Cobertura Jornalística, Jogos Olímpicos e Pés-Rapados

Por Sérgio Capparelli Os Jogos Olímpicos não são apenas um evento esportivo. Aliás, nunca o foram. Eles eram eventos políticos na Grécia, eles foram …

Por Sérgio Capparelli

Os Jogos Olímpicos não são apenas um evento esportivo . Aliás, nunca o foram. Eles eram eventos políticos na Grécia, eles foram eventos políticos na 11ª Olimpíada, a de 1936, em Berlim, eles foram eventos de propaganda política durante a Guerra Fria ,  tragédia política em Munique e oportunidade política agora em Beijing. Mas ao lado de sua dimensão política , os Jogos Olímpicos são sempre grandes eventos econômicos , que canalizam bilhões de dólares, constituindo também oportunidade para a construção civil , grandes projetos urbanísticos, indústria do turismo , redes globais de televisão , imprensa e publicidade.


Por outro lado , quem organiza um evento como esse convive com todas essas dimensões ao mesmo tempo , de forma mais aguda e por mais tempo . Essa convivência começa muito antes , aliás bem antes de uma cidade ser escolhida para sediar os jogos . Escolhida, os Jogos Olímpicos passam a agir nas bases da sociedade, e Beijing não foge à regra . Não, não é porque o Correio da Manhã de Beijing noticiou na semana passada que 1 milhão de trabalhadores migrantes seriam expulsos da cidade durante os jogos - informação desmentida logo depois - mas porque  a revolução urbanística vai expulsar definitivamente do centro da cidade 4,5 milhões de moradores e acabar visualmente com a pobreza .


A verdade é que boa parte das atividades urbanas de Beijing estão girando em torno das Olimpíadas . Ainda na semana passada , 300 jornalistas foram convidados para ver em que ritmo estão os preparativos , principalmente as instalações esportivas ,  para receber informações sobre a organização da cobertura jornalística durante os jogos e também conhecer um pouco da cidade . Em ocasiões como essa se pode perceber como a vida urbana se entrelaça com a esportiva , desde a construção de linhas especiais de metrô ligando o centro da cidade ao aeroporto à reorganização do sistema viário para acabar com os engarrafamentos . E além disso, há o tratamento paisagístico da cidade , com a nova Ópera de Beijing ao lado da Praça Tiananmen, e a restauração de todos os edifícios públicos - Cidade Proibida , Palácio de Verão , Templo do Céu , Lamaseria Budista . Mas se a cidade estende os braços para o esporte , o esporte também estende os braços para a cidade , inclusive com a previsão da   vinda de 16 mil jornalistas estrangeiros .


Para mostrar alguns aspectos dessas próximas Olimpíadas , especialmente em relação à cobertura jornalística , vamos oferecer alguns cenários do que pode acontecer ou está acontecendo:


1. Visitantes estrangeiros


Beijing recebeu em 2005 cerca de 3,62 milhões de turistas estrangeiros . Pretende receber de 4,6 a 4,8 milhões em 2008. Os visitantes estrangeiros , segundo o vice-diretor do Departamento de Turismo do município , Gu Xiaoyuan, deverão gastar entre   US$ 4,8 bilhões e US$ 4,9 bilhões.


No período das Olimpíadas estão previstos 500 mil visitantes estrangeiros , para assistir aos jogos . Essas pessoas serão acomodadas nos 4.761 hotéis, com 572.500 quartos . Essa infra-estrutura hoteleira é a atual , devendo aumentar até a data dos jogos .


2. Jornalistas estrangeiros


São esperados 16 mil jornalistas estrangeiros para as Olimpíadas . Desse total , 5.600 credenciados. Para se ter uma idéia , os Estados Unidos deverão ter 450 credenciamentos para a imprensa escrita .  Robert Condron, diretor de imprensa do Comitê Olímpico dos Estados Unidos,  afirmou em Beijing que essas 450 credenciais são poucas, diante do número de  pedidos , de três ou quatro vezes esse número . a China, segundo ele , vai ter mais jornalistas credenciados que os Estados Unidos. Mas ele lembra que a China recebeu mais de 15 mil pedidos de credenciais , para um total de 5.600 a serem atendidos.


Durante sua estadia em Beijing, o presidente   e chefe-executivo da Associated Press, Thomas Curley,  deu uma entrevista ao jornal China Daily. Ele disse que sua agência de notícias tem 22 pessoas trabalhando na China, mas esse número passará a 250 durante os jogos .


Ele explica que está nos planos da agência aumentar o número de jornalistas que cobrem o país de forma permanente . Até agora , são 22 jornalistas na sucursal . Logo serão 44. Outros 200 virão especificamente para os Jogos . Terminadas as competições, os jornalistas voltarão aos Estados Unidos, mas aqui permanecerão 44, dobrando o número de jornalistas de forma permanente.


3. Os Voluntários


Tem muito jovem , universitário ou não ,  querendo ver os Jogos Olímpicos . Muitos não têm dinheiro . Outros querem apenas participar dessa febre da abertura do país para o exterior . Em outras palavras , eles querem estar em pontos estratégicos durante as Olimpíadas .


Para esses , os organizadores das Olimpídas de Beijing abriram inscrições para trabalho voluntário . As inscrições no fim de agosto passado estavam em   210 mil , mas o número deve ter sido maior, pois as inscrições fecharam agora .


Cerca de 76%  voluntários inscritos pela internet (52.143 pessoas ) têm idade entre 16 e 25 anos , com as mulheres constituindo 61% do total . Mas nem todos os inscritos serão aceitos, pois existem apenas 70 mil vagas para os Jogos Olímpicos e 30 mil para os Jogos Paraolímpicos.


