Censura Oblíqua

Por Nilson Mello* A Lei de Imprensa (Lei número 5.250/67) estabelece, em seu artigo 27 e incisos, que não constituem abusos no exercício da …

Por Nilson Mello*
A Lei de Imprensa (Lei número 5.250/67) estabelece, em seu artigo 27 e incisos, que não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação, dentre outros, notícias, críticas e comentários sobre os trabalhos legislativos e projetos legislativos; a discussão crítica aos atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes; toda crítica inspirada no interesse público; e ainda a exposição de doutrina e idéias.
Tal dispositivo, como vemos, tem inegável inspiração democrática e encontra-se em harmonia com a Constituição Federal de 1988, razão pela qual a Lei de Imprensa não foi revogada, a despeito de ter sido promulgada em pleno regime militar.
As liberdades públicas protegem o homem contra o Estado e estão presentes desde as primeiras declarações fundamentais do Século XVII. A Liberdade de Imprensa está incluída no conjunto de liberdades públicas e constitui um instrumento indispensável ao Estado Democrático de Direito, pois é por intermédio da atividade jornalística que a sociedade fiscaliza os atos de seus governantes.
A digressão vem à baila por conta da proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, conforme projeto de lei encaminhado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e entusiasticamente encampado pelo governo e por lideranças do PT - os mesmos indivíduos que sempre se disseram contrários ao autoritarismo e que hoje se consideram vítimas do "denuncismo" praticado pelos meios de comunicação.
Ora, a Liberdade de Imprensa não autoriza o jornalismo de má-fé, não ampara a calúnia, a injúria ou a difamação. A Lei de Imprensa prevê penas para todos esses crimes, bem como o direito à indenização (artigo 49 e incisos) para suas vítimas, que têm ainda assegurado o direito de resposta, com previsão inclusive na Constituição (inciso V do artigo quinto).
A preocupação do governo com a atividade jornalística, portanto, é injustificável, assim como seu empenho em enaltecer a proposta de criação do referido Conselho, uma forma oblíqua de censura. A menos que haja motivações indeclináveis por trás da questão. Assessor especial da Presidência, Frei Betto afirma que a "Lei de Imprensa não é suficiente" para coibir abusos e que "não há direito de resposta no Brasil", num flagrante de sua ignorância sobre o assunto - ou dissimulação em prol da aprovação do projeto.
Outras personalidades ligadas ao PT lembraram que a idéia não é do governo, mas da Fenaj. Numa tentativa de dissociar a proposta dos interesses do governo, a própria entidade e alguns sindicatos a ela associados trataram de esclarecer que o projeto de lei é antigo (foi formulado para a Constituinte de 1988) e chegou a ser apresentado em setembro de 2002 ao governo Fernando Henrique Cardoso. Imaginemos qual teria sido a reação do PT (bem como da Fenaj e sindicatos associados) se o governo Fernando Henrique Cardoso - igualmente alvo do olhar fiscalizador dos meios de comunicação - sugerisse à sua base no Congresso que desse trâmite de urgência a uma proposta que, na prática, cerceia a liberdade de imprensa.
Faltou a Fenaj explicar que boa parte de seus sindicatos são ligados à CUT, que por sua vez tem íntimas ligações com o PT. No processo de partidarização que tomou conta da máquina administrativa, os interesses se confundem, para prejuízo da Democracia.
Que o PT e o presidente Lula estão insatisfeitos com trabalho da Imprensa, já sabemos. Paciência. O governo existe para governar; e a imprensa para criticar o que entende estar errado. Foi assim também nos governos de Fernando Henrique,

Itamar, Sarney, Collor? E continuará da mesma forma, desde que não se decida aprovar o referido projeto ao arrepio do parágrafo 2o do art. 220 da Constituição Federal: (à liberdade de imprensa) "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
* Nilson Mello é jornalista e advogado, especialista em análise conjuntural, e diretor da Meta Consultoria e Comunicação.

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