defendendo as instituições democráticas. Reconhecido por sua contribuição cultural, ele recebeu, naquele ano, o título de Cidadão de Porto Alegre, conferido pela Câmara dos Vereadores.

Embora momento de intensa turbulência política, o filho Luis Fernando se casou em 1964, no Rio de Janeiro, com Lúcia Helena, que, desde 1962, lá se encontrava morando. Desta união nasceram Fernanda, Mariana e Pedro.

Novamente, em 1965, Erico e Mafalda viajam aos Estados Unidos, para passar uma temporada com a filha e os netos. Ainda naquele ano, a sua vivência no universo da diplomacia resultou no livro O Senhor Embaixador, que conquistou, na categoria Romance, o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira de Livros. Ambientado em um país imaginário do Caribe, o romance tem características que nos remetem à Ilha de Cuba,

Em 1966, ao ser convidado pelo governo de Israel, Erico visitou aquele país e depois viajou, novamente, até os Estados Unidos, para visitar seus familiares. No Rio de Janeiro, a Editora José Aguilar publicou, em cinco volumes, o conjunto da obra de Erico, fazendo parte, inclusive, uma autobiografia, cujo título é O Escritor diante do Espelho.

Dirigido por Dionísio de Azevedo e com a adaptação de Teixeira Filho, estreou em 1967, na antiga TV Excelsor, O Tempo e o Vento. Ainda no mesmo ano, inspirado na intervenção dos Estados Unidos nos países asiáticos, Erico publicou O Prisioneiro.

Em 1968, ano do Ato Institucional nº 5 (AI 5), que marcou o início do período mais duro da ditadura civil-militar (1964-1985), nosso escritor foi reconhecido como intelectual do ano e recebeu o Troféu Juca Pato num concurso promovido pela Folha de São Paulo e pela União Brasileira de Escritores.

A casa, onde Erico Veríssimo nasceu, em Cruz Alta, foi transformada, no ano de 1969, em Museu. Encantado com sua visita a Israel, nosso escritor lançou, naquele ano, o livro Israel em abril. Mais tarde, em 1986, o Museu se tornaria a Fundação Erico Veríssimo.

Incidente em Antares: o romance político

Publicado em 1971, seu livro Incidente em Antares - considerado um romance político - foi lançado sem submeter os originais à censura prévia da época. Ao enveredar num universo fantástico, o livro trata de uma rebelião de cadáveres, durante uma greve de coveiros, em uma cidade fictícia chamada Antares. Neste contexto ficcional, Erico denunciou as mazelas do autoritarismo e a violação dos direitos humanos que são próprios dos períodos ditatoriais. A primeira parte desta obra foi escrita nos Estados Unidos, quando Erico lá se encontrava. 

Em Incidente em Antares, os mortos revelam segredos dos vivos, protagonizando uma narrativa pontuada pela crítica social. O livro deu origem a uma minissérie, em doze capítulos, exibida pela Rede Globo, entre 29 de novembro a 16 de dezembro de 1994. O diretor geral desta série foi José Luiz Villamarim, e o texto foi assinado por Alcides Nogueira e Nelson Nadotti. A Rede Globo, no mesmo ano, também lançou um longa-metragem, baseado na série apresentada. A adaptação para o cinema foi realizada pela dupla Charles Peixoto e Nelson Nadotti.

Neste romance, os mortos-vivos representam, de forma metafórica, tanto os vivos que se "fingem de mortos" diante da realidade política do Brasil - como o golpe civil-militar de 1964 -, quanto os mortos e sepultados que, no entanto, continuam a agir imbuídos de um autoritarismo, que se apresenta incompatível com as conquistas da liberdade humana.

A população de Antares - cidade fictícia do interior do Rio Grande do Sul - aderiu a uma greve geral, e os trabalhadores paralisaram as suas atividades.  Na impossibilidade de serem enterrados sete cadáveres, durante o período grevista, os defuntos se levantam dos seus caixões, passando a perambular pela cidade. Este é o eixo desta estória, denominada de realismo mágico. 

As personagens se apresentam como tipos sociais, destacando-se pelo seu efeito simbólico. A valentia do gaúcho está presente na fala do coronel Vacariano: "Palavra de honra, se esse moço [Carlos Lacerda, jornalista carioca, opositor de Vargas] tivesse dito na imprensa sobre a minha pessoa a metade do que disse sobre o Getúlio, eu tomava um avião, ia ao Rio e metia-lhe um balaço em cada olho, palavra". Existe também a dose cômica, no perfil de algumas personagens deste romance, que se destaca, por exemplo, na figura da telefonista Shirley Terezinha: "trinta e cinco anos, solteirona, católica praticante, fã de Frank Sinatra, de novelas de rádio, e leitora de Grande Hotel". 

