A engenharia comercial da mídia programática

Por Luciano Terres, para Coletiva.net

No ambiente de mídia digital programática, os veículos são ainda menos atraentes para as marcas. O que realmente tem valor nesse novo cenário é o usuário, ele é quem gera valor ao veículo. E é vital entender como o ambiente de compra e venda de mídia digital programática encontra o usuário para fazer a entrega da mídia. Sabendo disso, você poderá definir estratégias de editoria para tornar os seus usuários o alvo ideal para determinadas marcas.

O objetivo desse artigo não é explicar a sopa de letrinhas do mercado de mídia digital, isso fica para um outro texto mais acadêmico, o foco aqui é tentar explicar um pouco a engenharia comercial que está por trás deste ambiente.

O primeiro ponto que precisa estar completamente compreendido é como que os principais provedores de dados coletam as informações de comportamento de um usuário. Para isso, precisamos saber que um usuário na internet, pelo olhar de uma plataforma de gestão de dados (DMP), é um ser anônimo e abstrato. Ou seja, eles não sabem quem de fato está usando o navegador de internet. Para tentar identificar o gênero, a idade, o time de futebol e os interesses desse "usuário", estas plataformas utilizam quase que uma centena de algoritmos para identificarem padrões de comportamento e, através desses padrões, "determinarem" que este usuário é, homem ou mulher, que está dentro de determinada faixa etária, que pertence a tal classe social, que tem tais interesses e qualquer outra informação que é previamente estabelecida pela empresa que está coletando e armazenando esses dados.

Importante saber que estas informações são armazenadas em bancos de dados robustos e disponibilizadas em - lindos e eficientes - dashboards, gerando uma perspectiva altamente profissional e detalhada sobre a audiência do veículo.

Muito bem, então quer dizer que um usuário em plataformas de gestão de dados não é a pessoa que eu efetivamente conheço e, sim, o que ela aparenta ser conforme o seu jeito de navegar na internet? Sim. Exatamente isso. Os algoritmos analisam o comportamento de navegação e, assim, uma pessoa de classe social C/D pode ser classificada como um usuário de classe social A/B devido ao seu jeito de navegar na internet.

Certo, agora vamos ver como que agência/anunciante encontra esse usuário para fazer a entrega das suas peças publicitárias. O operador de compra de mídia programática, quando for ativar uma campanha, precisará informar qual será a empresa provedora de dados (DPM / Data provider) que ele utilizará para encontrar o target estabelecido pela agência/anunciante - se escolher o parceiro errado, a campanha poderá ser um grande fracasso - e selecionará todos os dados de segmentação que foram informados no PI (pedido de inserção). Após a ativação dessa campanha na plataforma de compra de mídia programática, os humanos vão tomar café, dormir, passear com os amigos e familiares, e entra em cena a tecnologia das Ad Exchanges (essa parte da sopa de letrinhas não dá pra deixar de lado). Este tem a missão de fazer o encontro da peça publicitária (oferta de compra) com o usuário que atende aos requisitos da segmentação de dados, que foi estabelecida no momento que o operador cadastrou na plataforma de compra de mídia programática (oferta de venda).

Parece que tudo ficou muito simples e que tudo funciona perfeitamente, só que não. Imagine, agora, que há muitas marcas querendo entregar suas peças publicitárias para um usuário. Como que Ad Exchange vai saber qual marca irá exibir o anúncio? Aqui, abre margem para algo que talvez você não saiba que aconteça: um leilão em tempo real disputa por lance em dólar, onde o maior lance recebe o direito de exibir a peça publicitária. Para complicar um pouco mais, já que estou dizendo que o leilão é em tempo real, os compradores têm míseros cerca de 300 a 500 milisegundos para fazerem suas ofertas. Isso gera um ambiente altamente competitivo, onde qualquer detalhe técnico e de operação podem determinar a vitória ou a derrota no leilão. Vou parar de falar das complexidades, pois creio que já foi possível ter uma ideia bem abrangente do quão sofisticada é a operação de compra e venda de mídia programática.

Lá no início do texto, eu falei que era possível definir estratégias de editoria para tornar os seus usuários o alvo ideal para determinadas marcas. Vou citar um case que vivenciei no mês de setembro do ano de 2017 na Alright, para tentar mostrar a viabilidade de implementação de estratégias.

A Alright tem um vertical de operação especializado em geração de novas receitas, oriundas de ambientes programáticos para os veículos, sendo uma rotina diária a busca por performance, o que nos faz olhar cada detalhe do mercado e das plataformas de tecnologia.

Precisamente no dia 22 de setembro de 2017, numa sexta-feira, a Netflix iniciou uma forte ação de Marketing para o lançamento da terceira temporada da série Narcos, e eu não sabia desse lançamento e não havia sido impactado por nenhuma peça publicitária. Como sempre fazia, iniciei o dia olhando a performance dos veículos nas plataformas de mídia programática e, ao abrir o primeiro dashboard, deparo-me com uma anomalia que me chamou a atenção de tal forma que pensei que a plataforma estava com algum tipo de bug: o CPM médio costumava variar entre 0,5 e 2 dólares, e a plataforma estava me dizendo que naquele dia o CPM médio estava em 49 dólares, algo fora da curva e inacreditável. Então, abri a segunda plataforma e, para minha surpresa, a anomalia também apareceu.

Foi aí que percebi que eu estava vivendo um momento único e que eu precisa compreender profundamente para saber o que estava gerando aquela anomalia no preço de venda. Após uma investigação detalhada, identifiquei a Netflix fazendo ofertas de compra que chegavam a quase 150 dólares o CPM, e, então fui procurar ações de marketing e encontrei o lançamento da série.

Pensei, entendi tudo. Para terem a garantia de entrega das suas peças publicitárias, os operadores de compra cadastraram ofertas muito acima da média e, assim, teriam a garantia de que a internet seria quase como uma ação de Brand Day para a Netflix. Só que, no dia seguinte, as ofertas já estavam em quase 200 dólares e foi subindo até a segunda-feira, dia 25 de setembro de 2017, onde foi possível encontrar uma compra com oferta de 300 dólares, e pensei de forma muito inocente: "Esses operadores de compra que a NetFlix contratou devem ter errado muito feio no cadastro da oferta de compra", e mais uma vez fui surpreendido ao descobrir que a oferta de 300 dólares não era da Netflix, e sim da HP. Após mais uma análise detalhada do que estava acontecendo, percebi que era um exemplo de cartilha da livre concorrência proposta pelo ambiente programático. A HP queria tanto imprimir para um determinado usuário, que após diversas derrotas no leilão, devido a estratégia de preço alto da Netflix, decidiu oferecer absurdos 300 dólares o CPM.

Foi um grande aprendizado e também um momento de ver toda a teoria da tecnologia de mídia programática em ação.

E que estratégia pode ser feita para que um veículo tenha esses usuários unicórnios acessando suas páginas? Chamamos de o novo Publieditorial, onde a marca não contrata o veículo para escrever sobre seus produtos e serviços, o veículo é que se antecipa e gera o conteúdo para atrair o interesse de seus leitores, os quais, ao lerem sobre determinada marca, irão ser classificados pelas empresas que coletam os dados de navegação como usuários com interesse nos produtos ou serviços daquela marca, e passam assim a serem mais valiosos no ambiente de mídia programática.

Obviamente, essa estratégia deve estar associada com as ações de marketing das marcas dentro dos ambiente de compra de mídia programática, e aqui requer equipe e tecnologias especializadas para gerar os insights corretos para as equipes de geração de conteúdo.

Luciano Terres é sócio da Alright Network.

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