Amir, o Major e o boletim impossível

Por Marcelo Xavier O jornalista Amir Domingues (que é o Perfil em Coletiva.Net) é certamente um dos patriarcas do radiojornalismo gaúcho, e o modelo …

Por Marcelo Xavier
O jornalista Amir Domingues (que é o Perfil em Coletiva.Net) é certamente um dos patriarcas do radiojornalismo gaúcho, e o modelo de programas como o "Agora" pode ser considerado como a base da linguagem jornalística que se faz em rádio atualmente. Creio que se não fosse por aqueles jovens que fundaram a rádio Guaíba em 1957, sob a batuta do "major" Arlindo Pasqualini, o modelo de rádio seria diferente de que ouvimos hoje.
E o Amir é o exemplo típico do tempo em que rádio se fazia também com um pouco de sorte e muita "feitiçaria". Nas eleições de 1960, por exemplo, a Guaíba foi a primeira emissora no país a realizar cobertura de todas as capitais brasileiras, incluindo os territórios. Muito antes da revolução da Internet, eles percorreram com três pessoas todas os lugares estipulados. Mesmo com as condições da época, a tarefa teve êxito: a realização da cobertura eleitoral simultaneamente em todas as capitais. Para tanto, o trabalho de Homero Simon, o homem do "Single Side Band", foi imprescindível e revolucionário. A Guaíba provou que era possível promover uma cobertura instantânea se o governo se voltasse com o objetivo de desenvolver o trabalho das comunicações no Brasil.
Na época, o diretor da rádio Guaíba era Pasqualini. Quando o Amir e o Simon apresentaram o projeto ao "Major", ele achou aquilo um tanto audacioso. Afinal de contas, eles pretendiam fazer a cobertura de um país de dimensões continentais, enfrentando toda a sorte de riscos, devido à precariedade da comunicação na época. Pasqualini também achou que seria quase impossível estabelecer contato com o Acre. Os dois explicaram que havia um jornal em Rio

Branco, e que a ligação poderia ser feita através de um circuito do antigo serviço Nacional de Proteção ao Índio (SNPI). O "major disse: "Acho o plano inviável mas, em todo caso, está autorizado". Assim, a equipe da Guaíba estava em posição de desafio. E assim foi feito.
A feitiçaria ficava por conta da equipe técnica, a cargo de Homero Simon. A central carioca da Guaíba, onde ficaria Amir Domingues, foi montada com um transmissor feito na própria emissora, em "Single Side Band" (método para transmitir apenas uma banda lateral e colocar toda a potência do transmissor na modulação, onde a portadora e uma banda lateral são removidas antes do sinal ser amplificado), recebendo as demais comunicações do Brasil, através de uma linha privada, também em SSB, ligando aos estúdios da Guaíba. Dos estúdios, Amir foi avisado que, contrariando todas as perspectivas negativas de Arlindo Pasqualini, ia finalmente entrar o boletim direto do Acre. Ele então se comunicou com o correspondente, e ele se chamava Índio do Brasil, com um vozeirão de locutor de cinema. O correspondente apresentou o boletim que, devido a uma situação de propagação excepcional, apresentava todas as condições de "broadcasting".
Gravado o boletim, a equipe carioca chamou pela linha de serviço o Homero Simon, que estava na antena da Ilha da Pintada, e avisou: "Avisa o Major que vai entrar o boletim do território do Acre!". Dias depois, Osmar Melletti confidenciou ao Amir Domingues: Pasqualini estava na discoteca da Guaíba, diante do aparelho de rádio, acompanhando a cobertura. Eis que a locução anunciou: "Atenção, vai falar o correspondente do Acre!". E entrou o vozeirão do tal Índio do Brasil. A façanha foi tão grande quanto improvável: o que seria simples nos dias de hoje, ganhou contornos épicos naquelas priscas eras. Uma verdadeira façanha. Tanto que, ali, na frente do rádio, o Major Pasqualini foi literalmente às lágrimas ao ouvir o boletim impossível.
Marcelo Xavier

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