Aprendemos muito nestes anos

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins Envelhecer é um ato sublime e corajoso de se admitir que temos recordações, de saber que já vivemos um …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins
Envelhecer é um ato sublime e corajoso de se admitir que temos recordações, de saber que já vivemos um considerável espaço de tempo, que temos coisas para ensinar, muitas para aprender e que, principalmente, o tempo é o tempo, e, no entanto, ele nunca envelhece. Mais ou menos como acontece com a gente. Admitimos que estamos um pouquinho mais envelhecidos por fora, mas, por dentro, se alimenta de novidades e renovações um espírito ávido de juventude. Nem sei exatamente o que gerou esse texto. Se foi ao olhar minha filha dormindo e perceber seu tamanho, ou que ela está entrando na 5ª série, e parece que ontem eu a levava no primeiro dia na creche. Ou se é porque me peguei cantando Cotidiano n.º 2, do mestre Vinícius ("hay dias que no sei lo que me passa, eu abro o meu Neruda e apago o sol), e senti saudades da vivacidade do poeta, poetinha, camarada. Acredito que é uma série de motivos. Não que me sinta velha. Muito pelo contrário. Cada ano que muda a data do meu calendário, encontro-me bem mais disposta do que muita menina. E viva a juventude. Mas o passar dos anos é uma estrada difícil e sábia. Quem consegue cruzá-la e manter-se animado, será eternamente jovem. No currículo, ganhamos experiência para encontrar os atalhos dos segredos de muita coisa, como profissão, sexo, amor, finanças, saúde e manter a juventude interna. Para o externo, sempre existe solução. A medicina é feminina. Ao primeiro sinal de ruga, adquira um pote de Dmae e jamais se esqueça de usá-lo todas as noites. Com o tempo e os enta, torne-se cliente assídua das farmácias de manipulação, que elas têm a última tecnologia em rejuvenescimento externo. Uma dica para quem tem filhos pré-adolescentes e não quer dar atestado de ultrapassado, é aprender um pouco do som que eles curtem. Para dividir momentos de prazer e não usar aquela frase (até pode ser verdadeira, mas cale-se) que nossos pais diziam: a geração de vocês só sabe fazer barulho, isso não é música. Nos últimos dias, é comum me pegar cantando "quando deus te desenhou, ele tava namorando", do Armandinho. No jornalismo, envelhecer tem um lado ruim. Tem sempre alguém que recém saiu da faculdade que fica lhe olhando com um jeito enviesado nas coletivas e pensando: "Por que não tá em casa descansando?". Nem vou lhe responder. Confesso que os lados bons compensam. Ao passar dos enta, o jornalista recorda da loucura de fazer a edição especial da morte do Ayrton Senna; de deixar em compasso de espera, por exemplo, matérias prontas sobre o nosso Mário Quintana e o Mário Henrique Simonsen, no meu caso, que trabalhava na Economia. Só para citar alguns. Exemplos não faltam. E no jornalismo, não é só cultura que é fundamental. Memória também. E a memória não é matéria da faculdade. Embora hoje a Internet seja uma grande facilitadora desse item. A vivência é muito importante. Na semana passada, por exemplo, ao sentar ao lado do repórter Gustavo Azevedo na redação, voltei ao início da década de 70. Ao ver o entusiasmo do colega ao contar a história do estudante que subiu na árvore em frente à Faculdade de Direito da UFRGS para protestar contra o corte, me revi naquele cenário. Claro que, como bom repórter, o colega conseguiu relembrar a história e mostrar para quem não sabia que, naquele tempo, a gente protestava contra o corte de árvores. Maravilhoso rever o filme. Como um brinde, fui fazer uma reportagem sobre a Casa do Estudante da Ufrgs (CEU), como ela funciona, quem pode entrar, informações para o reinício da aulas. Ao pisar naquele prédio da Avenida João Pessoa, onde funciona a CEU, me lembrei de polêmicas que o local abrigou quando eu estava no meio do curso de Jornalismo. Ali, era o ponto de largada de qualquer movimento e concentração, contra tudo e todos. Precisava de alguém que tivesse na CEU na época para contar. E, utilizando a memória e conversas, encontrei a fonte. Arrepiante ser parte da história. As divagações me lembraram o que motivou o texto. Nada tem mais valor como atestado de que envelhecemos do que entrar no elevador, lotado de gente, e o ascensorista perguntar: "Qual é o andar, senhora"? * Márcia Fernanda Peçanha Martins, formada pela PUCRS, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora, assessoria de comunicação e agora está no Correio do Povo. [email protected]

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