Brancas, jovens e descontentes

Por Geraldo Hasse “Os jornalistas brasileiros são uma categoria profissional predominante feminina, jovem e branca”. Assim começa o livro Perfil do Jornalista Brasileiro (155 …

Por Geraldo Hasse
"Os jornalistas brasileiros são uma categoria profissional predominante feminina, jovem e branca". Assim começa o livro Perfil do Jornalista Brasileiro (155 pag., Insular, Florianópolis, 2013), que se baseia numa pesquisa nacional feita no segundo semestre de 2012 junto a 2.731 profissionais da comunicação social.
Embora a pesquisa seja um trabalho acadêmico realizado por estudantes e professores da Universidade Federal de Santa Catarina, o resultado final é uma obra engajada na análise das profundas mudanças provocadas no mundo do trabalho pela globalização da economia sob os mantras do neoliberalismo. Nunca antes neste país foi feita uma pesquisa tão densa e abrangente sobre a categoria dos comunicadores.
Já na introdução os autores Jacques Mick, jornalista-doutor em sociologia política, e Samuel Pantoja Lima, jornalista e doutor em engenharia de produção, pegam pesado ao lembrar que nos últimos 20 anos "a profissão de jornalista sofreu profundas metamorfoses determinadas por transformações estruturais do capitalismo que reconfiguraram as possibilidades de atuação dos trabalhadores da área de comunicação social".
Para fundamentar seu trabalho de investigação sociológica, Mick e Lima referem-se a três estudos anteriores sobre os jornalistas:
1 - Em 1993, no livro O Mundo dos Jornalistas (Summus, São Paulo), Isabel Siqueira Travancas mostrou que os jornalistas se identificavam tanto com seu ofício em jornais e emissoras de rádio e TV que aceitariam sacrificar outras relações sociais, inclusive a vida familiar, em favor do jornalismo.
2 - Em 2002, Alzira Alves Abreu (A Modernização da Imprensa: 1970-2000, Zahar, Rio) caracterizou a velha guarda jornalística, situada em postos estratégicos da imprensa, como dotada de envolvimento político e ideológico, estando sempre predisposta a agir em função de valores e utopias. Com as mudanças ocorridas a partir dos anos 1970, os jornalistas teriam abandonado o romantismo e a ideologia, passando a reconhecer-se mais como técnicos nas diversas especialidades existentes na profissão.
3 - Em 2008, Virginia Pradelina da Silveira Fonseca, em Indústria de Notícias - Capitalismo e Novas Tecnologias no Jornalismo Contemporâneo (Editora da UFRGS, Porto Alegre), concluiu estar em curso "uma mudança de perfil, de valores, de identidade e de representação do jornalismo e do jornalista na sociedade". As mudanças seriam decorrentes de movimentos de reestruturação social condicionados pelo desenvolvimento das tecnologias e pela expansão do capital.
Uma das evidências dessa metamorfose seria a cristalização de novos conceitos e denominações como:
"jornalista multimídia", apto a exercer várias funções full time em mais de um veículo de comunicação;
"produtor de conteúdo" (em veículos impressos ou digitais);
"assessor de imprensa/gestor de imagem";
"assessor de relações públicas/gestor de crise"; e
"professores de jornalismo", cujo número passou de 1.500 (em 1990) para 6.000 (em 2010).
Ajuda a entender tantas mudanças um fenômeno extraordinário: o número de cursos de Comunicação subiu de 18 até 1970 para 317 até 2010, inundando o mercado com uma massa de profissionais que, além de não encontrar colocação e/ou ter de sujeitar a subempregos ou/e múltiplos contratos, escapam à capacidade de observação dos sindicatos e do ministério do Trabalho. Tanto que não se sabe quantos são os jornalistas brasileiros. Pode-se chutar de 100 mil a 500 mil (veja o lembrete no final).
Segundo a pesquisa, a maioria dos jornalistas brasileiros tem até 30 anos. Apenas 0,4% têm mais de 64 anos. A profissão foi juvenilizada, palavra que poderia ser substituída por expressões referentes à falta de preparo e experiência.
As mulheres são 63,7% do total; 75% são filiados a sindicatos; 60% são solteiros/as; 51% têm religião; 71% são favoráveis à criação de um órgão superior, tipo ordem ou conselho profissional; 49% declaram-se de esquerda; 61% recebem até 5 salários mínimos; 60% dos que trabalham na mídia têm carteira assinada; 27% são free lancers ou têm contratos sem carteira profissional; e 22,8% trabalham em casa.
Atuam fora da mídia, usando o conhecimento jornalístico, 40,3% dos profissionais do ramo.
Apenas 9% trabalham na chamada mídia pública.
Um em cada cinco profissionais da mídia recebe algum tipo de participação nos resultados do trabalho.
Três quartos dos jornalistas têm seu trabalho veiculado total ou parcialmente na Internet.
Por fim, a maioria dos jornalistas pesquisados está satisfeita com o trabalho que faz, mas nem tanto com a remuneração. Os mais insatisfeitos com o salário são as mulheres, que ganham em média menos do que os homens para exercer funções iguais. O descontentamento é maior entre os profissionais com menos de 30 anos.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Formam-se por ano no Brasil 12 mil jornalistas, mas apenas uma parte desse contingente encontra lugar no mercado de trabalho remunerado. Não se sabe ao certo quantos profissionais exercem o ofício. Entre 1980 e 2010, segundo estimativa dos autores da pesquisa acima, foram registrados 145 mil jornalistas no Ministério do Trabalho.

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