Blecaute na Ilha: o radinho deu um banho

Por Felipe Lenhart Um senhor, na madrugada do domingo, dia 2, confessou a uma emissora de rádio de Florianópolis: “Bons tempos aqueles em que …

Por Felipe Lenhart
Um senhor, na madrugada do domingo, dia 2, confessou a uma emissora de rádio de Florianópolis: "Bons tempos aqueles em que os radinhos de pilha eram o nosso único meio de comunicação confiável". Exagero, claro. Mas foi o rádio, sem dúvida, que manteve a Ilha de Santa Catarina ligada, prestando serviço e informando com competência a população, durante o blecaute de 53 horas que aconteceu na semana passada. E vice-versa, talvez.
Pois a versão oficial para as causas do "apagão" ganhou o mundo no Jornal Nacional: enquanto cinco homens faziam a manutenção dos cabos de energia elétrica que atendem Florianópolis, nas galerias internas da ponte Colombo Salles, o botijão de gás que usavam explodiu, dando início a um incêndio que iria, em pouco tempo, romper os cabos e interromper o abastecimento de luz à Ilha. Três dos homens conseguiram fugir, os outros dois se atiraram ao mar e foram resgatados.
Um outro ouvinte, então, levantou a dúvida: se o procedimento que os funcionários das Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) faziam na quarta-feira, dia 29, era normal, habitual, corriqueiro, por que o explosímetro não foi usado? Sim, o explosímetro, segundo o ouvinte, é o aparelho usado para verificar vazamentos de gás no ambiente antes que chamas ou labaredas sejam acesas. A maquininha não funcionou, não foi usada ou funcionou de maneira incorreta?
E os funcionários que fizeram o serviço: causaram o acidente ou foram vítimas dele? Quem são? Quais são seus nomes? São de uma empresa terceirizada ou treinados pela Celesc?

Nem os radiorrepórteres, que muito viram e descreveram, conseguiram essas respostas. Incansáveis, trabalhando horas a fio, levaram às pessoas, em suas casas ou carros, mergulhadas na penumbra, sem TV ou internet, sem água e às vezes até sem telefone, as informações que envolveram a lengalenga do "volta a luz, não volta a luz" das autoridades. As emissoras também abriram seus microfones e disponibilizaram suas linhas para as pessoas, dos mais variados recantos da cidade, exporem suas dificuldades e angústias, críticas e elogios.
Os jornais aumentaram o corpo das manchetes e, por isso ou não, esgotaram suas tiragens. No dia seguinte ao acidente, as capas alardeavam caos e clima de guerra. Outro exagero. Houve engarrafamentos, semáforos desligados, mas não mortes, brigas ou discussões, tragédias no trânsito. Houve uma grande demanda, no comércio que permaneceu aberto, por água mineral e velas, mas sem saques, quebra-quebras, roubos, destruição. Houve prejuízos por todos os lados, mas ninguém saiu às ruas querendo fazer justiça com as próprias armas. O transporte público funcionou, o clima de feriado foi total. As ocorrências de crime, segundo a Polícia Militar, caíram 40% na primeira noite de escuridão. E os próprios textos das matérias acabavam desmascarando o sensacionalismo das capas: nunca se leu tanto os termos "civilidade", "espírito de cidadania" e "civilização" nos jornais da Capital.

Parêntese: No sábado, dia 1º, outro "apagão" parou a Ilha, por mais algumas horas, e as edições dominicais dos jornais não deram uma linha: elas são fechadas na sexta-feira. Ou melhor: são fechadas na sexta e vendidas no sábado com preços de domingo.
Mas, como nos jornais, nem tudo foi perfeito no rádio também. Nas emissoras, de fato, muitos jornalistas usaram a palavra "caótico" para descrever certas situações cotidianas em qualquer "cidade grande", como filas e congestionamentos. Palavra mal empregada, pois sem abusar muito da filosofia é possível dizer que não houve ausência completa de ordem, nem grandes confusões (como sugere o Aurélio Século XXI). E não faltaram um certo bairrismo e um certo ufanismo da Ilha que o poeta Zininho imortalizou no seu hino, executado várias vezes em algumas estações.
Sem entrar nas discussões políticas em que se envolveram a prefeita, que no fim de tudo chorou, e o governador, que no início de tudo sumiu - ambos disputando, mesmo que uma e outro neguem, espaços na mídia -, a lição do radinho à pilha sensibilizou as pessoas. Os florianopolitanos parecem ter redescoberto, de uma vez por todas, os poderes e encantos do rádio.
* Felipe Lenhart é jornalista. O artigo foi publicado originalmente no site www.comunique-se.com.br.

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