Dando nome aos bois

Por Roberto Schultz Fui criado no besteirol. Meu pai; que já partiu há alguns anos, praticava em casa uma espécie de sátira e nem sabia …

Por Roberto Schultz
Fui criado no  besteirol. Meu pai; que já partiu há alguns anos, praticava em casa uma espécie de sátira e nem sabia disso, pois era um cara de poucos estudos. Mas satirizava situações e, especialmente, debochava de todo mundo. Vizinhos, parentes (os dele e os da minha mãe), colegas.  Era o que se poderia chamar de um  debochado nato, mesmo sem ter  cultura suficiente para isso (precisa?). Estou batendo na casa dos  cinquentinha e quando era adolescente - no final dos Anos 70 - devorava a versão brasileira da Revista  Mad  e, originais do Brasil, o  Casseta Popular e o  Planeta Diário, muito antes desses caras irem parar na Globo e serem o  Casseta e Planeta que nós conhecemos . Detalhe: não existia e-mail e eu escrevia  cartas  (daquelas com papel e selo, lembra?) para o pessoal da  Casseta Popular. Não por acaso, parte desse pessoal "migrou" como roteiristas para o  TV Pirata  já no final dos Anos 80 e inicio dos 90. Que também foi um sucesso. Faço essa retrospectiva porque o humor sempre esteve presente na minha vida, mesmo teoricamente atuando numa profissão (a de "adevogado") onde isso é permitido apenas com restrições. O que me salva desse aparente azedume é que já fui escritor de alguns livros de contos e de um único romance. Mas isso é outra história. O que quero dizer é que, por causa desse humor presente na minha vida, volta e meia elejo alguns  candidatos  nas várias gerações de humoristas que se sucederam desde então. E sou absolutamente chato para rir. Não rio de qualquer coisa. Tanto é assim que de cada dez candidatos do  Prêmio Multishow de Humor, por exemplo, só consigo rir de meio candidato. Mas quando rio, rio até não poder mais. E o pessoal do  Porta dos Fundos é; desde que eles começaram na Internet, o meu candidato preferido (há outros) para rir. Não perco nenhum vídeo daqueles semanais que eles veiculam. Nenhum. São humoristas e comediantes (você sabe qual a diferença?) de primeira, para o meu gosto. Já me ofereci até para enviar umas ideias de roteiros para eles, que educadamente recusaram. E recusaram por excesso de ofertas, sem ler. Ou seja, o meu texto nem chegou a ser avaliado. Que alívio. Pior seria se tivessem recusado as minhas ideias após serem lidas. Contei tudo isso porque os meus ídolos do  Porta dos Fundos lançaram, no dia 27 de setembro último, um vídeo chamado  Financiamento  .
Nele, um político fictício (feito pelo impagável RAFAEL INFANTE, com seu habitual e cínico sorriso), dirige-se nominalmente a várias empresas brasileiras, agradecendo o apoio delas para a sua "candidatura" e prometendo, inclusive, entregar a uma delas obras "sem qualquer licitação". Quando o "discurso" começou no vídeo; mencionando a  Construtora OAS, cheguei a pensar que fosse uma sátira e que eu tivesse compreendido errado, o nome da Empresa. Mas não. Rafael Infante, depois, seguiu desafiando as demais "colaboradoras" a apoia-lo e aí nominando - sem enganos - a  Construtora Andrade Gutierrez, a  Odebrecht, a  Friboi, o  Banco Itaú e, por fim, a  Gerdau.
O nosso bairrismo gaúcho é irritante, eu sempre digo isso a quem quiser ouvir ou ler. Sendo gaúcho, porém, sofro de rara  autocrítica e não me considero bairrista. Mas ainda assim acho que a  Gerdau(que é gaúcha) entrou meio de gaiata nessa lista porque, ao que eu saiba, nunca esteve mencionada em escândalos. A  Friboi  (que não é gaúcha), acho que também nunca esteve. Seja como for, todas essas empresas foram nominalmente mencionadas. E aí chegamos aonde eu queria. O que o  Porta dos Fundos faz, nesse vídeo, não é  Propaganda. Portanto, não está comparando as empresas mencionadas com qualquer outro concorrente delas; cada qual no seu ramo de atividade. Não se trata, portanto, de  Propaganda Comparativa. É humor e crítico. E, sendo crítico, insinua episódios de corrupção ou de influência política, mesmo numa sátira. Ninguém seria  bobinho  de acreditar que o Porta dos Fundos  não esteja correndo, de forma absolutamente calculada, esse risco.  Quem cala consente? E quem reclama é porque o chapéu serviu? Algumas das empresas são até elogiadas, no vídeo?  (e de fato são). Não sei qual foi, dentre essas ou eventuais outras, a estratégia adotada pelo  Porta.  Mas os advogados deles certamente avaliaram isso antes de lançar no  YouTube o vídeo  Financiamento.Porque aquelas são empresas grandes e poderosas. E, sem querer parodiar o filme  O Sexto Sentido(lembram? "eu vejo gente morta.."), eu digo que - ali -  "eu vejo gente processada na Justiça". Não digo que haverá  êxito de quem reclama, o que é diferente. Mas poderá haver processo.
Falemos de  Propaganda, agora. O povo latino (não apenas o brasileiro) é passional demais. O latino quando é traído pela mulher, culpa apenas o amante e não a ambos e muito menos faz sua autocrítica. E é justamente esse povo latino que não está preparado para aquilo que o CONAR, no seu artigo 32, regulamenta como sendo a  Propaganda Comparativa. Porque não está acostumado a ver o concorrente mencionando o seu nome nas peças publicitárias. E acaba virando briga pessoal entre criativos, na disputa por prêmios ou por campanhas. Se nos Estados Unidos a  Coca-Cola e a Pepsi estão acostumadas a, de bom humor e com invejável criatividade,  trolarem  uma a campanha da outra, por aqui a nossa passionalidade não permite isso. Vira declaração de guerra, ataque pessoal. O CONAR diz que a  Propaganda Comparativa somente é permitida em circunstâncias especiais, nas quais o objetivo da propaganda seja o esclarecimento do consumidor. E que seja uma comparação objetiva, com dados comprováveis. Nada de dados subjetivos, de caráter emocional, do tipo "minha geleia é mais doce!". É mais doce? Pois então prove. Por laudos, documentos. A comparação deve ser feita entre produtos similares. Em campanha de automóvel não vale comparar  Gol 1000  com Nissan Pathfinder, pois se destinam a públicos e bolsos diferentes. E vários outros requisitos, mencionados no artigo 32 do CONAR. Afora isso, vira alegação de "concorrência desleal" ou "denegrimento da imagem". Ou "danos  imorais" como me disse, uma vez, um motorista de táxi, querendo dizer "danos  morais". O que o  Porta dos Fundos fez, não é  Propaganda Comparativa. É um vídeo de humor. Que mencionou marcas e empresas conhecidas. E poderosas. E os latinos não estão preparados para ouvir o seu nome a não ser em tom de homenagem, mesmo que ela seja hipócrita. Nem no humor, nem na Propaganda.  "Eu vejo gente processada na Justiça". Tomara que eu esteja errado.

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