Audrey Hepburn

Por J. A. Moraes de Oliveira Ficou muito surpreso e um tanto curioso por ela ter aceito o convite para sentar-se à sua mesa …

Por J. A. Moraes de Oliveira

Ficou muito surpreso e um tanto curioso por ela ter aceito o convite para sentar-se à sua mesa e tomar um pouco de vinho. Ela tinha movimentos de um felino, os cabelos presos em um pequeno coque encimando um belo pescoço de cisne. Uma perfeita modelo de Givenchy.


Ela o olhou por cima do copo, com aquele jeito que apenas mulheres de grandes olhos azuis sabem fazer.


Sussurrou, revelando um saboroso sotaque alsaciano:
" - J?aime Paris au mois de Mai."


Mais uma taça de Riesling - e eis o primeiro sorriso:
"- J"aime aussi la musique de Mozart."


***


Na tarde clara, a visão dos olhos azuis e do pescoço de cisne eram a prova de que os sonhos chegam quando menos se espera. Os castanheiros balançavam com a brisa e ali estava ele - na esplanada de um elegante café em um dos mais belos boulevards do mundo.


Mas aquilo era melhor que um sonho. E estava ficando cada vez melhor.


Tirou do bolso os ingressos para o concerto, que havia comprado com seus últimos cheques-viagem. Ela pousou o copo e leu os pequenos bilhets, como se saboreasse ocultas promessas:


"- Salle Gauveau? Orchestre des Champs Elysées? Concerto pour Flûte  et Harpe de W. A. Mozart? Suite de Les Creatures de Promethee?".


A moça de pescoço de cisne sorveu um gole, ergueu os olhos para o céu de primavera e suspirou, como quem afasta um sonho impossível. Com um pretenso ar angelical, perguntou a quem ele convidaria para ouvir Mozart naquela noite.


***


Uma longa fila de carros negros brilhava sob as luzes do Boulevard Haussmann, aguardando para despejar elegantes damas e cavalheiros diante das escadarias de mármore da Salle Gauveau.


As luzes se apagaram, as vozes cessaram e a música de Mozart invadiu a sala. No intervalo, sobressaltado, ele virou-se para a poltrona ao lado. Não havia ninguém ali. Desceu para o foyer, onde casais bebericavam champagne. Tentou lembrar-se do vestido dela - vermelho ou rosa? Absorvido pela música, nem reparara as cores que ela usava.


Que fazer? Seria ridículo procurar na multidão, alguém de quem ele não sabia nome, telefone ou endereço. Haviam se cruzado naquele café e ficaram conversando por horas, sem perguntar os nomes um do outro.


Teria sido assim mesmo, ou estaria divagando de novo? Não seria a primeira vez que ele inventava um personagem em uma cidade estranha para enganar a solidão. Mas as lembranças do dia eram tão reais? O sabor do vinho, o vento nos castanheiros, o toque das mãos no teatro.


Agora mesmo, ela devia estar esperando por ele na platéia. Voltou para o seu lugar, mas o assento ao lado continuava vazio. As luzes se apagaram e a música recomeçou. Deixou-se mais uma vez levar pela magia de Mozart, esquecendo de tudo ao seu redor. Fez um gesto inconsciente, levando a mão até o assento do lado, mas tudo o que tocou foi o macio veludo da poltrona.


***


Nas ruas ainda molhadas de chuva, as pessoas saiam dos teatros em busca dos cafés e restaurantes do quartier. Ele seguiu pelo boulevard, procurando o trajeto que fizera naquela tarde, até encontrar o café da esquina da rue Coquillière com a rue J.J. Rousseau.


Sabendo que estava agindo como um perfeito tolo, entrou no café e vasculhou mesa por mesa. Mas não encontrou nenhuma Audrey Hepburn de olhos azuis.

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