Aos menos idosos

Por Mario de Almeida* Quando Manuel Bandeira escreveu os versos de “São os do Norte que vêm…”, referia-se aos escritores nordestinos que, a partir …

Por Mario de Almeida*
Quando Manuel Bandeira escreveu os versos de "São os do Norte que vêm?", referia-se aos escritores nordestinos que, a partir de 1930, começaram a baixar no Rio. Quando o baiano Caymmi, que acaba de completar 90 anos, cantou "Peguei um Ita no Norte/ pra vim pro Rio morar/ Adeus meu pai, minha mãe/ Adeus Belém do Pará? " fingiu-se de paraense, mas na verdade saia da cidade de Salvador.
Nem Manuel Bandeira escorregou na Geografia, muito menos Caymmi, na época um baiano-nortista. Acontece que na antiga divisão regional do país, da Bahia para cima, tudo era Norte.
O nosso antigo Teatro de Equipe recebeu, pelo menos, duas personalidades, já "nordestinas" e ambas pernambucanas: Francisco Julião, fundador e líder das Ligas Camponesas, e o poeta Ascenso Ferreira. Ascenso celebrizou-se pelo poema abaixo.
Filosofia

Hora de comer,

- comer!

Hora de dormir,

- dormir!

Hora de vadiar,

- vadiar!

Hora de trabalhar?

- Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

Ascenso esteve em Porto Alegre, final dos anos 50 e nós, do Teatro de Equipe, demos um replay de poemas dele encenados em "Poetas e Poemas" e em "Rondó 58". Entre eles, o poema O Gaúcho, que fizera muito sucesso, tanto em Porto Alegre como no Rio, onde levamos "Esperando Godot", de Samuel Becket, e "Rondó 58".
Paulo José fazia o discurso do gaúcho empolgado e outros dois atores diziam que ele tinha broxado.
Riscando os cavalos!

Tinindo as esporas!

Través das coxilhas!

Saí de meus pagos em louca arrancada!

- Para quê?

- Para nada!

Explico aos mais jovens a fina ironia do nordestino em relação à Revolução de 1930, quando gaúchos folgazões atrelaram seus cavalos no obelisco defronte ao Palácio Monroe, o antigo Senado Federal, estande dos Estados Unidos na Feira Internacional de 1922 e doado ao Rio, então capital federal.
A ironia de Ascenso ia fundo na condição de testemunha da miséria de sua terra:
Predestinação

- Entre pra dentro, Chiquinha!

Entre pra dentro, Chiquinha!

No caminho em que você vai,

você acaba prostituta!

E ela:

- Deus te ouça, minha mãe?

Deus te ouça?

Ascenso denuncia - com humor - que para o povão feminino a prostituição era o único caminho certo para a fome zero.
Homenzarrão, na faixa de quase dois metros, mistura de raças, Ascenso, poeta de humor imprevisto, não se pejava de seus delicados momentos de lirismo e assim fechava "Misticismo":
E vinhas vindo? vinhas vindo?

na paisagem da rua calma,

e o teu vestido era tão lindo

que parece que tu vinhas envolvida na tu?alma?

* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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