A mentira de Perto Demais

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Retornei ao computador, depois de uma ausência forçada por motivos de saúde, disposta a falar da alegria de se …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Retornei ao computador, depois de uma ausência forçada por motivos de saúde, disposta a falar da alegria de se reencontrar tanto carinho em uma redação de jornal e do acolhimento que recebi no Correio do Povo, onde jamais havia entrado antes para merecer esses sentimentos. E, com um tema que, certamente, voltará daqui a alguns dias, que é o fato de jornalista ser jornalista sempre, independente da função que esteja exercendo em determinado momento de sua vida. Talvez seja esse o motivo que me demoveu da idéia inicial do artigo e me levou a comentar (perdoem e entendam, jamais fui comentarista de cinema) um filme recém visto intitulado Perto Demais.
O filme, rodado em Londres, cidade misteriosa e nebulosa, já recebeu algumas críticas dizendo que é muito blá, blá, blá, piegas e que mostra aquela velha estória de amor que sempre acaba bem (sorry, Rita Lee, peguei esse trecho emprestado). E daí? Se fosse só isso? Não se pode ir ao cinema uma vez na vida para ver um drama ou comédia sem um objetivo maior nisso? Não, em se tratando de jornalista. A gente começa a ver notícia em tudo e já pensar de como faria o lead do encontro maluco do primeiro casal que aparece na tela do cinema. Ou de como descrever o sangue jorrando no chão? Ou de como relatar os desencontros do filme?
Incrível é que o filme é mesmo blá, blá, blá e piegas, mas tem uma coisa que sempre me fascinou. Tanto na vida pessoal como profissional. O exercício da verdade em tudo. Sem varinha de condão, sem o príncipe corajoso, com belos cenários e encontros e desencontros que dificilmente aconteceriam na vida real, o filme nos mostra como tudo fica mais fácil quando adotamos a verdade como princípio básico. E, aos poucos, vai mesclando a vida dos dois casais protagonistas do filme com uma mentira que é verdade e que eles sabem que é verdade, embora seja apresentada como mentira para, talvez, magoar menos.
Perto demais, com a exuberante Julia Roberts, chega a embrulhar, às vezes, com tanto clichê amoroso. Aqueles que a gente cansou de ouvir em tantos e tantos finais de relacionamento. Tipo: "eu não mereço você"; "você agora vai ser mais feliz" ou "eu juro que não queria magoar você". Convenhamos, tudo que ninguém quer ouvir no final de um relacionamento é esse amontoado de frases feitas. A tal mentira que é a verdade e que a gente sabe que é verdade. Mas não podia dizer de outro jeito? Então, no filme, toda vez que um dos casais se separa, a emoção fica mais forte quando a verdade é exigida e uma vez dita deixa as cicatrizes à mostra.
Mas se tivesse que escrever uma notícia, uma matéria ou uma reportagem maior sobre relacionamentos, tema de que trata o filme Perto Demais, creio que começaria de algum jeito falando na importância da verdade em tudo. De como uma pessoa se sente aliviada ao falar a verdade. De como a verdade deveria ser incentivada na educação dos nossos filhos. Do peso da mentira, do nojo que ela nos traz, da pouca dignidade que gira ao redor de uma mentira. E, principalmente, no jornalismo, de como a verdade deve pautar as nossas atitudes e os nossos objetivos finais. Antes de qualquer coisa, a verdade. A grande mentira de Perto Demais é deixar pensar que os personagens mentem o tempo todo, como tenta o diretor do filme. E o mais cativante é a verdade que a música de fundo traz ao dizer "não consigo parar de olhar para você".
(* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela PUCRS, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora, em assessoria de comunicação social e agora está no Correio do Povo.
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