A propaganda subvertida

Por Paulo Cezar da Rosa A vitória de Lula está apontando para a superação do modelo de propaganda que, nos anos neoliberais, fez culto …

Por Paulo Cezar da Rosa
A vitória de Lula está apontando para a superação do modelo de propaganda que, nos anos neoliberais, fez culto à competição, à vitória individual e ao poder do dinheiro.
Pode parecer que as mudanças andam lentas no governo em Brasília, mas o mesmo não está ocorrendo no mundo da propaganda brasileira. A vitória Lula desencadeou uma invasão dos conceitos desenvolvidos na campanha presidencial nas peças publicitárias dos mais diversos produtos. Com isso, a alternativa construída pelo PT aponta para a superação do modelo de propaganda que, nos anos neoliberais, fez culto ao sucesso pessoal, à aparência, à competição, à vitória individual a qualquer preço e ao poder do dinheiro.
As manifestações dessa invasão petista no mundo da publicidade neste começo de 2003 são as mais diversas. Uma propaganda da Intelig usa a idéia da mudança e o gesto do L de Lula feito com a mão para escrever a palavra "Ligue". Para o automóvel Xsara Picasso Étoile, a linguagem é ainda mais radical. Segundo o comercial, o carro "oferece a verdadeira socialização do conforto e da beleza" e conclui chamando: "Tome posse do seu." Até Nizan Guanaes não resistiu e fez um comercial para a esponja Assolan na onda Lula. Verdade que o publicitário de José Serra ainda demonstra uma certa perplexidade e resistência. Conforme o comercial, "ninguém imaginava que o Brasil fosse ter um governo de esquerda". Daí o Assolan também poderia derrubar o FHC das esponjas de aço?. Já a loja Forum está lançando o primeiro projeto social-fashion brasileiro. O estilista Tufi Duek, dono da grife, mandou fazer 20 mil camisetas com as palavras de ordem Fé, Honestidade, Esperança, Respeito e Luta, todas da campanha Lula. As camisas serão vendidas a 49 reais e o lucro líquido deverá ser doado para projetos ligados a Ongs que atuam na área social.
Uma étoile diferente
Alguns analistas torcem para que esta mudança de linguagem e conceitos na propaganda brasileira seja passageira. É o caso, por exemplo, de Fábio Santos, editor do site e da revista Primeira Leitura. Para ele, "Lula só continuará a servir de mote publicitário enquanto sua popularidade continuar em alta". Conforme essa visão, a absorção de conceitos e temas vinculados à esquerda seria algo superficial, uma simples moda. Com a (previsível) queda da popularidade de Lula, tudo voltaria ao normal e o mundo da publicidade também retornaria aos seus trilhos de sempre.
Uma análise mais acurada do que está acontecendo, entretanto, indica o contrário. A partir de agora, e cada vez mais, a estrela terá um significado diferente na cabeça dos brasileiros, independente da classe social a que pertençam. A mudança que já ocorreu nos últimos 12 meses é espantosa. Pense na imagem que Lula e o PT tinham há um ano e a que têm agora. Inversamente, pense no significado da sigla ACM há dois anos e no que tem agora. Há uma mudança de paradigmas em curso e a publicidade brasileira nunca mais será a mesma depois da chegada de Lula ao governo. Podem ocorrer refluxos, idas e vindas nos próximos anos, mas fechou-se um ciclo histórico na publicidade no país em que podia ignorar conceitos como o de solidariedade, participação, cidadania e outros desenvolvidos pelos setores populares nos últimos vinte anos. A tendência, daqui para a frente, é que os criativos das agências tenham de reciclar seus processos e incluir na sua agenda a preocupação com o que acontece à gouche.
Coragem de mudar
