De Botequins, Pubs e Bistrôs ? I

Por J.A.Moraes de Oliveira Nunca entendi muito bem o fascínio que os velhos botequins exercem sobre nós, os brasileiros urbanos. Nem o encantamento, quase …

Por J.A.Moraes de Oliveira


Nunca entendi muito bem o fascínio que os velhos botequins exercem sobre nós, os brasileiros urbanos. Nem o encantamento, quase religioso, dos franceses por seus bistrôs. Ou ainda, a mística que faz os britânicos passarem mais tempo em seus pubs do que em casa, com a mulher e os filhos.


E faço ainda uma ressalva: nenhum deles, seja botequim, pub ou bistrô, deve ser considerado como um verdadeiro bar, onde se vai com a idéia básica de consumir a maior quantidade possível de álcool no menor espaço de tempo disponível. Ou mesmo, no requinte dos mais assíduos, tornar-se amigo íntimo do barman ao ponto de lhe confiar alguns segredos de alcova.



Também não se pode dizer que são exatamente restaurantes, onde vamos com a finalidade de repetir o último prato memorável que comemos sem lembrar exatamente onde nem quando. De qualquer forma, o objetivo final de nossa ida ao bar ou ao restaurante, é sair de lá recompensado pelas agruras da vida, quer pela qualidade ou pela quantidade do que nos foi servido. Assim como um tipo de terapia, na base de secos e molhados.



Já essa misteriosa estirpe de botequins, pubs e bistrôs parece ter sido predestinada a exercer um papel especial na vida das pessoas. Lá entramos como em pequenos templos de adoração a nossas conquistas e ao nosso estilo de vida. E ali gastamos um tempo mais do que o razoável, bebendo, conversando ou mastigando alguma coisa que o dono decidiu nos servir - às vezes sem sequer nos consultar. E nos sentimos como naquela aconchegante sala de estar, que gostaríamos de ter em casa.



Freqüentemente, os pubs e bistrôs são dirigidos pelo proprietário e sua família, às vezes pela segunda ou terceira geração. Alguns até exageram no quesito tradição - o "The Albert", em Londres, funciona desde a época vitoriana. Dizem que não fechou nem durante os bombardeios em 1940, apesar do racionamento da cerveja escura. O segredo desses lugares talvez seja por estarem impregnados da memória de milhares de pessoas, que ali passaram as melhores horas de suas vidas.



Quando nos demoramos muito tempo em um bistrô parisiense como o "Le Procope", a partir da segunda garrafa de rouge, o carma do lugar começa a mexer com a imaginação. Um amigo disse que era capaz de jurar que reconheceu Moliére e Victor Hugo sentados em uma das mesas.



Quando os bistrôs começam a ficar famosos e passam a integrar o roteiro dos ônibus de turismo, os freqüentadores habituais mudam de endereço. No caso dos pubs, os discretos ingleses se retiram silenciosamente para a sala dos fundos, para jogarem dardos em paz.



Os fanáticos por botequins, pubs ou bistrôs raramente se preocupam com a decoração ou com o que está sendo preparado na cozinha. Em poucos, existem cardápios impressos - os pratos do dia foram rabiscados a giz no quadro-negro, com uma caligrafia que até o garção tem dificuldades em decifrar.


No "Chez Max", em Paris, o dono vai de mesa em mesa, descrevendo em minuciosos detalhes o prato do dia. Enquanto esperamos que ele chegue à nossa mesa, é possível notar que o piso precisa de reforma urgente, pois mostra o caminho percorrido por gerações de garçons, entre a cozinha e as mesas. No entanto, os clientes parecem não se importar, atraídos pela qualidade da comida e dos belos vinhos provençais. E não reclamam quando o pedido demora uma hora para chegar à mesa.



Alguns de meus melhores amigos desenvolveram ligações afetivas com botequins, pubs e bistrôs, ocupando as mesmas mesas, inverno e verão, conversando com o dono ou com um velho conhecido da mesa ao lado.



Em um botequim carioca que conheci, o dono saúda pelo nome - e em voz alta - os freqüentadores que chegam. Comenta-se que ele guarda recados para os que chegam atrasados e que até inventa convincentes álibis para os mais chegados da casa. Certa vez participei de um encontro de trabalho em um tradicional botequim no centro do Rio, pois me convenceram que lá seria mais fácil reunir as pessoas com quem eu precisava falar.



Ao longo dos anos e de muitas viagens, fiz uma razoável lista dos meus botequins, pubs e bistrôs favoritos. E, uma segunda, daqueles que eu gostaria de conhecer. Mas não está sendo fácil. É preciso rever as listas a cada três meses, pois algumas casas simplesmente desaparecem, outras mudam de dono, perdendo a antiga personalidade. Além de tudo, comecei a ter problemas quando a segunda lista (daqueles que eu gostaria de conhecer) começou a crescer mais do que a primeira (dos que eu já conheço).



Sustento uma teoria muito pessoal, de que os botequins, os pubs e os bistrôs não viajam bem e não conseguem sobreviver muito tempo longe dos lugares onde nasceram e ficaram famosos. No entanto, alguns bons amigos, que os freqüentam diariamente, vêm tentando - com um certo sucesso -  desmoralizar minha teoria.



Em um certo dia me dizem que eu não posso deixar de conhecer em Lisboa um autêntico botequim português, o "Botequim do Rei", nos altos do Parque Eduardo VII. No outro, me advertem que o melhor pub das ilhas britânicas não se encontra em Londres, mas em uma certa esquina de Edinburgo.



Na semana passada, um viajante amigo mandou recado urgente, onde informava que o antigo "Le Petit Coin" reabriu em Lion e que está melhor do que os bistrôs que lhe indiquei em Paris. Como não consigo conferir pessoalmente as atualizações, passei a revisar cuidadosamente minha lista, antes de recomendar com entusiasmo um distante pub ou bistrô.



Eu costumava enviar os amigos que viajavam a Londres a um dos mais antigos e charmosos pubs em Chelsea, o "Queen"s Elm". Reza a lenda que Winston Churchill bebia cerveja irlandesa no balcão de carvalho e que, em um passado distante, teria abrigado a Rainha Elizabeth I durante uma tempestade.



Da última vez, os amigos ligaram às gargalhadas, sugerindo que eu retirasse da lista o "Queen"s Elm". No seu endereço, disseram, funciona agora uma nova e reluzente loja da Blockbuster.

Comentários