Como será o comércio eletrônico entre... eletrônicos?

Por Rafael Soares, para Coletiva.net

Você que está lendo este artigo e regula mais ou menos com a minha geração (a saber: final dos anos 70, começo dos 80) vai lembrar, com certeza, de um desenho animado chamado Os Jetsons. O tema é o dia a dia de uma família que vive no futuro - ao menos o 'futuro' pensado a partir da ótica do início dos anos 60, quando o seriado foi criado.

Os Jetsons (que, revendo agora, mostram muita coisa que hoje já é realidade: telefones celulares, videochamadas e TVs 3D de tela fina, entre outras) têm uma robô-empregada, chamada Rosie. Rosie se movimenta pela casa fazendo todo tipo de tarefa doméstica, como limpar, arrumar, cozinhar e inclusive, adivinhe? Fazer compras.

Hoje, mais de meio século depois, smartphones e smart TVs são coisas comuns em nosso dia a dia, mas Inteligência Artificial e robótica ainda podem soar um pouco como o futuro dos Jetsons. De qualquer forma, a cada dia vemos uma nova notícia sobre avanços nestes campos e imaginar robôs-assistentes, que fazem compras e nos ajudam nas tarefas do dia a dia, não tem mais nada de ficção.

O que vem despertando minha curiosidade é imaginar como isto se transporta para o cenário do marketing digital. Se hoje vemos chatbots nos auxiliando a fazer reservas e saber mais sobre produtos e assuntos que caem no vestibular, como será quando a minha Rosie conversar diretamente com a sua Rosie - ou com a Rosie das marcas que eu consumo, ou posso vir querer a consumir?

Eles estão entre nós

De aspiradores automáticos àquela vozinha no celular, os robôs fazem já parte de nossa rotina há algum tempo. Cada vez mais temos à disposição algum tipo de aparelho ou sistema para nos auxiliar a realizar tarefas diversas. Nanotecnologia, processamento de linguagem, big data... Tudo amarrado pela computação em nuvem e redes cada vez mais rápidas e estáveis. O mais recente expoente desta onda são os home devices de Amazon, o Echo, e Google, o Google Home.

Conectados à Internet e ativados por comandos de voz, ambos podem informar a previsão do tempo, tocar músicas, ler as principais manchetes do dia, fazer lista de compras e, até, controlar outros smart appliances em sua casa, como lâmpadas e cortinas. Apesar de a Amazon não revelar números exatos da venda de seus aparelhos, estimativas do banco de investimentos Morgan Stanley dão conta de que ao menos 15 a 20 milhões de Amazon Echo já haviam sido comercializados desde o seu lançamento, no final de 2014, até o período de final de 2017 - e, além disso, previam um total de cerca de 10 milhões de novos aparelhos vendidos ao final das festas. Já a britânica Canalys informa que no 1º quarto de 2018 o Google Home, que surgiu no final de 2016 e ainda tem números muito modestos, ultrapassou pela primeira vez a Amazon em unidades vendidas - ou seja, o mercado cresce a passos bem largos.

Botando a mão no bolso

Não é de se surpreender que, vindo de um dos gigantes do comércio eletrônico mundial, o Amazon Echo (e sua interface de interação, Alexa) tenha uma vocação nata para compras - especialmente em seu próprio ambiente, claro. Há uma página no site da Amazon chamada Alexa Voice Shopping, que mostra como conversar com o aparelho e traz exemplos de alguns dos best deals que você pode conseguir ao fazer pedidos diretamente para seu Echo ou outro device operado pela 'moça'.

Como é mais fácil e prático falar do que digitar (alguém discorda?), isto significa que muito em breve começaremos a ver os gráficos de pesquisa e compra online mudarem radicalmente. Se já há mais de duas décadas nos acostumamos a sentar em frente a uma tela ou ao menos olhar para uma, a empresa de pesquisas e consultoria Gartner estima que até o próximo ano 30% das nossas interações com eletrônicos serão através de comandos de voz, já que a tecnologia vem crescendo e melhorando exponencialmente os últimos anos - apesar de ainda causar alguns problemas e situações inusitadas; procure por amazon echo dollhouse e você vai entender (e dar umas risadas, talvez).

Quando li tudo isso, o que me veio à cabeça foi o seguinte: esta tendência pode/vai mudar radicalmente as coisas para o meu lado, como profissional de comunicação e marketing.

"Alexa, procure passagens para São Paulo"

Imagine agora o seguinte: você precisa ou quer viajar e, ao invés de pesquisar em dois, três ou quatro sites (e perder um bom tempinho com isto...), basta virar para o seu robô e dizer destino e data.

O que já vemos hoje de forma incipiente através de chatbots - e já tem gente pra caramba usando, de Facebook, Apple e IBM até nomes mais comuns ao brasileiro, como Itaú, Magazine Luiza e Bradesco - poderá ser potencializado, transformando a pesquisa e intenção de compra em uma negociação entre máquinas. A minha Rosie com a sua Rosie, lembra? Neste caso, com as Rosies das companhias aéreas.

Como será que, dentre as dezenas de possibilidades, o robô vai decidir a melhor opção? Preço, unicamente? Combinação de preço e horário? E aquela tarifa que me dá pontos de milhagem por alguns reais a mais, como entra na disputa? E, do outro lado, como será que o robô da companhia aérea vai reagir? O quanto ele consegue entender da minha pessoa através do meu bot? Será que eu optaria por um preço um pouco maior por um upgrade de categoria? Ou quem sabe um pouco a mais de espaço no assento conforto já resolve?

E isto para dar um exemplo só. Imagine algo como uma commodity - sei lá, um saco de cimento. Importa a marca? Se a data de entrega (sempre um diferencial, imagino) não for fator decisivo, como vão ficar as empresas que não têm o preço mais barato do mercado?

E agora?

O marketing sempre se valeu da emoção humana. Se cria - e destrói - marcas muito além de seus produtos, em si, mas através daquilo que elas nos fazem experimentar e sentir. Isto ajuda a influenciar e definir, muitas vezes, a opção de compra. É o que pesa na balança após termos feito aquilo que podemos (ou temos tempo de fazer) na busca por um produto ou serviço, ação esta que foi potencializada pela web e canais digitais.

Neste cenário de Rosie com Rosie, o que poderá fazer a diferença? É claro que o fator humano ainda vai ser muito importante, mas e se por opção do próprio a decisão for relegada aos algoritmos sem emoção, que apenas acessam, analisam e retornam resultados?

Que valor terão, ainda mais, os dados a serem analisados? Ou o próprio meio onde estas transações se darão? Como será feita a influência, o apelo de compra, aqueles 10% de desconto do remarketing na sua caixa postal?

Obviamente, não tenho as respostas. Alexa, você sabe?

Rafael Soares é jornalista, coordenador de Comunicação e Marketing da DBG, holding de agências de marketing digital em Porto Alegre e São Paulo.

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