4. O Que cobrir


Cobrir? Os Jogos , claro . Mas não apenas os Jogos , pois a China é muito mais que isso . E os jornalistas que vieram agora a Beijing, dia 27 de setembro , deixaram essa idéia muito clara . Existe mais interesse de cobrir os jogos pelo fato de existir o gancho da própria China.


Thomas Curley, da AP,  dá o tom sobre o que sua agência pretende cobrir . Ele diz: " Cerca de 40% da cobertura dos Jogos Olímpicos não terá como tema os esportes . Pretendemos cobrir cultura , turismo , restaurantes , como as pessoas vivem, o que pensam dos Jogos . Estamos esperançosos de cobrir muita coisa do setor cultural da vida da China, conhecer melhor o país e conhecer melhor o povo . E este é um momento fascinante porque a China está crescendo muito depressa . Claro , haverá muitas histórias ".


Condron também atribui parte do fascínio pelos jogos olímpicos ao fascínio pela China. " Pela primeira vez vamos ver a verdadeira China. E o povo norte-americano está interessado nesse país . Nesse caso , o maior interesse não é a competição, mais o pais ".


5. Com que liberdade ?


poucos dias , Li Jing Bo, responsável pela mídia dos Jogos Olímpicos , sentiu-se na obrigação de afirmar que durante os Jogos os serviços de Internet não serão censurados.


A entrevista que ele deu foi distribuída por todas as agências de notícias no dia 27 de setembro , inclusive pela Coletiva .Net. Vamos retomar alguns aspectos da liberdade de informar :


- Os jornalistas poderão receber permissão para entrar na China com veículos estrangeiros e poderão solicitar carteira de motorista temporária , do início de janeiro de 2007 a março de 2009;


- Poderão também alugar apartamentos e escritório através de imobiliárias locais ;


- A Assessoria de Imprensa do Comitê Olímpico ajudará jornalistas estrangeiros que queiram entrevistar atletas chineses;


- A mídia internacional poderá instalar seu próprio equipamento de rádio durante os Jogos , entrando no país com isenção de taxas ;


- Jornalistas estrangeiros e empresas de comunicação poderão empregar cidadãos chineses através de agências de empregos ;


-Jornalistas estrangeiros poderão fazer outro tipo de reportagem e não apenas as esportivas.


6. E s em expulsão de moradores?


Sem expulsão de moradores? Sim , sem expulsão de moradores. " Esse boato não tem nenhum sentido ", disse Zhou Jnidong, chefe do Departamento Jurídico do município . Mas ele acrescentou que estão sendo feitos estudos para impedir que pessoas " doentes "  "prejudiquem o interesse público durante os jogos ".


Diferentemente do Brasil, em que um cidadão nordestino pode decidir morar em São Paulo, para tentar conseguir trabalho , na China o nordestino precisaria primeiro conseguir um contrato de trabalho para viver provisoriamente em São Paulo e ser mandado de volta no fim do projeto para o qual foi contratado. Porque , para morar em qualquer cidade na China, é necessário ter um "hukou", ou seja,  uma permissão de residência permanente e o documento que prova essa condição.


O trabalhador migrante, sem o "hukou", portanto , vem trabalhar sozinho . Se ele traz clandestinamente sua família , seu filho não tem escola ou paga muito mais para colocá-lo numa, como se fosse um estrangeiro . Alguém pode dizer : então é fácil , basta comprar um apartamento em Beijing e logo receber um "hukou". Pode, mas o preço do apartamento em Beijing, que é muito caro para o morador da capital chinesa, é muito mais caro para pessoas sem "hukou".


Por outro lado , a notícia publicada pelo Correio da Manhã de Beijing falava numa expulsão temporária dos trabalhadores migrantes. E é isso o que foi desmentido por Zhou Jnidong. Para se ter uma idéia , Beijing tem cerca de 12 milhões de habitantes e mais 4,5 milhões de trabalhadores migrantes que aqui ficam um ano , dois cinco e depois são substituídos por outros trabalhadores migrantes e assim por diante . Eles são 200 milhões em toda a China. Certo , certo , Zhou Jnidong, eles não serão expulsos .


Resolvida a questão das explusões - mas não a do "hukou"-, aparece outra questão , representada por um projeto urbanístico que está mudando Beijing há muitos anos e que se acentuou ainda mais agora , com os Jogos Olímpicos : a construção de 11 cidades satélites , para abrigar 5,7 milhões de pessoas , a maior parte originários do centro da cidade , conforme Chen Gang, diretor da Comissão Municipal de Planificação Urbana do município . O plano diretor de Beijing para 2004-2020, aprovado em janeiro de 2005, requer que as autoridades municipais desenvolvam políticas para diminuir a densidade demográfica, melhorem as condições de vida e melhorem o centro histórico de Beijing.


Com a aproximação dos Jogos , essa política de expulsão de moradores das vilas populares (hutongs) de Beijing vem pegando velocidade . Alguns jornais falam que de 2004 para 2005, desapareceram 500 dos 5.500 hutongs existentes. Essas imensas áreas desapropriadas dão lugar à China moderna , sem ruas estreitas, sem moradores de pijamas nos mercadinhos, sem os jogos de majong no fim da tarde - jogo de peças tradicional chinês, muitas vezes jogado a dinheiro . Tudo isso para tornar a cidade mais charmosa , para outros Jogos , em que também jogam a dinheiro , muito , mas muito dinheiro mesmo !

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