Apetite da RBS expande-se para o norte

Por Luciano Martins Costa A Rede Brasil Sul, dona do diário Zero Hora, prepara seu desembarque em São Paulo para o fim desta década. …

Por Luciano Martins Costa

A Rede Brasil Sul, dona do diário Zero Hora, prepara seu desembarque em São Paulo para o fim desta década. Depois de adquirir parte da Rede Anhanguera de Comunicação, sediada em Campinas, em operação ainda não confirmada nem desmentida pelas duas partes, a empresa anunciou a compra do diário A Notícia, de Joinville, numa seqüência de outros investimentos que a posicionam como a empresa de comunicação mais dinâmica e profissionalizada do país.


Com a compra do jornal catarinense, a RBS coleciona oito diários. No Rio Grande do Sul, edita Zero Hora e o popular Diário Gaúcho, em Porto Alegre; o Diário de Santa Maria; e o Pioneiro, em Caxias do Sul; em Santa Catarina, tem o Diário Catarinense, em Florianópolis; o Jornal de Santa Catarina, em Blumenau; e agora A Notícia. Além disso, possui 26 emissoras de televisão aberta, duas estações locais de TV, 26 emissoras de rádio, dois portais de internet, editora, gráficas, gravadora, empresa de logística e empresa de marketing. O grupo emprega cerca de cinco mil pessoas e faturou no ano passado 825 milhões de reais, com lucro líquido de 78 milhões de reais.


Programa de expansão


Quando confirmada a negociação com a Rede Anhanguera de Comunicação, os gaúchos poderão exibir em seu patrimônio a posse ou controle do Correio Popular, que tem 72% do mercado de jornais de Campinas, e, com 295 mil leitores, é o mais lido do interior paulista, segundo pesquisa Ipsos-Marplan feita em 2003. Leva também O Diário do Povo, segundo jornal mais lido de Campinas e líder de vendas em bancas da região - que, segundo a mesma fonte, possui 106 mil leitores - e a Gazeta de Piracicaba, além da Agência Anhanguera de Noticias e de um semanário.


O Grupo RBS foi envolvido em polêmicas em 2002, quando o ex-ministro da Casa Civil do governo FHC, Pedro Parente, assumiu a vice-presidência da empresa logo após ter sido apontado como autor de mudanças na Medida Provisória 70, que favoreceriam o RBS. Na ocasião, o Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação denunciou o caso. Além disso, o grupo foi acusado naquele mesmo ano de haver interpretado incorretamente pesquisas eleitorais sobre a disputa no Rio Grande do Sul, favorecendo o PSDB. Na ocasião, a direção da empresa se desculpou pelo comportamento considerado inapropriado de formadores de opinião ligados ao grupo.


Considerada a mais agressiva e profissional empresa brasileira do setor, o grupo RBS iniciou há cerca de quinze anos um ambicioso programa de expansão, que começou com a reforma gráfica do seu carro-chefe, o jornal Zero Hora. Sob o comando do designer Luis Adolfo, o projeto trouxe ao Brasil o consultor Mario Garcia, que em seguida se tornou o predileto de nove entre dez jornais brasileiros. Até mesmo o poderoso O Estado de S.Paulo, no início dos anos 1990, usou a reforma do Zero Hora como modelo para as mudanças que realizou em seus cadernos.


Posteriormente, o grupo RBS, ainda sob o comando de Jayme Sirotsky, começou uma série de aquisições em Santa Catarina, fazendo tentativas de ingresso no Paraná e no interior paulista. Ao mesmo tempo, Sirotsky tratava de levar a organização a ocupar espaços de representação institucional compatíveis com sua condição de "maior grupo de comunicação multirregional do Brasil", chegando à presidência da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Mundial de Jornais (WAN).


Planejamento quase obsessivo


Os gaúchos não brincam em serviço. O atual presidente do grupo RBS, Nelson Sirotsky, preside a ANJ. O sistema de gestão e profissionalização da empresa, que nenhum dos grandes grupos até aqui listados entre os grandes da imprensa brasileira teve ousadia de implementar, é considerado modelo e referência em congressos internacionais. Um exemplo: nenhum integrante da família proprietária é admitido em qualquer empresa do grupo se não demonstrar que é destacadamente melhor do que os demais candidatos.


Para se ter uma idéia do grau quase obsessivo de planejamento a que chega a empresa, basta que se diga que, na aquisição de A Notícia, a RBS preparou um projeto de implantação com prazo de 11 anos. A redação de A Notícia tem 120 jornalistas e deverá ser reduzida em 30% a 40%, segundo um de seus editores. O prazo de transição mal dá tempo para procurar outro emprego: em dois a três meses, o jornal já deverá ter a cara e o estilo de gestão do grupo RBS, para aproveitar as oportunidades de anúncios que serão criadas no fim do ano pelos bons resultados das grandes indústrias da região, que costumam distribuir bônus por desempenho a seus funcionários.


Fragilidades e relacionamentos


O antigo proprietário do diário de Joinville, Moacir Thomás, foi convencido de que, se não cedesse ao rolo compressor da cavalaria gaúcha, veria seu jornal sitiado, de um lado, pelo Diário Catarinense, a partir de Florianópolis, e do outro pelo Jornal de Santa Catarina, que cobre a Região dos Vales e o litoral norte do estado, de Blumenau a Camboriú. Conhecedor das táticas extremamente agressivas aplicadas pelo concorrente, Thomás percebeu que em dois ou três anos teria que aceitar a venda em piores condições de negociação.


Desde o início dos anos 1990, quando executivos do Zero Hora participavam do Projeto Beta, pelo qual os grandes jornais do país partilhavam as melhores práticas de gestão, sabe-se que, como O Globo no Rio, seu futuro estava na estrada, mais precisamente na BR-116, em direção a São Paulo. No Paraná, o próximo alvo é a Rede Paranaense de Comunicação, que edita a Gazeta do Povo e o Jornal de Londrina, e controla a Rádio 89 e a TV Paranaense, afiliada à Rede Globo. Essa, aliás, é uma característica que vale a pena observar na trajetória do grupo RBS: em seu rastro poderão ser autopsiadas algumas antigas parceiras do grupo da família Marinho.


Desde o Projeto Beta, os gaúchos acompanham os números dos grandes jornais de São Paulo. Conhecem suas fragilidades, souberam esperar e fazer relacionamentos. Entrar pela porteira do interior paulista, justamente pela segunda maior cidade do estado, é um passo que não permite dúvidas quanto ao estágio de sua estratégia. Autodefinida, há cerca de seis anos, como uma empresa de comunicação multimídia, ela age como tal.


Mesmo dedicados a um modelo conservador de imprensa, se comparados aos gestores dos grandes jornais do maior mercado do país os executivos do grupo RBS são o único sinal de modernidade no setor.

Comentários