A TVE não vai acabar. Ou vai?

Glauco Fonseca Engana-se, de imediato, quem pensa que vou falar mal da TVE. Trabalhei lá por duas ocasiões e reconheço não apenas o valor …

Glauco Fonseca
Engana-se, de imediato, quem pensa que vou falar mal da TVE. Trabalhei lá por duas ocasiões e reconheço não apenas o valor da estação, mas principalmente seu potencial como televisão pública. É claro que já me manifestei de modo contrário ao que vi por lá, muito por conta do loteamento político de ambos os "lados" e orgulho-me de ter sido nomeado sempre por minhas credenciais técnicas. Fim do "nariz-de-cera".
Televisão é um negócio formidável no Brasil. O padrão de qualidade que a Rede Globo despeja nos lares dos telespectadores é de elevado padrão internacional, não ficando atrás de nenhuma outra rede no planeta. Esta qualidade é consumida há décadas pelos brasileiros, que se acostumaram com uma TV de altíssimo nível. Não aconteceram por milagre os mais de 60% de audiência da Globo no país. Entretanto, é importante perguntar: De onde veio a Globo? Muito de seu plantel, lá no início, veio do grupo Diários Associados, da Rede Tupy, que fazia a pioneira e heroica TV ao vivo, uma situação extrema que até hoje apavora qualquer um. Os talentosíssimos profissionais de TV dos anos 50 e 60 faziam novelas, programas inteiros, noticiários e até mesmo comerciais, tudo ao vivo. Esta condição precária gerou grande "expertise" e um conjunto de talentos versáteis e notáveis. Aqui no sul, o livro do saudoso Walmor Bergesh é uma viagem aos bons tempos da televisão, mas principalmente da TV Piratini, cujo prédio é o mesmo da atual TVE.
Sejamos francos: a TV heroica acabou. Fazer TV sem gente, sem talentos notáveis, sem equipamentos atualizados não é mais concebível. Com o crescimento das Redes Globo, Bandeirantes, SBT e outras, o avanço da televisão a cores e via satélite em tempo real, houve uma natural convergência de talentos para os mercados de Rio e São Paulo. O mercado gaúcho - antes fecundo em profissionais experientes e talentosos - perdeu muito com a consolidação das cabeças-de-rede.  Até mesmo a RBS, que é o grupo que mais investe em produção no sul, tem enormes dificuldades em identificar e promover talentos, inclusive para exportação para o centro do país. Este fenômeno também ocorreu em um outro mercado que tinha um batalhão de talentos, Recife, que hoje tem uma televisão tão pobre quanto a do RS.
Por outro lado, a TVE sempre foi um ambiente muito sofrido, algumas vezes mal utilizado por seus gestores, principalmente no que se refere à política. A transitoriedade de poder nunca fez bem algum para a TVE, principalmente por que lá a maior parte da equipe do quadro possui preferências políticas de esquerda, o que também considero natural. As expectativas modulavam: se o governo é de esquerda, a coisa então deveria melhorar - e não melhorava - e se o governo fosse de direita, a frustração chegava ainda antes das promessas não cumpridas pelos gestores de esquerda. Em outros termos, ficava tudo, sempre, como dantes na TVE de Abrantes.
E lá se vão 40 anos (ou mais?), com resultados muito abaixo das expectativas. Os funcionários culpam sempre os governos por ficarem à margem de um mercado que requer investimentos, energia, técnica, talento e profissionalismo. Os grupos funcionais que operam e operaram na casa jamais pararam para pensar, um instante sequer que fosse, que o futuro da estação poderia estar nas mãos e cabeças organizadas deles próprios.
Eis que volta a pergunta: acabar ou não acabar com a TVE? Eu sei que, até agora, nenhum governo teve coragem sequer de conceber esta possibilidade. Repassar toda a equipe para a EBC, que já é dona do prédio? Privatizá-la? Nada disto parece possível também. Então, se Sartori, por exemplo, não vai "acabar" com a TVE, então quem irá?
Como diria Sherlock Holmes "Quando você elimina o impossível, o que restar, não importa o quão improvável, deve ser a verdade." A verdade é que a TVE depende 100% do talento, do trabalho e da força de seu quadro funcional e de sua criatividade. Tanto para crescer quanto para desaparecer.
Agora, se os funcionários continuarem achando que o problema é de governos, de diretorias, de pessoas transitórias e acham que nada é de sua responsabilidade, é sinal, então, que ela já acabou.
Glauco Fonseca é consultor de Marketing.
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