De Botequins, Pubs e Bistrôs ? II

Por J.A.Moraes de Oliveira Freqüentemente os amigos me perguntam como diferenciar um autêntico botequim, pub ou bistrô, de um bar ou de um restaurante. …

Por J.A.Moraes de Oliveira

Freqüentemente os amigos me perguntam como diferenciar um autêntico botequim, pub ou bistrô, de um bar ou de um restaurante. Eu costumo esclarecer que não se trata de uma tarefa de amadores, já que demanda uma boa dose de dedicação e alguns anos de pesquisa. Existem hábeis encenações, montadas para nos iludir, fazendo com que autênticos botequins, pubs ou bistrôs sejam confundidos com meros bares ou restaurantes.


Em São Paulo, é conhecido o caso clássico de um bistrô parisiense muito bem disfarçado de restaurante francês. É o veterano "La Casserole", no Largo do Arouche, que há 50 anos funciona como se fosse um restaurante, embora exiba todas as idiossincrasias de um verdadeiro bistrô, encravado em uma ruela de Paris, inclusive com um conveniente marché de fleurs bem em frente.


Um amigo e freqüentador antigo do lugar aponta disfarçadamente os lambris de madeira e diz, com uma certa maldade, que não foram encerados desde quando Paul Bocuse jantou lá, em 1990. Mas o meu amigo continua almoçando lá todas as sextas-feiras.


Algo parecido acontece no Rio de Janeiro, onde alguns excelentes botequins estão disfarçados de restaurantes. Servem comida, mas na verdade são um ponto de encontro para uma irmandade de pessoas que sabem exatamente o que esperar da vida. Certa vez, precisei falar com um colega de trabalho em um sábado à tarde. Fui aconselhado a desistir de procurá-lo em casa e ir diretamente até o "Alvaro"s", no Leblon. Deu certo - ele estava lá desde as 11 da manhã.


Duvido muito que meus amigos cariocas, que vão quase todos os dias ao Bracarense, ao Lamas ou ao antigo Bismarck, se sentissem em casa em um autêntico pub inglês. Para começar, não gostariam de se levantar de 15 em 15 minutos para ir buscar uma nova dose de cerveja no balcão. Depois, iriam vaiar o jogo de "rugby" na televisão e exigiriam um jogo do Flamengo. E, ainda, iriam criar caso com o dono do pub quando tentassem pendurar a conta.


Raros são os botequins cariocas que se deram bem em São Paulo. A filial do "Manuel e Joaquim" durou apenas alguns meses em Moema. Meu amigo Carlos Eduardo, um colecionador inveterado de botequins, me garantiu que o chopp não tinha o mesmo gosto da casa original e que os freqüentadores passavam o tempo olhando o relógio - atitude inaceitável em um botequim que se preze.


Em contrapartida, lembro que um autêntico pub irlandês sobreviveu por 20 anos no Rio de Janeiro: o antigo "Lord Jim", na Paul Redfern. Um caso memorável - era procurado até mesmo por marinheiros ingleses dos navios de Sua Majestade de passagem pelo Rio.


Até mesmo Porto Alegre, de escassa tradição no gênero, soube manter, durante dezenas de anos, uma preciosidade - o "Bar Hubertus", que, mesmo chamado de bar, não passava de um bistrô germânico - se é que existe isso.


A memória gastronômica de minha geração ainda aguarda com certa esperança algo que substitua aquelas almôndegas úmidas e aqueles incríveis sanduíches de lombo de porco, cobertos com salada russa.


Algum tempo atrás, me dei o trabalho de investigar os antigos pubs de New York, deixados na esteira dos sedentos imigrantes irlandeses. Mas é preciso um certo cuidado - lá existem incontáveis taverns e os inns, que um menos avisado poderia confundir com pubs. A minha lista de pubs novaiorquinos é modesta: o "Peculier Pub", que serve mais de 300 tipos de cerveja, o "Corner Pub", freqüentado pelo Tony Bourdain, e o "Old Town", um pub 100% irlandês, datado de 1892. Este tem um grave senão - é freqüentado por executivos da próxima Madison Avenue, que discutem negócios o tempo todo.


Um dos mais charmosos e agradáveis pubs na cidade poderia ser o "Bull & Bear", nos fundos do Waldorf Astoria e que data da época da lei seca. Mas é preciso reservar mesa e usar paletó - o que o retira sumariamente da lista dos verdadeiros bistrôs-fora-de-casa.


Já se tentou exaustivamente fazer com que uma filial de um botequim ou bistrô reproduza o que de melhor consagrou sua matriz. Ainda está por acontecer a notícia de um novo bistrô no Le Marais, ou de um recém inaugurado pub em Convent Garden.


Em um novo bistrô ou botequim, não teríamos como fugir das inevitáveis modernidades, como simpáticos jovens, com longos aventais pretos e gel nos cabelos, tratando os clientes com falsa intimidade e anotando penosamente cada pedido. E, o mais grave, estaríamos privados da pátina deixada por milhares de traseiros e cotovelos dos que nos precederam naquelas cadeiras e mesas.


Fico com a minha teoria para o mistério dos botequins, pubs e bistrôs: eles não pertencem ao momento em que vivemos, mas de alguma forma são a parte física da memória de um bairro ou de uma rua. Quando ali entramos, passamos a fazer parte do passado daquele lugar.


Mas a tese não esclarece a dúvida - o que existe em um botequim, pub ou bistrô que nos atrai de forma quase hipnótica? Será porque buscamos alguém perdido nos desencontros da vida que se foi? Ou simplesmente precisamos de uma concha que nos proteja das agruras do mundo lá fora?

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