Museu de grandes novidades: o jornalismo na era da "inovação"

Por Carlos Guimarães, para Coletiva.net

De tempos em tempos, nosso vocabulário é enriquecido com os chamados "termos de época". Não se falava, anos atrás, em "empreendedorismo" da maneira que se aborda hoje, por exemplo. As derivações linguísticas também são uma construção social. Os períodos históricos redefinem, entre outras coisas, também o uso das palavras. No mundo contemporâneo tecnológico, uma outra palavrinha, bem antiga, é usada com entusiasmo: inovação.

O termo "inovação" geralmente se associa ao contexto tecnológico. É como se fosse intrínseco: só é possível inovar com o domínio do instrumento, ou seja, da tecnologia em si. Não se fala em inovação analógica, por exemplo. Ela é digital, conectada, inserida na sociedade em rede. No jornalismo contemporâneo, a obsessão por inovar tem sido, a grosso modo, incentivar os profissionais a operarem nas plataformas digitais. A perspectiva otimista atribuída aos novos meios esbarra, entretanto, em uma questão que não é tão debatida: o homem domina a tecnologia ou a tecnologia tem dominado o homem?

Há, evidentemente, um campo a ser explorado. As ferramentas digitais, aparentemente, arquitetam-se como um espaço infinito para a difusão de ideias e novidades. É possível observar cada vez mais jornalistas ocupando esse território que, em primeira instância, é fértil o suficiente para abrigar um mercado inteiro de trabalho. Entretanto, quando se alimenta a ideia de "inovação jornalística", não se fala em inovação no conteúdo, na prática ou no hábito. O que se tem é o mero transbordamento de práticas já conhecidas para o ambiente das redes sociais. O modus operandi do fazer jornalístico permanece inabalável. No YouTube, faz-se televisão. No Medium, faz-se jornal. No podcast, faz-se rádio. No geral, faz-se jornalismo, sem tirar nem por, disfarçado de "inovação" muito mais pelo meio onde opera do que pelo conteúdo que se apresenta.

Embalagens à parte, nada mais é do que sempre se fez nos veículos tradicionais, com uma simples transposição para o ambiente digital. O podcast é um exemplo clássico. Se formos ouvir um podcast jornalístico - mesmo que não se proponha a ser jornalístico na embalagem -, perceberemos que, em sua maioria, é somente um programa de rádio gravado e disponível para ser ouvido a qualquer hora. Os canais de YouTube - em geral, todos iguais - são pequenos videoclipes com fala, edições espertas, cobertura de imagens e linguagem que não se distanciam muito do que a MTV já fazia nos anos 1990, por exemplo. Os textos do Medium são grandes reportagens recortadas por capítulos. Se há uma influência na linguagem - é inegável que a cultura do hiperlink tem um impacto real - e do consumo - mais uma vez a personalização está presente, com o "assisto/ouço/leio na hora que eu quiser" - , em termos de conteúdo, não há o que apresentar de novo.

O jornalismo já experimentou o futuro no presente algumas vezes. O jornalismo literário, o new journalism, o jornalismo gonzo e o jornalismo de grandes reportagens foram apontados como a "melhor forma de fazer jornalismo de todos os tempos da última semana". Mas o ser humano - e o jornalista amplifica anseios sociais, difunde comportamentos de momento - é insaciável quando o assunto é a novidade. A questão que proponho é justamente a gente pensar se há ou não uma novidade de fato.

Este encantamento - nada inédito, basta lembrar das previsões que se faziam com a televisão ao vivo, por exemplo - perpassa o mero sentido do deslumbramento óbvio com a novidade. Ele se transforma em uma obsessão pelo novo, que não é tão novo assim. Gera um fetichismo pelas novas tecnologias, com ânsia por explorar novos horizontes, determinando, desta forma, uma espécie de servidão do homem à tecnologia, quando, de fato, deveria ser o contrário.

O domínio da máquina é, possivelmente, a única "revolução" que a era digital nos traz. Com todo o otimismo e o deslumbramento residindo sobre a tecnologia, há de se pensar no papel do homem nisto tudo. A história nos ensina que quem opera a tecnologia é o homem e não o contrário. Essa dependência tecnológica é, sobretudo, perigosa para apresentar novas possibilidades ao jornalismo contemporâneo, que pode ficar preso - quando não escravo - desse fetiche tecnológico que, para os deslumbrados, resolve todos os problemas. Enquanto isso, as fake news, o descrédito à categoria, o abalo à credibilidade, a falta de remuneração e as demissões em massa continuam. E eu não vejo nenhuma máquina resolver esse problema. Afinal, nem todo mundo sabe ser youtuber.

Carlos Guimarães é comentarista e coordenador de esportes da Rádio Guaíba. Doutorando em comunicação pela PUCRS e Mutor do livro 'O comentarista esportivo contemporâneo: novas práticas no rádio de Porto Alegre'.

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