A conexão que alimenta a alma

Por Cátia Bandeira para Coletiva.net

A menina de seis, sete anos afastou o arame farpado e venceu a cerca. Os pés descalços afundaram no tapete castanho tecido pelos pinheiros. Estava fazendo arte porque a mãe não gostava que fosse ao terreno desabitado em frente à casa. Uma brisa acentuou o revolto dos cabelos loiros. Respirou fundo e um cheiro bom das araucárias a fez sorrir. Quase quatro décadas depois, aquela menina voltou a sentir o adorado perfume da infância em um dos bosques do terceiro dia do Caminho de Santiago de Compostela.

Estava um pouco além da metade dos 20,7 quilômetros que unem Roncesvalles e Zubiri, na província de Navarra, o tão orgulhoso País Basco. O caminho é tão generoso que se pode fazê-lo de qualquer lugar. Há séculos as pessoas deixavam suas casas em qualquer parte da Europa, peregrinavam até a planície localizada em Portugal onde Tiago, um dos 12 apóstolos, foi enterrado, e voltavam para onde haviam partido.

O meu foi o conhecido "Caminho Francês", cujo início é no portal da cidadela de Saint-Jean-Pied-du-Port, aos pés dos pirineus franceses. Daquele ponto, onde a concha, símbolo do Camino, está incrustada entre as pedras das ruas que serpenteiam pela florida cidadela e seu casario datado do século XII, são 870 quilômetros. A distância não foi percorrida. E nem era a minha intenção junto com a estrela-guia Natália Ferreira, que montou um albergue no simpático pueblo de Puente de la Reina. Ela, sim, uma veterana das estradas de Compostela. Com nossos filhos adolescentes naquele Verão europeu, perseguíamos conexão. No compartilhar toda aquela vivência, estar sintonizadas com os seres que mais amamos, com os outros, nativos de outras línguas e culturas, e, acima de tudo, com o nosso eu.

No bosque do País Basco, resgatei aquela sensação de infância despreocupada. Hoje, flutuando nas águas incrivelmente azul-esverdeadas de Torres, que até ontem eram o indefectível chocolatão, senti, de novo, a conexão me embalando. Traz uma certa paz ansiosa, que, embora possa parecer não ser possível haver coexistência, acalma buscando ideias para mim, para os outros e para os clientes. Sim, para eles também, porque os carregamos junto, mais ainda com esta mobilidade contemporânea.

Esta conexão sem fio me alimenta. O céu azul e o skyline do Atlântico funcionavam como tela a ativar sinapses. Mas poderia ter sido no Jardim do DMAE, entre as minhas folhagens em casa ou na mesa transbordante da agência. O ponto é se conectar consigo mesmo para viver e ouvir mais, julgar menos, se colocar no lugar do outro, seja pessoa física ou jurídica. Conexão é equilíbrio. É estar e fazer melhor em qualquer cenário.

Cátia Bandeira é jornalista e sócia da CDN Siul.

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