O cadáver do prefeito na sala

Por Flávio Paiva A morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André, São Paulo, desencadeou uma verdadeira onda de manifestações pelo Brasil. Uma onda …

Por Flávio Paiva
A morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André, São Paulo, desencadeou uma verdadeira onda de manifestações pelo Brasil. Uma onda apartidária, que envolve todos os setores da sociedade brasileira organizada. Ninguém mais suporta a violência nos níveis em que está ocorrendo no nosso país. Sou a favor de toda e qualquer manifestação anti-violência. Considero a violência o último recurso possível a ser utilizado pelo homem. É a falta total de argumentos.
Mas estas manifestações, de um modo geral, têm sido burras. Burras porque têm se concentrado na ponta final de todo o processo gerador de violência. Ontem, ainda vi na TVCom um debate entre desembargadores (Scappini e Ribeiro) e o secretário de Justiça do RS, José Paulo Bisol. O desembargador Ribeiro defendeu o aumento do efetivo policial, armamento da polícia, etc, ao passo que o desembargador Scappini defendia a compreensão do processo: se não atacarmos as causas da violência, não teremos o fim dela.
Um toque hilário nas declarações de homens públicos ficou por conta do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que entregou ao presidente FHC um conjunto de medidas que incluía o fim da comercialização de telefones celulares pré-pagos. Como foi comentado pelo pessoal do programa Jornal Gente, da Rádio Bandeirantes (Felipe Vieira, Affonso Ritter e Hélio Gama), eliminar os celulares pré-pagos equivaleria a acabar com os helicópteros, já que os criminosos também os utilizam para resgatar presos; deixar de fabricar carros, pois também os ladrões os utilizam. O Affonso Ritter utilizou a expressão "tirar o sofá da sala", que se encaixou perfeitamente à situação. Definitivamente, não é isto o que vai solucionar o problema. Acredito que, assim como se usa a expressão "colocaram o bode na sala", posso utilizar "o cadáver do prefeito na sala", pois este fato hediondo cheira muito mal.
Não pode ser tão difícil enxergar que não adianta blindarmos nossos carros (o próprio prefeito Celso Daniel estava dentro de um carro blindado), gradearmos nossas casas, adestrarmos cães ferozes, andarmos armados. Isto é paliativo. Fizemos tudo isto e, no entanto, os índices de criminalidade e - o que é mais preocupante - de crueldade nos crimes continuam aumentando.
A gênese disto tudo está em uma sociedade completamente deformada. Uma sociedade que, talvez não por acaso, tenha uma ilha, a de Caras, como símbolo de sucesso. Só poderia mesmo ser uma ilha, isolada, distante. Continuamos assistindo à famosa equação "os que têm menos estão com cada vez menos e os que têm mais estão com cada vez mais". A desigualdade na distribuição de renda em nosso país é chocante. Mas não é o único problema: faltam a milhões de brasileiros as condições mínimas para a subsistência: educação, alimentação, higiene, atendimento médico. Um país onde há sopa de papelão sendo servida para seus habitantes não pode ser sério.
Portanto, senhoras e senhores, em especial administradores do poder público:
- NÃO ADIANTA criar um clima de comoção nacional com uma campanha pela paz, se não tivermos, simultaneamente, a preocupação com a desagregação familiar que ocorre nas periferias do Brasil, por conta de uma sociedade injusta e que não dá oportunidades a todos.
- É INÓCUO aumentarmos o equipamento e o efetivo de nossas polícias para reduzir a criminalidade.
- É BURRICE pensarmos que o problema de crianças na rua, cheirando cola e loló, pedindo dinheiro e se prostituindo, não é problema nosso. Hoje, pode até não ser. Mas, em alguns anos, estas crianças estarão empunhando armas e enfiando nas nossas caras, para pegar a parte que julgam lhes caber na vida.
Alguns empresários mais inteligentes já se deram conta de que, se não tiverem (a expressão da moda) "responsabilidade social", não terão futuro, não terão mercado e não terão um mundo minimamente razoável para deixar para seus filhos.
A proposta mais elementar e simples, mas talvez a mais difícil de implementarmos, é a de pararmos, abrirmos nossos olhos e analisarmos: o Brasil e o mundo estão assim também por nossa culpa sim, seja por omissão, seja por permissão. SOMOS RESPONSÁVEIS, SIM, por esta grande festa dos vermes. Enquanto não assumirmos a culpa, olharmos para o lado para não ver, mudarmos de canal, gradearmos nossas casas, o problema não chegará ao seu fim. É indispensável que cada um faça a sua parte.
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