RIO + 10 As lições de uma cobertura

Por Carlos Tautz Fracasso, mesmo, não foi. Mas ficaram muito aquém do necessário os resultados da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada entre 26 …

Por Carlos Tautz
Fracasso, mesmo, não foi. Mas ficaram muito aquém do necessário os resultados da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada entre 26 de agosto e 4 de setembro na África do Sul. Talvez como conseqüência, a cobertura feita pela imprensa brasileira não foi lá grande coisa diante da importância do evento e do momento internacional em que aconteceu. Mas precisamos criticar construtivamente a postura editorial das publicações e dos jornalistas nacionais e observar que a pouca atenção aos assuntos internacionais não é exclusividade nossa. É também um desvio verificado nas publicações da Europa. Nos Estados Unidos, então?
Os quatro maiores diários brasileiros destacaram pelo menos um repórter para Joanesburgo. Entre as cadeias de rádio, só a CBN enviou uma repórter, e também uma economista. A TV Globo escalou uma equipe, e a TV Cultura usou o trunfo de ter entre seus quadros Washington Novaes, que liderou dois times - um para cobrir a conferência oficial e outro para tratar da sociedade civil organizada. Não reconheci qualquer representante das revistas semanais de informação geral. É muito pouco para uma mídia, como a brasileira, que vive santificando a globalização e culpando o cenário internacional pela crise estrutural do país. O número de jornalistas brasileiros foi insuficiente para cobrir vários eventos paralelos e de importância decisiva para o presente e o futuro do globo terrestre.
Discutiam-se simultaneamente entre as delegações oficiais e as das ONGs - separadas fisicamente por 25 quilômetros de distância - como regular o acesso à biodiversidade mundial (da qual o Brasil é dono de 20%), o estímulo às fontes não-poluidoras de energia (proposta brasileira que se transformou no emblema da Cúpula), o reconhecimento de que o acesso à energia e à água potável são direitos humanos e os meios de implementar as decisões da Cúpula (onde a desenvoltura da diplomacia brasileira foi evidente).
Apesar desse horizonte amplo, nós, jornalistas brasileiros, só conseguimos nos concentrar no rame-rame das negociações mais próximas do interesse oficial brasileiro. E a situação piorou ainda mais a partir de 1º de setembro. Nesse dia, chegou a Joanesburgo o presidente Fernando Henrique Cardoso, que atraiu a atenção dos jornalistas brasileiros mas não levou na bagagem sua suposta projeção internacional.
Nem FH nem o Itamarati aproveitaram a presença de milhares de jornalistas estrangeiros para expor suas propostas e a ambição de o Brasil incluir-se entre os protagonistas de primeira linha da política internacional. O presidente deu duas coletivas - ambas improvisadas. Uma, no isolado hotel em que se hospedou, à qual a imprensa brasileira só compareceu por dever de ofício. A outra, em um intervalo das negociações, conversando com jornalistas e tomando cafezinho - pago por uma repórter. Em seu discurso, fraco politicamente, FH expressou cansaço e tropeçou no inglês. O texto não foi distribuído aos repórteres estrangeiros. Antes, o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, teve de encontrar um canto no centro de imprensa onde, de pé, foi entrevistado.
Agenda ampla em 2003

Tal descompasso entre a importância da Cúpula e a cobertura jornalística verificou-se também entre publicações de outros países. A exceção foram as inglesas. The Economist, BBC, The Guardian e outros dedicaram a Joanesburgo muito mais páginas, infra-estrutura física e profissionais qualificados do que o restante das publicações européias. Distanciaram-se de nós, na notícia e na contextualização, do que ocorria no Centro de Convenções Sandton, onde se realizavam os debates oficiais da ONU.
A tradicional atenção da imprensa inglesa às relações internacionais de seu país talvez seja a única herança positiva dos tempos em que o império inglês se espalhava por todos os continentes. Logo nos primeiros dias de Cúpula, The Independent registrou a hipocrisia de o governo sul-africano organizar a Cúpula num quarteirão mais luxuoso do que o mais luxuoso quarteirão parisiense. E que fica a 4 quilômetros da miserável Alexandra, a pior favela que já vi, com seus quase um milhão de habitantes tendo de superar diariamente a falta de saneamento básico, de habitação digna para seres humanos e de compromisso social que, acusam os movimentos populares da África do Sul, caracterizam o governo do presidente Thabo Mbeki.
O noticiário internacional da imprensa americana só conseguiu olhar o próprio umbigo - como sempre. Focou-se no provável ataque dos EUA ao Iraque e pouca atenção dedicou a 190 líderes mundiais que debatiam em Joanesburgo o destino da Terra. Registraram insuficientemente o veto dos EUA às propostas mais avançadas da conferência e fecharam os olhos ao fato de que, como em eventos desse tipo os resultados devem ser alcançados pelo consenso, os Estados Unidos teriam contribuído muito mais para a erradicação da miséria no planeta se simplesmente não tivessem comparecido à terra do apartheid (que ainda é brutal).
Ícone da imprensa dos EUA, o New York Times limitou-se a publicar uma semana antes da Cúpula da África do Sul um caderno cético e cínico sobre a improdutividade de se proteger o meio ambiente. E depois tratou o evento com muito menos atenção do que a merecida. Espero que a Cúpula tenha servido para a imprensa brasileira despertar para a importância que os temas do ambiente e das relações internacionais terão no próximo governo.
Como se não bastasse a importância dos eventos de 11 de setembro de 2001 para a agenda internacional, a partir de 2003 o Brasil será chamado a colocar em prática a sua natural projeção nas questões ecológicas. Primeiro, nas negociações do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que entrará em vigor em aproximadamente 90 dias, junto com o Protocolo de Kyoto. E, logo depois, em março de 2003, quando esta mesma cidade japonesa que sediou o acordo sobre as metas de redução de emissão de CO2 vai receber a Cúpula Mundial da Água, organizada pela ONU, e o já prometido Tribunal Internacional da Água, que deverá ser organizado pelas ONGs internacionais.
(*) Editor da revista Ecologia e Desenvolvimento; cobriu a Cúpula da África do Sul para o Jornal do Brasil

Comentários