A lição dos negros

Por Antonio Oliveira* O V Fórum Social Mundial deixou muitas lições para quem o acompanhou. E também deixou a direita raivosa confusa e ainda …

Por Antonio Oliveira*
O V Fórum Social Mundial deixou muitas lições para quem o acompanhou. E também deixou a direita raivosa confusa e ainda muito mais raivosa.
Começando pela nossa voluntariosa Zero Hora, que comparou a caminhada pela paz de sua abertura a uma escola de samba. Em total desrespeito (o que não é novidade, diga-se de passagem) aos sentimentos das dezenas de milhares de pessoas, que, de todo o mundo, vieram a Porto Alegre trazendo propostas e disposição ao diálogo para a construção de um outro mundo possível. De menos sofrimento para as camadas pobres da sociedade, que estão espalhadas, igualmente, pelo mundo inteiro.
É uma pena. Quem escreveu a matéria viu a escola de samba, mas não viu as mensagens que continham seus estandartes. E o que diziam seus principais figurantes, os integrantes das suas alas, suas baianas do mundo inteiro.
Comportou-se cretinamente, como comporta-se diariamente o jornal que ajuda a fazer. De péssima qualidade editorial. Ou, quem sabe, de ótima qualidade editorial, para os interesses que sua direção defende. E que ele os abraçou.
Depois, não podem achar ruim. Quem chama de desfile de escola de samba a movimentação de dezenas de milhares de pessoas que vêm a Porto Alegre movidas por causas tão nobres como discutir saídas para diminuir as guerras, o desemprego, o racismo e a fome no mundo (só para citar alguns dos temas) não pode reclamar se esta gente toda um dia reagir. Quase que já aconteceu uma vez.
Quem provoca a massa, com a força de veículos como a Zero Hora, a RBS TV e a Rádio Gaúcha, sabe os riscos que corre. Assisti neste Fórum cena dantesca e perigosa de uma equipe da RBS TV sendo corrida de uma tenda do Acampamento da Juventude. Um episódio que poderia ter tido conseqüências graves, pois é uma empresa cuja linha editorial e de alguns dos seus comentaristas já põe em risco seus profissionais.
Mas vamos voltar às lições que o Fórum nos deixou.
A principal delas é que não virá mais para cá tão cedo. E não adianta a atual administração sair a contar barracas para tentar desqualificar e diminuir o número de acampados. A atual administração tem que passar a contar são os passageiros que faltarão aos táxis e o número de hotéis vazios nos períodos de maré baixa dos próximos verões.
Os repórteres e comentaristas da RBS também não ouviram a fala do residente da Venezuela Hugo Chávez. A eles só interessou contar quantos cachorrinhos e seguranças havia em sua comitiva. E o homem falou coisas interessantes para a América Latina. E coisas que ele está fazendo em seu País.
Da mesma maneira como sacanearam quando Lula decidiu comprar um avião decente para a Presidência da República e aposentar o outro que, de tão velho, há vários anos já era chamado de "sucatão´´.
Eles não engolem um operário naquele baita avião, assim como não aceitaram um bancário atrever-se a habitar o Palácio Piratini. Eles só querem as ovelhinas domesticadas por lá.
Isto me faz lembrar uma entrevista coletiva de Lula que eu assisti quando ele ainda era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
Ele disse que lutava para que os metalúrgicos não fossem apenas montadores, mas que tivessem um dia seus carros e casas próprios. Uma repórter não se aguentou, ficou indignada, afinal, estava ali para falar coisas sérias, e só faltou chamá-lo de louco. Onde se viu? Operários querendo carros e casas

próprios?
Tive sorte de cobrir, como jornalista, todos os Fóruns que aconteceram em Porto Alegre. Em todos me emocionei. Mas este foi especial.
Não pela fala de Saramago, de Castells, de Somavia, de Stédile, de Chavez, de Lula, de Esquivel, de Gil, de Galeano e tantos outros.
Nunca esquecerei daqueles negros sentados no chão no fim da tarde do dia 30. Fechando as duas vias da Avenida Presidente João Goulart, quase na frente da Usina do Gasômetro.
Durou o tempo que eles quiseram. Para protestar contra o racismo desta cidade. O tenente-coronel Jones, da Brigada Militar, teve que ouvir vários exemplos e baixar a cabeça.
Depois veio o secretário municipal de Direitos Humanos. Teve que sentar e ouvir junto com os negros uma bela Ladainha de Capoeira do Importuno Poético pelas jovens e belas mulatas baianas Josélia Fonseca e Lutigarde Oliveira.
Pelo menos os brigadianos e policiais civis que estavam ali naquela manifestação aprenderam que não se pode mais atacar impunemente negros que correm para fazer vestibular, enquanto brancos passam ao lado, correndo também, sem serem importunados.
E que moças negras não podem ser atacadas nas ruas, molestadas, sem que os racistas que cometeram o delito, que são conhecidos, sejam punidos. Os negros de Porto Alegre agora já sabem como fazer quando voltarem a ser ofendidos.
São algumas lições de um Fórum Social Mundial diferente. E já que a direitona reclamava que os fóruns não faziam nenhuma proposta, este deixou quase 400 para que eles se divirtam.
Quanto à proposta do Fórum em Cuba, é um bom tema. E poderá até ser abordado por membros da atual administração municipal que andaram várias vezes por lá. Quem não conhece aquele País, como eu, fica prejudicado. E não deve fazer comentário bobo.
* Antonio Oliveira é jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no RS e ex-dirigente da Fenaj.
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