Asneira

Por Jandira Feijó "Eu, quando vejo a oposição na TV, penso: eu fazia igual. Eles estão no papel deles. Eu já falei muita asneira …

Por Jandira Feijó

"Eu, quando vejo a oposição na TV, penso: eu fazia igual. Eles estão no papel deles. Eu já falei muita asneira ao longo de campanha". Confissão do Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião de seu conselho político em 6 de maio de 2004.


Descobri, tardiamente, que sou neta da irmã siamesa daquela velhinha de Taubaté, afinal acreditava que este seria um país sério, palavras empenhadas deveriam ser honradas e ainda supunha ser um dos principais papéis da oposição fiscalizar com responsabilidade e ética as ações dos governantes. Pois não é que o surto de sinceridade do nosso presidente abriu meus olhos? Lula reforçou a tese de que esta é a terra do jeitinho; honrar compromissos públicos de fato é fora de moda e de troco, comprovou-me que fazer e estar na oposição é simplesmente a etapa necessária para tomar o poder. Para tanto, vale tudo. Em seu dicionário, oposição é simplesmente dar o contra e, para tanto, vale qualquer asneira e ponto final. Seu comentário numa reunião interna, porém, nos revela que o poder ensinou-lhe que reconhecer um equívoco é suficiente para redimir nossos pecados e, atacado pelo vírus Ricupero, trouxe à tona o lado obscuro de uma personalidade que todos julgavam conhecer. Bastaram a Lula 25 palavras de mea-culpa para lavar suas mãos e o país seguir sua história de tropeços. "Eu, quando vejo a oposição na TV, penso: eu fazia igual". Ou seja, lá com seus botões, Lula deve ter concluído: "Somos todos farinha do mesmo saco; aqueles que detinham o poder da caneta presidencial - e eu acusava de neoliberais, vendidos, mentirosos, corruptos, mal intencionados, agentes de interesses escusos - hoje na oposição, têm o direito de cupinizar, corroer, destruir por destruir, contestar por contestar, reivindicar por reivindicar". "Eles estão no papel deles", argumenta nosso compreensivo, magnânimo e complacente presidente. De fato, talvez não exista ninguém melhor do que ele para definir o papel de oposição. Seu partido, ao longo dos últimos anos, foi criativo, hábil, eficaz, ímpar em condenar, tripudiar, envenenar, gerar nas massas a expectativa de que em um passe de mágica tudo estaria resolvido. Todas as heranças recebidas foram malditas, a todos seus antecessores faltou vontade política, a redenção do povo brasileiro estava nas mãos de um único salvador. Assim, Lula, eleito com o aval de 52.793.364 de brasileiros que acreditavam no seu compromisso com a verdade, chega a 15 meses de governo e nos diz com a maior tranqüilidade: "Eu já falei muita asneira ao longo de campanha". Mas, considerando que, conforme o Aurelião, asneira é uma ação tola, geralmente impensada; babaquice, bobagem, bobeira, besteira, bestice, bestidade, bobice, tolice, dislate, disparate, parvoíce, estupidez, burrice, burrada, burragem, burricada, burriquice, jericada, asnada, asnaria, asneirada, asnice, asnidade - ou ainda, ato ou palavra obscena - temos o dever de perguntar: nas asneiras ditas por ele estavam a promessa de gerar 10 milhões de empregos, dobrar o salário mínimo, acabar com a fome, etc.? É isso que ele agora reconhece? Asneiras teriam sido as críticas irresponsáveis, sem fundamentos, o denuncismo imoral? Asneira é o que ele fez na oposição/campanha ou quem sabe asneiras são as atitudes que adota hoje eleito? Quem sabe daqui a pouco ele não faça uma nova auto-crítica e revele: "E o pior é que eu também disse muita asneira enquanto estava na Presidência". E milhões de brasileiros, nessa visão curta de pacatos-cidadãos pensando pelas mãos de um marketing irresponsável que nossa recente democracia teria tudo para avançar tendo à frente um homem como Lula, brasileiro de origem humilde, sindicalista batalhador, um líder que sempre dizia saber como resolver nossos problemas sociais. Um cara simpático, que poderia ser o nosso vizinho que às vezes convida para um churrasco. O problema é que num país com 33% de nossos irmãos vivendo na miséria, com dez milhões de desempregados, para não citar outras mazelas, não pode dar-se ao luxo de conviver com asneiras. Já não basta a dilapidação do patrimônio público, os juízes lalaus, os empresários nayas, os políticos malufs? É asneira demais, até para uma neta da irmã siamesa daquela velhinha de Taubaté.

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