Antenas

Por Mario de Almeida* Nasci “antenado”. Isso mais ou menos quer dizer que tenho, quando acordado, um sensor que me avisa, se não estiver …

Por Mario de Almeida*
Nasci "antenado".
Isso mais ou menos quer dizer que tenho, quando acordado, um sensor que me avisa, se não estiver me dando conta, que olhos, ouvidos - ou ambos - estão diante de algo inusitado. Esse "sensor" me obriga a redirecionar minha atenção e captar o inusitado. Exemplo: eu estava, com colegas publicitários, caminhando e conversando na "Croisette", de Cannes, após uma sessão de filmes comerciais, quando o sensor "disparou". Olhei em redor e percebi, ao primeiro busto nu de mulher, que eu nunca estivera numa praia de topless. Dia seguinte, mesma situação, diante de um sinal (farol, semáforo) fechado, o sensor disparou de novo. Mostrei para os companheiros Yves Montand ao volante de um belo conversível vermelho.
Certa noite, ao entrar no Antonio"s, no Rio, antes de chegar ao balcão e pedir o uísque nosso de cada noite, o sensor já estava "a mil". Eram Candice Bergen e Tarso de Castro trocando beijos apaixonados.
Acho que deu para explicar a incessante atividade do meu sensor, mas já que falei em "uísque nosso de cada noite" e Cannes, vou abrir um parêntesis.
Num Festival de Propaganda encontrei lá, no lobby do hotel, oito da noite, um colega de São Paulo, velho amigo que me abordou aflito:
- Mario, estou desesperado, há mais de 30 anos que tomo meu uísque assim que o sol se põe. Adoro o inverno paulista, pois o sol se manda logo. Aqui, nesse horário de verão, às 10 da noite ainda tem raios de sol.
- Você já reparou nas cortinas duplas do apartamento? Uma de veludo e outra de um tecido grosso. Sem luz é black out total. Sobe lá e toma um duplo.
Passados menos que 20 minutos meu amigo me encontrou no bar e disse, eufórico:
- Mario, você salvou minha viagem.
- O Churchil tinha o mesmo problema que você, o primeiro uísque era depois que o sol se ia. De manhã e à tarde, só tomava gim.
Voltando ao sensor, na minha primeira ida a Porto Alegre, em abril de 1957, ele quase me enlouquece. Desembarquei no antigo Salgado Filho, peguei um táxi em direção ao Hotel Majestic, hoje Casa de Cultura Mario Quintana, e, durante todo o trajeto pela Farrapos, o sensor não me deu sossego. Percebi, logo, que não havia passado por nada especial, pois então o sensor, ainda que frustrado, ficaria calmo. Mas ele continuava aflito e aflito ficou até sairmos da Farrapos.
Dia seguinte, fui engraxar sapatos na Praça Quinze, hoje Largo Glênio Peres, onde o próprio Glênio e eu enfrentávamos o inverno comendo o mocotó do Chalé, restaurado há poucos anos. Ao sentar-me na cadeira do engraxate, sob um guarda-sol, comecei a decifrar o enigma da véspera, coisa confirmada depois de uma pequena caminhada por aquelas ruas centrais. Simplesmente, a quase totalidade dos bares e padarias populares tinha seus exteriores pintados de vermelho e azul, as cores da Pepsi.
O Comendador Heitor Pires, o engarrafador concessionário da marca, tinha um marketing absolutamente agressivo e, entre outras coisas, pintava de graça os estabelecimentos que aceitavam suas cores. Assim eram, também, os guarda-sóis dos engraxates da cidade, esses com logotipo e tudo.
Os muitos botequins da Avenida Farrapos, por onde eu passara na tarde anterior, "eram um estranho festival" vermelho e azul.
E Porto Alegre era, na época, a única capital brasileira onde o consumo da Pepsi dava uma goleada na Coca.
O Comendador era um sábio, que permutava bem a exclusividade de sua marca. Onde houvesse as cores da Pepsi, nem adiantava pedir Coca?
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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