Assim como ocorreu com o sindicalismo há vinte anos quando Lula despontou no ABC, com o mundo da política quando o PT começou a eleger parlamentares, com a administração pública com a eleição de governos municipais e estaduais, com a cultura e a ciência, com as redações de jornais, enfim com inúmeras esferas da vida dos brasileiros, a publicidade daqui para a frente vai viver um intenso processo de mudanças. A experiência de Lula na presidência, por mais limitada que possa ser pelas circunstâncias em que assumiu o comando do país, tende a reproduzir o sucesso obtido até hoje em todas as esferas em que se fez presente anteriormente. Além disso, o PT e Lula no Brasil não são uma manifestação isolada, nem poderá ser circunscrita ao período de um governo. Excetuando a hipótese totalmente improvável do governo Lula ser um desastre completo, a tendência histórica aponta para a implantação de mudanças estruturais na vida brasileira nos próximos anos. E o mundo da publicidade, um dos últimos redutos do pensamento capitalista "puro", terá de ser repensado e reestruturado.
Desenvolver esta mudança, construí-la passo a passo, exigirá uma grande dedicação nos próximos anos. Talvez resida aí, no território que por definição o PT considerou durante muito tempo como "do inimigo", um dos mais sofisticados desafios para o PT: mudar a orientação e a história da propaganda e da publicidade brasileira. Só o fato de Lula ter colocado na condução da Secretaria de Comunicação de seu governo o ex-presidente do Sindicato dos Bancários e ex-deputado federal Luiz Gushiken, um dirigente histórico do PT de sua confiança pessoal, talvez não seja suficiente mas indica vontade e coragem para começar a jornada.
O sentido da mudança
Ainda não é possível afirmar muita coisa a respeito da propaganda no governo Lula. Há, é claro, algumas obviedades: Duda Mendonça deverá ter uma influência grande (mas não está nem um pouco claro em que termos isso se dará nem até que ponto). O peso das agências de propaganda multinacionais deverá ser reduzido (mas é difícil dizer o quanto). A aplicação das verbas publicitárias deverá ser democratizada (mas num quadro em que toda a mídia está em crise, uma aplicação mais democrática dos recursos vai ter qual perfil mesmo?). Ou seja, pode-se depreender das bandeiras históricas do PT relativas à comunicação e à propaganda que haverá tensões por mudanças em alguns sentidos. Todavia o modo, a intensidade e velocidade com que essas mudanças vão ocorrer, para além do fato de que deverão acompanhar o ritmo do governo, são uma incógnita.
Um risco a ser evitado é a tentação do controle burocrático da comunicação, particularmente na área da propaganda. Por exemplo: logo nos primeiros dias de governo anunciou-se a intenção de legislar no sentido de obrigar que as propagandas garantissem cotas de participação étnica nos anúncios. A instalação da obrigatoriedade de cumprimento de uma regra como essa seria um verdadeiro gol contra. Se é correto que se lute por isso, que o governo estabeleça inclusive esse objetivo, dentro do possível, nos briefings que fizer para as agências, seria um erro monumental aprovar uma lei a respeito. Em geral, não existe nada mais chato do que um comercial todo politicamente correto.
Também será importante estar atentos para evitar a subestimação da propaganda em favor do jornalismo. Faz parte da gênese do PT o combate ao marketing e à propaganda e o privilegiamento da informação. A palavra escrita, a organização do discurso político e a sua propaganda através dos jornais, panfletos etc, sem dúvida é importante, mas com essas ferramentas só se fala com uma minoria letrada no país. A linguagem da maioria é a da imagem, é a linguagem da rede Globo, com suas novelas, e da publicidade, com seus VTs de 30 segundos.
A marca do governo apresentada recentemente parece um bom começo. A idéia de mosaico, de construção, as cores variadas, os tons afro - tudo indica um caminho sem volta. Afirma simbolicamente que estamos diante de um novo começo e não de um fim na história da propaganda brasileira. No mundo midiático que temos hoje, onde cada vez mais os diretores de novela e seriados de TV, os cineastas e publicitários cumprem o papel de intelectuais responsáveis pela educação das grandes massas, o que talvez se faça necessário é educar estes educadores. Mas não mais do que isso.
* Diretor da Veraz Comunicação

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