Adeus, Antonio

Por J.A.Moraes de Oliveira Ele não gostava muito de viajar. Os encantos de São Paulo, Rio de Janeiro ou Paris pouco o seduziam. Seu …

Por J.A.Moraes de Oliveira

Ele não gostava muito de viajar. Os encantos de São Paulo, Rio de Janeiro ou Paris pouco o seduziam. Seu domínio era a cidade de Porto Alegre, povoada por seus amigos. Uma multidão deles.


Amigos de infância, do interior do Estado, amigos de turfe, de jornal, da política, do rádio e da televisão. E também dos tempos pioneiros da propaganda gaúcha. Muitos dos amigos se tornaram anunciantes em sua agência e muitos dos anunciantes se transformaram em seus amigos para sempre.


Ele semeava amizade às mãos-cheias e a cultivava com fidalguia, carinho e com um incomensurável deleite. Caminhar ao lado dele no Largo dos Medeiros ou no saguão do Aeroporto Salgado Filho era um exercício na arte do relacionamento humano. A cada passo que dava, concedia um aceno, um generoso aperto de mão, um sorriso de reconhecimento.


Se um amigo mais fraterno cruzasse seu caminho, era o momento mágico de um demorado abraço, uma conversa de olho no olho, de sorriso no sorriso. Tanto os amigos antigos como os recém-convertidos, todos o reverenciavam, raros ficavam imunes à sua passagem. Quando um distraído ou absorto não lhe retribuía o cumprimento, franzia a testa, coçava a cabeça, contrariado.


Cumpria com religiosidade o ritual levantino da hospitalidade, da lealdade em situações de vida ou de morte. Na vida profissional, foi muito além do que emprestar sua inicial ao nome da agência de publicidade que nasceu na rua Doutor Flores, emigrou para a Santo Antônio e galgou o Morro de Santa Tereza, já carregada pelo seu destino de grandeza.


Com seus amigos e sócios, temperou uma química única na condução do negócio de comunicação. Esta química de convivência entre donos de agência e publicitários criou um exemplo de sucesso e talento na propaganda brasileira. E construiu a referência que foi, por anos, o orgulho dos gaúchos - uma agência regional que ousou ser a primeira entre as multinacionais e as poderosas do eixo Rio - São Paulo.


Reclamava quando um colega ou funcionário da agência levantava da cadeira à sua frente para retomar seus afazeres: "Aonde vais? É cedo, fica mais um pouco". E fazia fluir a conversa leve, calorosa, que saboreava como um néctar precioso. Conhecia os dramas pessoais de cada um dos funcionários e sempre achava um meio de interceder pelos salários dos que ganhavam menos.


Quando convocado a participar de uma apresentação de uma campanha publicitária, muitas vezes interrompia a reunião para contar estórias do presente e do passado de pessoas e da cidade.


O diretor de criação da agência ficava com o discurso suspenso no ar, o cliente cativo nos sortilégios de sua narrativa. Então, passado algum tempo, cedia a palavra à equipe para que continuasse seu trabalho de vendas.


E mesmo sem ter aprovado previamente os anúncios, os elogiava e os defendia com mais ênfase e brilho do que seus próprios criadores.


Este encantador de gente e cultivador de amizades fraternas seria golpeado seguidamente pelo destino. As pessoas que ele mais queria lhe foram roubadas, de forma traiçoeira e prematura, uma após outra: o colega Adão, os mais-amigos-do-que-clientes Chico e Roberto, seu amigo/irmão Maurício,  e sua Lahir, esposa e companheira de uma vida. Seu olhar aos poucos perdeu o brilho, recolheu-se para o interior de sua tristeza, mas resignado e sem um queixume. Dava a impressão de dizer: "Recebi e dei muito na vida - não devo reclamar".


À vista dos amigos, seu rosto se iluminava. Mesmo o mais apressado telefonema era suficiente para acender em sua voz as antigas alegrias.


Sorvia com prazer cada diálogo, cada conversa, as confidências, as notícias dos amigos distantes.


Mesmo abatido por seus males, quando ouvia que um amigo estava bem, deixava escapar um: "Que bom".



A felicidade dos outros o fazia feliz.


Esta multidão de amigos e colegas, que foram tocados por ele, lembrarão com triste saudade um ser humano que foi mestre de generosidade em tudo o que fez - na grandeza que semeou no negócio de propaganda, na compaixão pelas pessoas, na felicidade que ajudou a criar na vida dos seus semelhantes.


Adeus, Antonio Mafuz.

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