A turma do Mad Men e a chatice do politicamente correto

Por Roberto Schultz Assisti, até agora, a todos os capítulos (de todas as temporadas) da série americana MAD MEN. A série entrou agora na sua sexta …

Por Roberto Schultz
Assisti, até agora, a todos os capítulos (de todas as temporadas) da série americana MAD MEN. A série entrou agora na sua sexta temporada de absoluto sucesso, tanto nos Estados Unidos como no "resto do Mundo" (assim considerados nós aqui, inclusive).
Para quem não a conhece, ela mostra o dia-a-dia profissional e pessoal dos publicitários que - nos Anos 60 e agora, nesta sexta temporada, quase chegando aos Anos 70 - trabalhavam nas agências de propaganda da Madison Avenue, em Nova Iorque. Daí o trocadilho da palavra  MAD (loucos) com o nome da Avenida MADison. São, pois, eles,  os loucos homens da Avenida Madison. O seu lema é "Não importa o que você é ou o que quer, mas sim como você se vende".
À frente desses homens loucos da Madison Avenue está o fictício  DON DRAPER, sócio e diretor de criação da agência na qual trabalham os demais personagens. Sujeito impecavelmente bem vestido, ao estilo da época. Sedutor para as mulheres. Mais alguma coisa de bom, sobre ele? Veremos.
Don Draper sequer usa seu nome verdadeiro. Na verdade ele chama-se Richard "Dick" Withman. Foi um soldado  desertor do Exército na Guerra (o que, para o ufanismo bestinha dos americanos, é crime grave e imperdoável) e assumiu a identidade de um oficial (chamado Don Draper) que morreu ao seu lado, numa explosão. Acharam o corpo do oficial e ele deu a sua identidade de soldado Richard Withman ao cadáver, assumindo o nome (e a patente) de Draper. Mais tarde a esposa do tal oficial Draper descobriu a farsa e foi atrás dele, desmascarando-o. Como, apesar de estar morto, Don Draper continuava oficialmente "casado" com a viúva, Withman assumiu o sustento dela. Apenas financeiramente, e em segredo, pois ele já era casado com Betty. Comprou uma casa para a mulher do finado (e verdadeiro) Draper e a sustentou até que ela morresse, ainda jovem, de uma doença precoce.
Don Draper não é o único politicamente incorreto na série. Mas é, sem dúvida, o principal representante dessa "facção": trapaceia sem dó os publicitários seus concorrentes e até os colegas de trabalho; bebe  whisky o tempo todo  nas reuniões profissionais; fuma na cama ou nas mesas de restaurantes; joga lixo na grama do parque e latas de cerveja pela janela do carro; trai a (segunda) mulher com qualquer uma que aparecer na sua frente; traumatiza e bate nos próprios filhos; mente descaradamente, inclusive para o Governo; é racista.
Há páginas e páginas na Internet sobre a conduta do personagem Don Draper e até um perfil no Facebook (Brasil) com alguns " conselhos" do personagem; todos eles são frases tiradas dos episódios da série. Alguns são até bacanas, e nem todos são politicamente incorretos.
Acho que condutas e maneiras de pensar como aquelas mostradas em MAD MEN, caso adotadas hoje (especialmente na Propaganda), seriam mais condenáveis pela opinião pública do que foi a conduta atribuída a Marcos Valério, por exemplo.
Ainda se pratica, hoje em dia, exageros que merecem ser coibidos, claro. Noutro dia, numa loja aqui em Porto Alegre, assisti a uma mulher dar um sonoro tapa na boca (!?) da filha, de uns seis ou sete anos de idade. Fiquei chocado pela brutalidade. Mas isso era comum na minha infância. Não comigo, mas vi isso acontecer com outras crianças. Em outras épocas.
O problema é que afora esse tipo de agressões flagrantes e condenáveis, hoje tudo tem sido muito vigiado (não gosto de "patrulhado", que é um termo antiquado) e alardeado. Desconfio que muito mais pelo sabor da polêmica (e da atenção que ela atrai para si e para os polemizadores) do que por genuína indignação. As pessoas não querem combater de verdade para mudar as coisas , querem apenas é debater o assunto.
Voltemos a 2013.
Nesta segunda semana de maio já "viralizou" na Internet o vídeo que mostra o depoimento de  Charles Ramsey, homem que teria socorrido duas mulheres e uma criança mantidas em cativeiro há uns dez anos, nos Estados Unidos. Dizem que Ramsey as "salvou" e que, por isso, é um herói. O que, convenhamos, já é uma demonstração desse exagero midiático desesperado a que me referi quando falei sobre polêmica gratuita: ele apenas acolheu as mulheres, quando elas fugiram do seu raptor. Ele teria sido um herói se tivesse invadido a casa, espontaneamente, e corrido algum risco de vida para tirá-las de lá. Ao contrário disso, Ramsey nem desconfiava da ocorrência de um crime na casa vizinha. E até comia churrasco, às vezes, com um dos bandidos!!
