A péssima impressão das gráficas no setor público

Por Alfried Karl Plöger* As graves denúncias relativas à gráfica do Senado, eclodidas em meio ao insidioso e vasto rol de irregularidades agora escancarado …

Por Alfried Karl Plöger*
As graves denúncias relativas à gráfica do Senado, eclodidas em meio ao insidioso e vasto rol de irregularidades agora escancarado nessa casa do Legislativo, não são propriamente uma novidade. Um rápido exercício de memória é suficiente para constatar que, desde sua criação em 1964, a unidade, oficialmente identificada pelo pomposo nome de Secretaria Especial de Editoração e Publicação, tem protagonizado uma série de escândalos. Tornou-se, paulatinamente, foco de ineficiência, superposição de cargos e funções, nepotismo, má administração e realização de trabalhos ilegais, inclusive de cunho político-eleitoral.
Problemas semelhantes, mesmo quando não permeados por irregularidades, verificam-se invariavelmente em outras gráficas instaladas nos organismos públicos. Ademais, sua existência é desnecessária e anacrônica, pois serviços de impressão, de vocação eminentemente privada, podem ser contratados pelo Estado, por meio de legítima concorrência, a custos muito inferiores ao da manutenção de estrutura própria.
Além de agravarem o custeio das máquinas administrativas e serem caldo de cultura para a corrupção (pois é sempre forte o impulso dos oportunistas de utilizar o inegável poder de comunicação dos impressos para fins pessoais e políticos), as gráficas estatais praticam desleal e predatória concorrência contra as do setor privado. Sejam municipais, estaduais ou federais, não enfrentam, por exemplo, as mesmas dificuldades de financiamento. Há casos, inclusive, de outras vantagens competitivas, como isenções de determinados tributos e taxas. Também existem casos de indisfarçável estratégia de reserva de mercado. É o que suscitam, por exemplo, os artigos 1º e 2º do decreto n.º 46.064, de 28 de agosto de 2001, do então governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin. Em síntese, estabelecem o seguinte: todos os órgãos da administração direta e indireta do governo paulista devem cotar pelo menos três gráficas privadas quando precisarem de serviços de impressão. Depois de conhecer as condições apresentadas pelas empresas consultadas, a Imesp (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo) tem a prerrogativa de oferecer preço, prazo e alternativas de papel e acabamento. Ao fazê-lo, o órgão contratante está dispensado da licitação? Ora!
O mais grave é que oficinas instaladas em sindicatos, instituições religiosas e organizações sem fins lucrativos somam-se às estatais, participando de modo indevido de um mercado no qual as empresas privadas pagam elevados impostos, encargos trabalhistas onerosos e uma das mais altas taxas de juro do Planeta para investir periodicamente em processos, máquinas e equipamentos. Sem a permanente atualização, essa indústria perde de maneira muito rápida a competitividade, pois os avanços tecnológicos são cada vez mais velozes e sofisticados.
Os problemas causados pelas gráficas estatais à sociedade e ao mercado, agora mais uma vez evidenciados pelos escândalos na unidade do Senado, são ainda mais graves se considerada a importância dos impressos na comunicação, disseminação do conhecimento e liberdade de imprensa e expressão. Não se trata de serviço a ser tutelado pelo Estado! Tanto assim, que uma das medidas marcantes do início da abertura política nos anos 80 foi o decreto promulgado, em 26 de janeiro de 1982, pelo então presidente da República, João Figueiredo, que proibia a criação de unidades orgânicas de artes gráficas na administração federal direta e indireta, bem como nas fundações instituídas ou mantidas pela União. Esses organismos, contudo, parecem ter sete vidas, ressuscitando ao léu dos interesses de políticos, partidos e governos.
Há, entretanto, bons e bem-sucedidos exemplos. Em Goiás, no início desta década, e em Santa Catarina e no Ceará, nos anos 90, as respectivas imprensas estatais passaram a imprimir somente o Diário Oficial, deixando de ceifar mercado e empregos da iniciativa privada. É compreensível, embora repulsivo, que governos de exceção ou com tendência ao caudilhismo busquem controlar a comunicação e suas mídias e interferir no mercado privado. Triste exemplo ocorre na Venezuela, com o arbitrário fechamento de emissoras de rádio e televisão. Nas democracias, porém, é inconcebível!
O parque impressor brasileiro, composto por 20 mil empresas, empregadoras de 200 mil trabalhadores e responsáveis por mais de 3% do PIB industrial do País, repudia as irregularidades na gráfica do Senado. Nessa atividade, permite-se apenas sujar as mãos de tinta, mas jamais manchar a ética e os preceitos da probidade. São cruciais a rigorosa investigação das denúncias e a exemplar punição dos responsáveis por contratações, nomeações e gratificações indevidas. Também é importante que o episódio demonstre de maneira cabal que gráfica no Estado sempre é objeto de péssima impressão.

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