A derrota dos (marqueteiros) franceses

Por Zélia Leal Adghirni Eliminada da Copa do Mundo sem ter marcado um gol sequer, a seleção francesa existe agora apenas como uma triste …

Por Zélia Leal Adghirni
Eliminada da Copa do Mundo sem ter marcado um gol sequer, a seleção francesa existe agora apenas como uma triste imagem impressa em milhões de embalagens de queijo, iogurte, água mineral, biscoitos e celulares, deixando um prejuizo de milhões de euros para as empresas que investiram nos "Bleus" como sinônimo de qualidade.
"Nem que o consumidor irado ou frustrado quisesse renunciar à compra do Bleu de Bresse (queijo azul típico de uma região francesa) por exemplo, em sinal de protesto, ele não teria muita escolha, pois as marcas concorrentes ostentam as mesmas embalagens", explicou o jovem economista francês Sébastien Lafosse, em palestra para alunos de Introdução ao Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UnB.
Enquanto a caixinha azul do queijo com a foto de Zidane, Barthez e os outros circulava na sala de aula, Sébastien falava sobre o "fenômeno futebol" na França, que na sua opinião teria durado apenas alguns dias como festa popular logo após a vitória da equipe na Copa do Mundo de 1998. "O resto é marketing", disse.
De fato, o canal TF1 (a maior TV privada da Europa) gastou 168 milhões de euros (um euro vale cerca de 2,80 reais) em direitos de transmissão para as Copas de 2002 e 2006, e tenta agora recuperar o prejuízo. Vendendo a Copa como um "enorme acontecimento publicitário", a TF1 tinha quatro patrocinadores para o programa diário "Todos Juntos", entre os quais os oferecimentos oficiais da Fuji e da Adidas, mas também da operadora de telefone Bouygues Telecom, mais a Pepsi. Cada um desembolsou 1,7 milhão de euros. Os patrocinadores dos jogos (os oficiais JVC, Petrole Hahn e Orangina) colocaram 2,3 milhões de euros, cada um. A própria Nike, que não queria ficar de fora, pagou 14,6 milhão de euros por inserção publictária onde a equipe aparecesse.
Lafosse salientou a exploração extrema do uso da personalidade do jogador aliada ao produto. Zidane fazia publicidade para produtos ligados à saúde, bem estar, família. Para a água mineral Volvic, ele era tanto um pai de família tranqüilo bebendo água da fonte numa montanha dos Alpes quanto um jogador concentrado se preparando para o jogo no vestiário. E, por ser mais estrela, bateu todos os recordes: três milhões de euros com Orangina (refrigerante à base de laranja). Mas ele também anunciou para Adidas, Ford, Canal Satellite, brinquedos Lego e Christian Dior. Em 2002, seus contratos publicitários chegaram a 7 milhões de euros. Somando-se aos 8 milhões que ganha como jogador do Real Madri, Zidane recebe 15 milhões de euros por ano.
Nada mal para o menino argelino que deu certo num país onde a maioria dos maghrebinos são rejeitados. "Ele não é árabe, é kabyle", dirão alguns, mas francamente, quem sabe a diferença? Além de salientar a singularidade racial (berberes e kabyles são os primitivos habitantes da África do Norte, antes da islamização) divide os maghrebinos entre povos superiores e povos inferiores. Aliás, embora a França tenha aproveitado para jogar a carta da "liberdade, igualdade, fraternidade" em 1998 diante de um time multiracial campeão do mundo e que tenha enchido os argelinos de orgulho pelo sucesso de Zidane, as eleições presidenciais deste ano mostraram que a preferência por Le Pen (extrema direita xenófoba) em detrimento de Lionel Jospin (centro-esquerda) significa que, no fundo, os estrangeiros estão fora da partida.
O problema é que a França não sabe o que fazer agora com todos estes produtos envoltos em embalagens cantando o triunfo dos "campões". A grande festa programada pelos telefones celulares SFR (Vivendi Universal), um dos patrocinadores, foi cancelada assim que os "Azuis" perderam. A crônica esportiva de um famoso jornalista patrocinado pela SFR também foi anulada e todas as campanhas publicitárias envolvendo a seleção francesa estão suspensas. Cada um tenta relativizar as conseqüências do fracasso invocando os riscos inerentes a qualquer esporte. Adidas substituiu rapidamente o anúncio sobre a vitória dos "Bleus" por um outro filme que exalta outros valores do esporte tais como a humildade e o questionamento.
A verdade é que as empresas tiveram um enorme prejuízo por ter visado tão alto. O Carrefour, qua havia recuperado o contrato com a falida Promodes em 1998, desembolsa mais ou menos três milhões de euros por ano para ser o parceiro oficial da seleção e expor sua marca na camisa de treinamento dos jogadores. A SFR, que renegociou seu contrato no final do ano passado, se comprometeu a pagar 5,5 milhões de euros por ano para ser o parceiro oficial da seleção. No total, cerca de 40 milhões de euros foram investidos na seleção francesa.
Dificil entender como grandes empresas investiram tanto em publicidade. Como se futebol fosse um valor seguro. Poderiam, ao menos, ter escutado a famosa voz das ruas. Bem antes do início da Copa, uma sondagem realizada na França (CSA-Le Parisien) revelava que para 51% dos franceses, a super utilização dos jogadores pela mídia e pela publicidade era uma ameaça para a vitória da seleção. "Que eles se ocupassem mais em treinar do que em posar para anúncios", salientou o economista francês na UnB.
De qualquer forma, tendo vivido quatro anos em Brasília quando adolescente e como filho de mãe colombiana e pai diplomata francês, Sébastien Lafosse disse que torce pelo Brasil. E concluiu que mais vale o futebol como uma festa, como alegria do povo, como manifestação cultural profunda da alma de um país, do que como um grande negócio.
Mais do que defender as cores da bandeira, a equipe francesa entrou em campo na Coréia como porta-bandeira de grandes marcas comerciais. Um caso de marketing. E deu no que deu?
* Jornalista, professora da Universidade de Brasília

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