A era Severino

Por Villas-Bôas Corrêa* O caldo azedo da incompetência política do governo ? que meteu o bedelho onde não era chamado e emporcalhou-se ao entornar …

Por Villas-Bôas Corrêa*
O caldo azedo da incompetência política do governo - que meteu o bedelho onde não era chamado e emporcalhou-se ao entornar o caldeirão - enlouqueceu a maciça maioria da Câmara, que elegeu a mordomia para a farra das vantagens dos próximos dois anos na presidência. O venerando deputado Severino Cavalcanti teve 300 votos dos 495 votantes, placar que consagrou o reinado do baixo e do baixíssimo clero, no mais constrangedor e vexaminoso episódio da crônica parlamentar republicana.
Governo e PT não têm desculpas a apresentar na degringolada da base aliada e no desmanche do esquema do presidente Lula - ausente, em viagem pela Venezuela, com esticada pelas Guianas, no deslumbramento de menino com o brinquedo de luxo do avião de US$ 56 milhões, com o conforto de hotel de cinco estrelas.
O tombo, aos trambolhões, pela escada da arrogância e da obtusidade, arrasta com fraturas e escoriações a cada degrau o mastodôntico ministério de 35 omissos e está a reclamar a maturidade que o governo não demonstrou e a chinela da humildade para o reconhecimento das dimensões catastróficas do desastre e das suas alarmantes conseqüências no presente - que antecipa o futuro na urgência da calamidade.
Miudezas e mesquinharias de tentar enfiar nos outros a carapuça das culpas de todos não adiantam nada. Não sobrou ninguém para puxar as orelhas de 300 deputados que elegeram o novo presidente, empossado na explosão justa da euforia com os ganhos à vista do imediato reajuste dos subsídios de R$ 12.720 para o para o teto de R$ 21.500 da cobertura do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que acumula a gratificação pela presidência do Tribunal Superior Eleitoral (STF), seguida do imediato festival das assembléias estaduais e das câmaras municipais - raspando o fundo do cofre da Viúva e de estados e municípios pendurados na corda podre do déficit.
A interesseira rebelião do plenário da Câmara, disfarçando nas queixas e reclamações pelo tratamento desdenhoso da maioria dos ministros e secretários, que rezam pela cartilha dos assessores palacianos, o olho grande nos lucros do estouro do rebanho, de logo deixa o governo suspenso com os pés no ar para as reformas das promessas de campanha e do esquecimento em metade do mandato de Lula. Dos 195 deputados que votaram, no segundo turno, no amarfanhado candidato da imposição oficial, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, é imprevisível prever quantos sustentarão a fidelidade a um governo que despencou do galho.
Antes de tudo, na hora de juntar os cacos para as sessões de arrependimento no sofá, o PT é o primeiro na fila para o tratamento de choque nos consultórios dos psiquiatras. O partido, a reboque do governo, levou a breca no jogo de malandragem da cooptação de votos. A turma do Palácio pegou pesado, escancarando a loja para presentear os que garantissem apoio ao desventurado candidato.
E no arrastão, as incoerências que minam o governo - ao arquivar os compromissos de quatro campanhas e da história da legenda da bandeira desbotada, trocando de lado no pulo do socialismo democrático, com raízes nas lutas dos heróicos tempos das reivindicações sindicalistas do ABC paulista, pelo lábaro da moderação pendular entre a esquerda renegada e o centrismo da conversão confessada, com o maior descaro, pelos ministros e líderes que operam a plástica - aprofundam o racha no PT, no prenúncio da debandada que já começou.
Escorraçado da mesa da Câmara - apesar de continuar como a maior bancada, não se sabe por quanto tempo - o PT virou um saco de pancada, amarrotado e ferido, com fraturas expostas e chagas abertas.
Só pode esperar o milagre que caia do céu do governo metido no inferno da confusão de todos os capetas. Por onde começar a colagem dos fragmentos da vidraça? A reforma ministerial perdeu o sentido e a urgência. Na feira-livre das mordomias, Lula terá que armar a barraca para recompor a base de apoio parlamentar. A madura tranqüilidade do Senado, que renovou a Mesa em poucos minutos, batendo o martelo na solução de consenso, é respiradouro de serventia limitada: governo não se equilibra em uma perna, mas nas duas, solidamente pousadas no chão.
Na maior derrota da sua coleção de erros, o governo amanheceu, ontem, coberto de fuligem, com a sensação de que a casa desabou na sua cabeça e a boca com o gosto amargo de ressaca.
A era Severino promete.
O artigo foi publicado originalmente no site www.nominimo.com.br.

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