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Por Eliziário Goulart Rocha Não se sabe exatamente onde ou como começou, mas, de repente, presente do indicativo, infinitivo e gerúndio se uniram para …

Por Eliziário Goulart Rocha
Não se sabe exatamente onde ou como começou, mas, de repente, presente do indicativo, infinitivo e gerúndio se uniram para formar a mais recente praga da língua portuguesa, pelo menos da versão falada no Brasil. Meu primeiro contato com ela ocorreu quando solicitei a segunda via de um cartão de banco e perguntei sobre o prazo. "O senhor vai estar recebendo em cinco dias úteis." Pensei que se tratava de cacoete da atendente. Nos encontramos de novo ao telefone, num mero pedido de pizza. "Vamos estar entregando de trinta a quarenta minutos." Nem pude reparar na impropriedade de, além de tudo, a moça ao aparelho querer me entregar determinada quantidade de minutos. Se o tivesse feito, trataria de me certificar se tais minutos estavam incluídos no preço.
Vai que o ouvido se habitua com a expressão. Aí, em breve, todos vamos estar cometendo o mesmo atentado contra o idioma pátrio.
Enquanto ficou nos atendentes, era mais aceitável. Sem preconceito, mas não se pode cobrar de uma telefonista de pizzaria um português impecável, especialmente quando bombardeada todos os dias por miríades de erros da mídia, da qual, sim, podemos e devemos exigir correção gramatical. Tornou-se célebre na redação de Zero Hora, no início dos anos 90, uma frase proferida por Augusto Nunes, cuja gestão se iniciava (aliás, um dos erros que mais o irritava era a utilização do "iniciar" sem o pronome, como sinônimo perfeito de começar. Erro banal, mas cometido com espantosa freqüência). "Lamento informar, mas, a partir de agora, português é eliminatório", afirmou Augusto. Espantoso é que ele precisasse dizê-lo, e precisava, sem dúvida. Como precisava avisar que "onde" só se refere a lugar, que "através de" significa trespassar, e não é sinônimo de "por meio de" etc.
Nem todos os diretores de redação consideram obrigatório o bom uso da língua, ou, se o consideram, não o informam com clareza à redação, a julgar pelo que se costuma ver em jornais e revistas. Talvez porque os próprios muitas vezes careçam de intimidade com o vernáculo. Em redações comandadas por Augusto Nunes, a língua portuguesa é protegida por lei. Mais de uma vez presenciei seus embates com acadêmicos do idioma, dos quais ele invariavelmente saía vencedor.
Recomendo a leitura dos artigos de Deonísio da Silva e Marinilda Carvalho no site do Observatório da Imprensa ( www.observatoriodaimprensa.com.br). Ambos tratam do mesmo tema: o empobrecimento da língua portuguesa provocado pelos erros, gírias, abreviaturas, anglicismos etc. publicados na imprensa.
A praga do três em um, com a qual iniciei (agora sim, sem o pronome) o artigo, já foi abordada por gente ilustre da área, incluindo o professor Pasquale Cipro Neto. Merece a deferência, pois invadiu até as redações. Um dia fui surpreendido por um colega com a frase "vou estar publicando sua resenha em tal data." Pior é que se tratava de um profissional com inteligência e cultura acima da média. O problema é que o ouvido se habituou.
Dedicado a Augusto Nunes
( [email protected])

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