A verdadeira nudez de todos nós

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Depois de ler uma crônica da Marta Medeiros sobre o filme inglês Garotas do Calendário, fiquei com uma grande …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Depois de ler uma crônica da Marta Medeiros sobre o filme inglês Garotas do Calendário, fiquei com uma grande vontade de vê-lo, que a princípio tem como temática a nudez feminina de mulheres de meia-idade com objetivos meramente beneficentes. O filme, baseado em um fato verídico, se passa na bucólica cidade inglesa de Yorkshire, zona rural da Inglaterra, onde mulheres visivelmente entediadas com suas vidas ocupam alguns dias da semana participando de um instituto em que as palestras versam sobre a importância do brócolis, como conservar tapeçarias e até festival de receitas. Convenhamos, um tédio.
Para angariar fundos com o intuito de ajudar um hospital local a melhorar suas instalações, uma mais ativista do grupo de mulheres tem a idéia de fazer algo diferente. Como posar nua para um calendário anual. Até aí, nada de anormal. O estranho ou pitoresco é que todas elas estão situadas na faixa etária entre 50 a 70 anos, exercem somente atividades do lar, algumas jamais se desnudaram totalmente na frente de seus maridos e querem algo diferente daqueles calendários conhecidos que se balançam nas paredes surradas de borracharias.
O que se assiste a partir da idéia do calendário, em que cada uma representa um mês do ano, posando nua em atividades do lar, em atos corriqueiros, como molhar uma planta, tricotar ou arrumar bolinhos para o chá das 5 horas, é uma lição de respeito nas relações humanas, da importância das verdadeiras amizades, da coragem na busca de um objetivo, dignidade e, principalmente, o que escondemos dentro de cada um de nós. Algum dia teremos coragem suficiente para nos desnudar de todos os preconceitos e assumir nossos defeitos e qualidades? E o preço que pagaremos por isso?
As garotas de Yorkshire fizeram isso. Produziram um trabalho sensual, sem ser vulgar, sexy sem ser apelativo, romântico sem ser piegas e, por que não, humano ao alcançar o objetivo de auxiliar determinado hospital. Sem mostrar sequer qualquer parte íntima do corpo, embora peladas, elas se expõem inteiras como talvez nunca tenham conseguido em toda as suas vidas. Enfeitadas de colares de perólas, chapéus, brincos e muitas flores, eles se descobrem bonitas, rejuvenescidas e prontas a se desnudar internamente, desafiando uma cidade inteira e algumas até os seus familiares.
Na realidade, o filme não tem nu frontal, não mostra peitos caídos, mesmo que algumas das 12 garotas do calendário já possam sofrer a infame lei da gravidade. Mostra a coragem e a determinação que move as mulheres do mundo inteiro, quando dispostas a algum fim. A garra do sexo feminino quando se propõe a conseguir algo. Demonstra que todo o universo feminino carrega, mesmo com o passar da idade e pequeninhas rugas, uma certa vaidade e trejeitos de sapeca. E que enfim, se somos capazes de padecer no paraíso, porque não podemos fazer algumas travessuras, mesmo que já não tenhamos lá os nossos 20 ou 30 anos?
Afinal, como diz o marido de uma delas, que precisou utilizar o hospital antes do mesmo ser reformado graças às vendas do calendário. "As flores dos jardins de Yorkshire são como as mulheres do vilarejo. Quanto mais o tempo passa, estão mais bonitas e amadurecidas. Como as flores. E o último estágio da flor é sempre o mais glorioso porque é o que fica para semente". Chega-se, portanto, à conclusão, de que devemos nos orgulhar do amadurecimento, das nossas amizades, quando verdadeiras, dos nossos relacionamentos, quando respeitosos, e preparar-se para ir, a cada dia, desnudando uma parte interna do corpo e assumindo o que nem sabemos que escondemos.
* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela PUCRS, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora e atualmente é assessora de comunicação social.
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