Mas o fato que sublinho aqui, e que interessa para o nosso assunto, foi a afirmação feita por Ramsey. Ele é um homem negro. Que disse: "Quando uma menina branca e bonita corre para os braços de um homem negro, você sabe que tem algo de errado ali. Ou ela não tem casa ou tem problemas".
Se um carteiro, guarda, vizinho ou transeunte brancos tivessem afirmado isso na imprensa, esses últimos não seriam considerados "heróis" (o que sequer Ramsey é), mas se tornado  a escória desta sociedade politicamente correta. Observe, e eu repito, que essa pérola do racismo, foi dita por um homem negro. Que provavelmente não foi irônico ou crítico e que com a sua frase não teve qualquer intenção de protesto. Ele apenas repetiu uma verdade que está entranhada na sua pele e no seu coração, tendo vivido a vida inteira numa sociedade racista como é a americana. Porém, se um homem branco tivesse dito isso (mesmo que não concordando, mas apenas constatando o "mérito" da própria afirmativa) teríamos um sururu dos diabos. E uma crucificação em praça pública. Como Ramsey é negro, e pobre, e desdentado, temos então um herói. O herói do momento.
Então passei a refletir sobre o que é chamado, hoje, de politicamente correto. Desde logo, não tenho dúvidas de que  a hipocrisia é um dos pilares que amparam esse conceito. Não nos esqueçamos de que a palavra "política" (de onde se origina  politicamente correto) tem várias aplicações. Além da política partidária - o sentido mais conhecido por nós, mas há outros - também há aquele conceito dado por Hobbes de que política " consiste nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem".
Portanto politicamente correto nem sempre é, ela própria, uma expressão adequada. Porque nessa expressão uma palavra ( correto) não complementa, necessariamente, a outra ( politicamente). Elas até chocam-se um pouco. Correto em relação à política de QUEM? 
Porque nem tudo que é político expressa uma verdade absoluta, ou honestidade, ou sequer uma forma correta de se conduzir as coisas por todas as pessoas. Essa política, sim, criada ou induzida por alguns é  relativa e, portanto, se aplica a algumas pessoas. O que resulta que a  política (no sentido partidário ou não) praticada por alguns pode, portanto, estar induzindo as pessoas a pensar e a agir errado em relação aos preceitos morais e comportamentais dos outros. Que são o resto.
Reflito cá com os meus botões que, assim, o que é usualmente definido como sendo  politicamente correto, em verdade, não existe senão de forma absolutamente relativa a alguns que construíram essa política, justamente tentando ser - em que pese a redundância - políticos em relação a alguém ou a alguma coisa. O que não significa que sejam corretos.
Nem vou entrar naquelas do Hobbes de que o objetivo é sempre o de "obter alguma vantagem". Digamos que essa política foi desenvolvida simplesmente porque alguns acreditavam nela como correta, por pura e simples ideologia (vá lá?).
A origem do conceito (e da expressão) de politicamente correto, segundo artigo de LUIZ HORACIO no blog de LUIZ NASSIF ( http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/sobre-o-conceito-do-politicamente-correto ), "surgiu como forma de mediar preconceitos raciais nos EUA, principalmente, e outras formas de discriminação contra as minorias (mulheres, negros e grupos que representam minoria de direito, nas instâncias decisórias e de poder da sociedade), na forma como era encarada a presença e as reivindicações dessas minorias, na sociedade dos anos 80 (quando esse discurso ganhou o mundo)."
Na Propaganda, e aqui no Brasil, como eu já disse antes, duvido um pouco das indignações politicamente corretas que são demonstradas e acredito muito mais na intenção subliminar (e meio torpe, convenhamos) de se fazer alguma polêmica ( qualquer polêmica) em cima dos temas debatidos. Polêmica essa que serve, sabe Deus a quem. Olha o pensamento do Hobbes aqui de novo.
De qualquer forma, com ou sem a obtenção de vantagens, acho meio bestinhas e falsamente panfletárias algumas "indignações" demonstradas apenas para atrair a atenção dos incautos.
Prestemos atenção a algumas discussões que se deram na esfera do  Conar já neste ano de 2013. O fazemos por amostragem. Apenas observando o tipo de questionamentos que são feitos num contexto que, há alguns anos (quando se davam tapas nas crianças em público), poderiam passar completamente despercebidos.
E tire as suas próprias conclusões.
