A profecia de Santos Dumont

Por Mário César de Camargo Há cem anos, em 23 de outubro de 1906, Alberto Santos Dumont realizava, em Paris, na França, o primeiro …

Por Mário César de Camargo

Há cem anos, em 23 de outubro de 1906, Alberto Santos Dumont realizava, em Paris, na França, o primeiro vôo mecânico, devidamente homologado, de um aparelho mais pesado do que o ar, alcançando 60 metros. Ao completar com êxito a inédita façanha, vaticinou que o Brasil viria a ser "o maior centro de novas idéias do mundo". Quase acertou! Um século depois, o País encontra-se na 17ª posição na tabela internacional da produção científica. No entanto, é o 41º no tocante ao aporte de tecnologia própria. Esta classificação é coerente com o 38º lugar, dentre 43 nações, em que aparece no Ranking de Competitividade da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), recentemente divulgado.


A pergunta inevitável é: por que - embora tenha evoluído bastante na produção científica, tanto no que diz respeito à publicação de trabalhos e teses, quanto na formação de doutores, que serão dez mil em 2007 - o Brasil ainda não converteu esses avanços em maior independência tecnológica? A explicação para este paradoxo, cujos reflexos negativos são visíveis em nosso grau de competitividade, pode estar no distanciamento ainda grande entre as universidades e o parque empresarial. Há alguns números que corroboram tal tese.


Nos Estados Unidos, a Universidade da Califórnia, campeã em inovação no universo acadêmico, é - pasmem - apenas a 44ª colocada no ranking de registros de patentes. As primeiras 43 são empresas. No Brasil, dentre as primeiras 20 classificadas em ranking similar, prevalecem, com grande vantagem, as universidades. Em nosso país, 83% dos mestres e doutores encontram-se na academia e somente 17% trabalham nas empresas. Na Coréia do Sul, a proporção praticamente inverte-se: 39% atuam nas universidades e 61%, na produção. Conseqüência: em 2005, o Brasil registrou 283 patentes nos Estados Unidos, contra 4.700 da Coréia do Sul. 


Não há dúvida de que nosso país tem a mais desenvolvida indústria da América Latina, além de produzir tecnologia de ponta em algumas áreas, como a aviação. No entanto, é preciso reconhecer, inclusive para enfrentar o problema com mais consciência, foco e maior possibilidade de encontrar soluções, que ainda temos sensível dependência externa em vários segmentos, cujo desenvolvimento implica investimentos vultosos em pesquisa e inovação. Não raro, é imprescindível recorrer à tecnologia importada para manter padrões elevados de competitividade.


É o caso, por exemplo, da indústria gráfica, cujo parque impressor investiu cerca de US$ 15 bilhões nos últimos 15 anos em aporte tecnológico e na compra de máquinas e equipamentos. Parcela majoritária das aquisições refere-se a importações. Foi inevitável esse processo, sob pena de não conseguirmos competir, sequer com os concorrentes de países vizinhos, na produção de livros, cadernos, material promocional, revistas, embalagens e outros itens. O esforço valeu a pena, pois, mesmo sob um regime cambial muito adverso, o setor exportou US$ 143,75 milhões em impressos no primeiro semestre de 2006, obtendo superávit comercial de US$ 49,59 milhões.


Claro que os bens de capital importados, que propiciaram maior competitividade ao setor gráfico brasileiro, são frutos, em seus países de origem, de imenso esforço de pesquisa, inovação e, claro, da cooperação universidade-empresa. O exemplo é importante, pois a tecnologia gráfica está entre as que mais avançaram nesta e na década passada, inclusive para que o setor pudesse fazer frente às novas mídias eletrônicas e atender às mudanças de um dos mercados que mais rapidamente sofreram os efeitos da globalização. Fica claro ser imprescindível ampliar os investimentos em pesquisa e inovação no Brasil, aumentar a sinergia de empresas e academia, tirar a poeira das teses arquivadas nas prateleiras das universidades e levar seu conteúdo ao chão de fábrica.


Quem sabe se assim procedendo, herdeiros que somos do talento e inventividade de Santos Dumont, consigamos, em pouco tempo, tornar realidade plena a profecia deste grande brasileiro, passando a figurar entre os povos detentores do conhecimento e líderes no registro internacional de patentes. Não há dúvida de que tal conquista teria imenso impacto positivo, tornando muito melhor, desenvolvido e justo este país, como sonhou um dia o inventor do avião, sob as bênçãos do céu de Paris!

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