CRM: Muito M, algum R, pouco C.

Por Sérgio Szpoganicz * É vero. A coisa anda preta para o lado do CRM, e não é sem razão. Muitos projetos foram concebidos …

Por Sérgio Szpoganicz *
É vero. A coisa anda preta para o lado do CRM, e não é sem razão. Muitos projetos foram concebidos do ponto de vista tecnológico e buscando prioritariamente redução de custos e maior eficiência nas operações de atendimento ao cliente. Menor tempo por contato, maior número de clientes atendidos, menor necessidade de pessoal. Menos custo. É incrível mas existem inúmeras empresas que não perceberam que controle e redução de custos são apenas partes de um quebra-cabeças bem maior. E, principalmente, que não são as mais importantes. O diferencial, o "pulo-do-gato" que gera receita real e duradoura, é um relacionamento saudável com o cliente. É conhecê-lo profundamente e atendê-lo com base nesta "inteligência". Para não perdermos o costume de citar grandes nomes da Administração, vejam o que Jack Welch (ex-CEO da GE) tem a dizer sobre isso: "Nós temos somente duas fontes de vantagem competitiva: 1) a capacidade de aprender mais sobre nossos clientes - mais rápido que nossos concorrentes; 2) a capacidade de transformar esse conhecimento em ações - mais rápido que nossos concorrentes". Somente assim serão garantidos à empresa um relacionamento duradouro com o cliente e, em especial, o lucro.
Algumas iniciativas de CRM mais ambiciosas chegaram a incorporar vendas cruzadas (cross selling) e rentabilização (up-selling), mas quase sempre do ponto de vista de ganhos para a empresa. Praticamente todos nós já recebemos uma ligação totalmente inadequada oferecendo um produto (seguros, cartão de crédito, cursos de inglês, etc.) que não queremos ou já temos ou, pior ainda, já compramos da própria empresa que está ligando. Assim podemos entender o poder de fogo (literalmente!) de um sistema de discagem automático e de um software de telemarketing. Fica parecendo que a satisfação do cliente e o aumento das receitas através de um CLV (Customer Lifetime Value ou Valor Vitalício do Cliente) maior seriam obtidos por tabela, quase que uma decorrência natural da implantação de um sistema informatizado contendo "os dados do cliente".
Investimentos em bancos de dados (um DataWarehouse sofisticadíssimo ou a Caderneta do Sr. Toshiro) permitem que sejam descobertas muitas coisas sobre o cliente: qual o valor de suas últimas contas, que produtos comprou ou que serviços utilizou, como anda o histórico de pagamento, quantas e que tipo de ligações fez para o atendimento ao cliente, sua idade, escolaridade, quantos filhos tem, etc., etc. Uma avalanche de informações a ser usada para segmentar à base de clientes e decidir que tipo de promoções cada grupo "merece". As perguntas muitas vezes são do tipo: será que estes clientes "de baixo valor" devem receber nosso informativo mensal ou o catálogo impresso naquele papel tão caro e cuja postagem custa tanto dinheiro? Que produtos ou serviços podemos vender para Dona Maria, de 51 anos e residente no bairro Moinhos de Vento?
Em muitos casos a gerência do relacionamento com o cliente é feita priorizando o ponto de vista interno (da empresa) e não o do cliente. A pergunta correta não é "quais dos nossos produtos podemos vender para Dona Maria", e sim "que produtos Dona Maria necessita, o que ela valoriza e como podemos obter sua confiança e preferência?". O importante não é saber que sua renda familiar é de R$ 8.000 e que seu marido é um juiz aposentado. O que precisa ser descoberto é que ela é surda e não lhe oferecer um walkman como brinde em compras acima de R$ 500. A abordagem ideal é diametralmente oposta àquela hoje empregada pela maioria das empresas. Será que o cliente "de baixo valor" realmente quer receber o informativo? Existe ali alguma informação relevante para ele? Não seria melhor enviar-lhe notícias por email (um meio mais barato e dinâmico)? Por que não perguntar ao cliente o que ele deseja?
Um relacionamento é na verdade um conjunto de interações, e no caso das empresas estas interações são todos os contatos com o cliente. Na loja, ao telefone, pela internet, no quiosque, por carta, no distribuidor, na revenda, no estande na maior feira da área, na filial de Nova York. O ideal é que seja estabelecido um diálogo, sempre que o cliente assim desejar e/ou permitir. Estes contatos devem gerar inteligência (e não apenas dados) sobre o cliente, estabelecendo uma relação de aprendizado. A empresa aprende sobre o cliente e suas necessidades, seus valores, suas expectativas. E o cliente aprende sobre a empresa, do que ela é capaz, como seus produtos satisfazem suas necessidades, como ela o trata, o quão dedicada à sua satisfação a empresa realmente está. E é justamente por isso que estes contatos são chamados de "momentos de verdade". Quando este diálogo gera confiança e satisfação para ambos os lados (a famosa relação ganha-ganha), o CRM está cumprindo seu papel à risca. É aí que a empresa ganha dinheiro, com um volume de vendas maior para este cliente, através de indicações (o melhor marketing) e com a diluição ao longo do tempo do custo de aquisição (descontos, propaganda, brindes, etc.).
O sistema (a caderneta ou o software de milhões de dólares) e a análise dos dados obtidos são extremamente importantes, mas não são a chave do problema. CRM é fundamentalmente ligado às pessoas. Aos clientes e aos funcionários. A quem compra e a quem vende. A quem reclama e quem atende. A quem toma decisões e age. Os sistemas e os processos internos da empresa são ferramentas que viabilizam, facilitam, aceleram e podem enriquecer o relacionamento empresa-cliente. Mas CRM é acima de tudo estratégia, filosofia e cultura. E estas coisas estão dentro das pessoas e não nas máquinas ou nos relatórios.
É importante que fique claro que não somos contra o aumento da eficiência operacional ou contra o estímulo a um consumo maior por parte do cliente. Muito menos ainda contra a obtenção de informações sobre o cliente. Tudo isto é fundamental para um projeto de CRM completo. O ponto que deve ser ressaltado é que estes "benefícios" precisam ter a contrapartida no lado do cliente, ou do contrário serão soluções de curto prazo e terminarão gerando problemas no futuro. A privacidade, por exemplo, deve ser priorizada e os dados do cliente mantidos em ambiente seguro e utilizados apenas internamente e com a devida aprovação (o Marketing de Permissão). O foco excessivo no valor das ações nas Bolsas e no retorno do investimento dos acionistas muitas vezes causa miopía em relação a quem realmente deve ser priorizado, que claramente é o cliente. Até por que acionistas vêm e vão, compram e vendem empresas buscando o negócio mais lucrativo. O cliente é quem gera a receita que paga salários, que compra equipamentos, que gera crescimento e é o motor da evolução e perpetuação da empresa. Os ingleses e a rainha que nos perdoem, mas o ditado deveria ser "God save the Customer!".
No próximos artigos da série estaremos trazendo alguns cases de empresas que adotaram estratégias de CRM e estão obtendo sucesso. Nem tudo está perdido! O conceito é sólido e aos poucos isto virá a tona. Quem acha que este é mais um modismo passageiro da Administração está enganado. Ele está conosco há décadas, antes mesmo da sigla e do conceito terem sido criados nos anos 90, e estará bem vivo no futuro. Existe sempre alguém que enxerga o poder de tratar bem o cliente e de atendê-lo em suas necessidades e desejos. Agradecemos a todos que escreveram depois do primeiro artigo e continuem mandando suas considerações para [email protected].
* Em co-autoria Flavio Paiva
(www.responsive.com.br)

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