O desodorante AXE, através do filme chamado Duas gostosas e um sortudo, lançado unicamente na Internet, sofreu uma advertência e recebeu votos dos conselheiros pela suspensão do vídeo. Os consumidores teriam visto nele um  apelo excessivo à sensualidade. A empresa alegou a aposta permanente  das suas campanhas numa linguagem provocativa ( http://www.youtube.com/watch?v=b7HUkg3sVZI). Apelo excessivo à sensualidade, será?
Já a Ambev, através da sua marca Skol, lançou uma campanha em torno do seu  sorvete de cerveja. E foi advertida pelo Conar. Esse último afirmou que a propaganda feita no site da empresa e na página da marca na rede social Facebook "poderia despertar a atenção do público infanto-juvenil" e que a marca teria atuado "no limite" por lançar uma sobremesa com teor alcoólico ( http://www.youtube.com/watch?v=hxLJnCI5gmg). As crianças irão comer litros de sorvete? Elas não têm pais ou responsáveis para educá-las? E se não os têm, a atitude de educar as crianças deve partir da Propaganda? Cômodo.
A campanha da Gilette, chamada Quero Ver Raspar, foi na minha opinião a mais " gratuitamente polêmica". Felizmente, o Conar entendeu isso da mesma forma que eu e disse que nela não havia "preconceito contra peludos" (hã?), conforme foi alegado por consumidores. E que a questão era mais estética do que preconceituosa. Que catso é preconceito contra peludos? ( http://www.youtube.com/watch?v=rSUwiAguqMI)
A premiada Agência  Almap BBDO criou o filme Superstição para a Volkswagen e suscitou a ira dos "gateiros" (não confundir com " gaiteiros"), que são os donos ou adoradores de gatos. O filme, exibido em fevereiro, exibia o automóvel Gol 1.0 com vários amuletos de sorte. Quando um gato preto aparecia no console do carro, o jato de água do párabrisas o repelia. Isso supostamente induziria aos "maus tratos aos animais" e, pasmem,  teve de ser alterado por maioria de votos. As marretadas que o Papaléguas ("bip bip") dá no Coyote, ou que o Jerry dá no Tom, não são maus tratos aos animais?
Depois, a cerveja Devassa foi denunciada pela suposta conotação sexual da campanha que tinha como mote "O que você está esperando para ter a sua primeira vez?", na qual um rapaz é estimulado a ter sua "primeira vez" com a cerveja. Tudo dito com duplo sentido, é verdade, mas nada tão sexualmente agressivo assim? Nas novelas da Globo, pode tudo e as crianças não estão vendo?  ( http://www.youtube.com/watch?v=WyzlPPyoYn4).
Por fim, uma campanha dos Postos Ipiranga. Sou suspeito para falar desse anunciante porque só abasteço neles; em nenhum outro posto de gasolina, há anos. Mas desta vez os politicamente corretos foram de um exagero amazônico. O filme da campanha Um Lugar Completo Esperando por Você foi denunciado no Conar por suposta " apologia ao trabalho infantil". No filme, os personagens, pai e filho vestidos com uma roupa igual (a saber: boné, camisa e camiseta "modernos"), fazem artesanato, cestos de vime. Ficava claro, no filme, que eles não eram trabalhadores que viviam daquilo, e que estavam apenas se divertindo. Seja como for, e se aquele fosse o sustento deles? O pai estaria explorando o filho? E se o pai fosse um artista plástico, mecânico ou um professor e estivesse ensinando o seu ofício ao filho? "Exploração do trabalho infantil"? Francamente?
Não sei se é porque assisto a uma média de dez a quinze filmes de cinema (a maioria de ficção) por mês, afora a série Mad Men. Mas acho que o que está faltando a esse povo tão crítico que vai ao Conar é CUL-TU-RA: Cinema (e não apenas o americano, pelo amor de Deus, experimente o cinema argentino?); Literatura e Humor de qualidade. Para que tenha um  olhar crítico sobre a criatividade e a arte, inclusive na Propaganda.
Ao invés de ficarem importando besteiras e tradições que não nos pertencem como Halloween, Dia de São Patrício ou até o Thanksgiving Day ("Dia de Ação de Graças"), que é outra que irão copiar qualquer dia desses.
Os Estados Unidos têm coisas muito boas. E Mad Men é uma dessas coisas boas de se ver, que vêm de lá. Mas nem tudo aquilo que o país que nos emprestou a idéia do politicamente correto nos oferece é digno de ser copiado. Não nos esqueçamos de que lá eles, com uma alarmante frequência, prendem gente em cativeiro por anos ou entram armados em escolas, matando crianças e inocentes.
Vamos copiar só a parte boa.

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