A lógica invertida no Carnaval

Por Guilherme Arruda É comum ver nas redações ? principalmente de jornais ? repórteres deixarem uma previsão de pauta para o outro dia antes …

Por Guilherme Arruda
É comum ver nas redações - principalmente de jornais - repórteres deixarem uma previsão de pauta para o outro dia antes de desligarem os seus computadores. Esta regra serve como uma bússola para orientar os editores - uma previsibilidade para a edição do dia seguinte.
Numa tarde qualquer de fevereiro de 2004 eu enviei para a editoria de INDÚSTRIA da Gazeta Mercantil, em São Paulo, uma intenção de pauta mais ou menos assim: Enquanto o Brasil todo se prepara para se divertir sob o reinado de Momo, indústrias, comércio, a área de serviços e a rede municipal de ensino de várias cidades da Serra Gaúcha vão funcionar normalmente durante toda a semana de Carnaval. Conto esta história em 60 linhas.
Meia hora depois, recebo e-mail de uma desconfiada subeditora: "Como assim? O pessoal não gosta de Carnaval?" Respondi que sim, a turma gostava, mas a folia não impedia que na manhã de segunda, terça e quarta-feira, pontualmente às 7h30min, operários passassem pelas catracas de acesso para registrar o ponto nas fábricas, lojas abrissem no horário que estavam acostumadas e que os alunos estariam bem cedo nas salas de aula como outro dia qualquer. E acrescentei: é cultural, sem ter certeza se realmente era cultural.
"Fiquei curiosa para ver esta história" ela respondeu, seguido de um "até amanhã".
Tive esta sensação de espanto uma década antes, ao me transferir de Porto Alegre para Caxias do Sul para assumir o posto de correspondente do mesmo jornal. Ela bateu primeiro em casa quando minha filha avisou que teria trabalhos escolares para serem entregues na semana de Carnaval. Foi a minha vez de perguntar: "Como assim?".
Trago este assunto por dois motivos. Primeiro para dizer que o Carnaval de rua de 2015 em Caxias do Sul deverá ser praticamente igual ao do ano passado e dos anos anteriores. Frio. A única novidade é a mudança do local dos desfiles. A segunda razão está estampada nas capas dos jornais da cidade ao destacar que parte substancial da indústria da cidade vai parar no período de Carnaval e o motivo não é a pressão dos empregados para liberar a rapaziada para o samba. É meramente econômico.
Só mesmo a queda brutal de encomendas de veículos, máquinas, implementos, peças, acessórios e milhares de outros itens seria capaz de quebrar um hábito enraizado há 140 anos numa cidade cuja marca é o trabalho.
Desse modo, deixar de trabalhar no Carnaval rende manchete em Caxias do Sul.
Desobedecer os mandamentos do Rei Momo é cultural.
 
Guilherme Arruda é jornalista.  [email protected]

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