A Imprensa dilacerada

Por José Luiz Teixeira Fiquei impressionado com a precisão cirúrgica da polícia paulista. Conseguiu arrombar a porta, invadir o apartamento e retirar de lá …

Por José Luiz Teixeira

Fiquei impressionado com a precisão cirúrgica da polícia paulista.


Conseguiu arrombar a porta, invadir o apartamento e retirar de lá o seqüestrador, são e salvo, sem um arranhão.


Impressionou-me também o fantástico show da morte promovido pelas emissoras de televisão em busca de audiência, e o número absurdo de "autoridades" querendo aparecer.


A partir de um determinado momento, por exemplo, quem passou a dar entrevista no Hospital de Santo André não foi mais a diretora da instituição, mas o secretário de Saúde daquele município.


Mas o que me deixou mais impressionado, mesmo, foi a cobertura da mídia depois da morte cerebral da menina Eloá Cristina.


Não bastava mais acompanhar os personagens envolvidos no episódio: o seqüestrador, as vítimas e os policiais envolvidos na operação de salvamento do assassino.


Agora, as equipes de TV, em nervosos comboios, passaram a seguir pelas ruas da cidade os órgãos retirados do corpo de Eloá, carregados dentro de sacolas térmicas.


Repórteres, cinegrafistas e fotógrafos acompanharam o transporte do coração, pâncreas e rins, de Santo André até o Hospital Beneficência Portuguesa, no bairro da Aclimação, em São Paulo.


Um terceiro grupo correu atrás dos pulmões, levados para o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, no bairro de Cerqueira César.


Enquanto isso, outro corre-corre para não perder de vista o fígado da menina no trajeto de Santo André até o centro da capital paulista, na Santa Casa de Misericórdia.


Os restos mortais foram enterrados no cemitério de Santo André, com transmissão ao vivo e a presença mórbida de uma multidão de anônimos.


Com um sensacionalismo nunca visto antes neste País, a mídia cobriu todo o processo de dilaceramento de Eloá Cristina, literalmente.


A Imprensa deixou, também, aparecer suas próprias vísceras, durante uma cobertura que, definitivamente, não condiz com o que se convencionou chamar de função social da Imprensa. 


* José Luiz Teixeira é jornalista e editor do blog www.escutaze.com.br

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