No ano em que o Brasil comemorou o Sesquicentenário da sua Independência (1822-1972), Erico lançou a biografia Um Certo Henrique Bertaso, narrando a trajetória deste empresário, que foi um dos criadores da famosa Revista do Globo (1929-1967) e também fez parte do grupo que inaugurou,  em Porto Alegre, em 16 de novembro de 1955, na Praça da Alfândega, a 1º Feira do Livro. Esta obra se constituiu num diagnóstico intelectual da sua geração. Ao completar 40 anos do lançamento de Fantoches (1932), Erico decidiu relançá-lo, acrescentando notas e desenhos originais da sua autoria. No mesmo período, nosso escritor foi agraciado com o tradicional Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil.

No ano seguinte, ampliou sua autobiografia que fora publicada em 1966. Com o título de Solo de Clarineta, ele lançou, em 1973, o primeiro volume. Ele estava, definitivamente, decidido a escrever uma trilogia da sua trajetória. Ainda naquele ano, ele ganhou o Prêmio da Fundação Moinho Santista. No ano seguinte, em 1974, foi lançado o curta-metragem Um contador de histórias, dirigido por David Neves e Fernando Sabino, com a narração de Hugo Carvana. O próprio Erico Veríssimo se intitulava como um "Contador de Histórias".

Criticado por manter uma postura passiva quanto aos abusos do governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Erico, naquele momento, foi considerado "acomodado" pela intelectualidade de esquerda, na verdade, ele não concordava com a literatura panfletária. Sua obra, no entanto, reflete de forma indelével suas ideias humanistas, democráticas e liberais. Um liberalismo, indubitavelmente, voltado às preocupações de cunho social.

Em seu artigo Incidente em Antares, de Erico Veríssimo, Rebeca Fuks - doutora em Estudos da Cultura -, transcreveu esta declaração dada por nosso escritor, numa entrevista, acerca do Golpe de 64: "Sempre achei que o menos que um escritor pode fazer, numa época de violência e injustiças como a nossa, é acender sua lâmpada [?]. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto".

Luis Fernando Veríssimo assim registrou a importância da contribuição literária de seu pai: "Foi um dos primeiros a fazer literatura urbana no Brasil, a preferir o despojamento anglo-saxão à empolgação ibérica e francesa e a escrever com informalidade que não excluía a experiência com estilos e técnicas de narrativa. Talvez nenhum outro escritor brasileiro do seu tempo fosse tão bem informado sobre a teoria do romance, embora se definisse como apenas um contador de histórias"

O Centro Cultural Erico Veríssimo

Inaugurado em 17 de dezembro de 2002, o Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo é um centro cultural da cidade de Porto Alegre, direcionado às áreas da cultura vinculadas ao livro e a literatura. Sua criação foi resultado de uma parceria entre a Companhia Estadual de Energia Elétrica - uma empresa pública do Estado - a Associação Cultural Acervo Literário de Erico Veríssimo e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC). Este Centro Cultural se encontra instalado no antigo prédio da Companhia Força e Luz (1928), abrigando três salas de exposições, um auditório-teatro, uma biblioteca, o Museu da eletricidade do Rio Grande do Sul, salas para oficinas e cursos, além de espaços visando à conservação e manutenção de acervos documentais e literários.

Em seu artigo, "Até qualquer dia" (1975), publicado em Zero Hora, Carlos Lacerda fez um interessante comentário sobre o escritor Erico Veríssimo: "Ele foi, creio, o primeiro escritor brasileiro que teve a coragem, afinal correspondida, de viver somente de e para a criação literária. Ele provou, corajosamente, que isto seria possível. Ele, Mafalda e os filhos. Deu consciência da maturidade profissional ao escritor brasileiro - como Jorge Amado, José Mauro de Vasconcelos, Antonio Carlos Villaça e outros, muito poucos".

Morre Erico Veríssimo / O Contador de Histórias

Em 28 de novembro de 1975, Erico Veríssimo, após ter visitado, pela última vez, a sua amada cidade natal - Cruz Alta (RS) - faleceu, em Porto Alegre, vítima de um infarto fulminante. A morte o impediu de completar o segundo volume de sua autobiografia, assim como publicar um romance, cujo título seria A Hora do Sétimo Anjo.

Nosso escritor foi sepultado no Cemitério São Miguel e Almas onde também se encontra os restos mortais de outro ícone da nossa cultura: o compositor Lupicìnio Rodrigues (1914-1974).

Uma homenagem póstuma, na forma de um poema, foi escrita por outro gigante da literatura brasileira. Refiro-me a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e ao seu poema A Falta de Erico:

Falta alguma coisa no Brasil

depois da noite de sexta-feira.

Falta aquele homem no escritório

a tirar da máquina elétrica

o destino dos seres,

a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom

caminhando entre adultos

na esperança da justiça

que tarda - como tarda!

a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,

aquela ternura contida, óleo

a derramar-se lentamente.

Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta.

Erico Veríssimo permanecerá vivo nos corações de todos os gaúchos. A grandeza de sua alma e de seu talento, como escritor, é o legado da sua fecunda existência.                    

Carlos Alberto Saraiva da Costa Leite é pesquisador e coordenador do setor de Imprensa do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom).

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