Bertolt Brecht e Bob Dylan

Por Braulio Tavares É um lugar comum da crítica comparar Bob Dylan a Dylan Thomas (por causa do nome) e a Rimbaud (por causa …

Por Braulio Tavares
É um lugar comum da crítica comparar Bob Dylan a Dylan Thomas (por causa do nome) e a Rimbaud (por causa da "persona" rebelde e de alusões diretas feitas por BD).  Menos usual é compará-lo a Bertolt Brecht, mas para quem conhece a obra dos dois é uma comparação inevitável, porque Brecht tornou famosas as canções de suas peças cantando-as ao violão com voz rascante (dizia que tocava violão "pra pegar mulheres"), e há vários pontos de contato entre a poética de ambos.  As canções políticas de Brecht influenciaram o Dylan em sua fase de protesto 1962-64; e em todo o restante da obra dylaniana ecoa a lógica impiedosa, a imageria vívida, os paradoxos cruéis e o lirismo plebeu de BB: machista-charmoso, inflexível, rude, atento ao valor sonoro e visual das palavras, chegando ao abstrato e universal através de imagens concretas e inesquecíveis.
Nas canções políticas, para dar um só exemplo, basta comparar as nove implacáveis estrofes de "A Infanticida Marie Farrar" de Brecht ("Marie Farrar, nascida em abril, menor / de idade, raquítica, sem sinais, órfã / até agora sem antecedentes, afirma / ter matado uma criança, da seguinte maneira:  / diz que, com dois meses de gravidez / visitou uma mulher num subsolo / e recebeu, para abortar, uma injeção / que em nada adiantou, embora doesse. / Os senhores, por favor, não fiquem indignados. / Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados. (?)", tradução de Paulo César de Souza) com as quatro de "The Lonesome Death of Hattie Carroll (tradução minha): "William Zanzinger matou a pobre Hattie Carroll / com uma bengala que floreava em seus dedos com anéis de diamante / numa reunião social num hotel de Boston / e a polícia veio, e tomou-lhe a arma / enquanto o levava sob custódia para a delegacia / e indiciou William Zanzinger por homicídio em primeiro grau; / mas vocês, que filosofam sobre a desgraça, e criticam todos os medos / afastem o lenço do rosto / porque ainda não é hora de chorar". A frieza jornalística do enunciado (transcrevi apenas a estrofe inicial de cada canção); o refrão repetitivo martelado sempre nas linhas finais, e a injustiça social clamorosa dos desfechos correm em paralelo, mostrando com clareza onde Dylan estava bebendo poesia aos 21 anos. (O texto de Brecht: http://bit.ly/yTcrOO. O de Dylan: http://bit.ly/hYWVDV).
Esta tradição de canções crítico-jornalísticas foi mantida por Dylan, com ou sem conotações políticas ou de protesto, em toda sua carreira. Talvez a mais famosa delas seja "Hurricane", sobre o boxeador acusado injustamente de homicídio.  E caberia toda uma tese sobre o efeito de "distanciamento brechtiano" que ele consegue imprimir inclusive em suas canções de amor. 

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