De Jacarandás e Eucaliptos

Por J.A.Moraes de Oliveira* Em minhas lembranças de infância, o tempo era marcado pelas festividades religiosas que quebravam a rotina dos dias e semanas, …

Por J.A.Moraes de Oliveira*
Em minhas lembranças de infância, o tempo era marcado pelas festividades religiosas que quebravam a rotina dos dias e semanas, como a festa do Divino, com suas bandeiras enfeitadas, que iam de casa em casa, pela grande procissão de Sexta-feira Santa e - finalmente - pelas férias na fazenda de meus avós.
Ocasionalmente, as estações do ano também contavam a passagem do tempo. Quando minha mãe me chamava para mostrar a floração dos jacarandás da nossa rua, eu sabia que havia chegado novembro, o mês de meu aniversário.
Caminhando sobre o tapete de flores roxas que tingiam as calçadas de ardósia, eu sonhava com o encantamento da viagem no vapor que fazia a travessia da Lagoa dos Patos em direção a Pedras Brancas.
As férias na fazenda se pareciam como um longíssimo verão de muitos meses, onde tudo demorava a acontecer. Não havia calendário na casa dos avós, somente dois relógios, um carrilhão na sala de visitas e o relógio de bolso do meu avô, preso por uma corrente de ouro na casa do colete.
As semanas eram sempre iguais, sem sábados ou domingos. Cada novo dia era marcado pelo despertar com a água fria da bacia de porcelana e pela chegada da noite, hora de recolher o gado e acender os candieiros de querosene.
Meu avô controlava tudo na fazenda, despachando os peões para as lides do campo, marcando dia e hora para a doma dos cavalos, tosa das ovelhas, pastoreio do gado ou para os cuidados com as plantações. Ele se postava ereto na frente da casa, olhando demoradamente para o cume do Cerro Pelado, antecipando chuva, sol forte ou frio. Conhecia a direção dos ventos, observando as agulhas dos grandes eucaliptos alinhados da casa até a porteira.
Percebendo meu encantamento de guri da cidade, ele parecia sentir prazer em exibir as coisas do campo e das matas. Mandou reservar um tordilho manso, instruindo os peões para ajudarem nas minhas primeiras tentativas de montar. Eu logo me aventuraria em largos passeios na frente da casa e pela várzea próxima. Minha mãe acompanhava minhas audácias, torcendo as mãos, mas sem coragem de interferir nos planos do avô.
Passado algum tempo, comecei a invejar os tios que galopavam pelo campo, ajudando os peões com os rebanhos. Usavam arreios enfeitados, pelegos vermelhos e faziam um grande alarido chamando os cachorros, sob o olhar de reprovação de minha avó, eternamente presente na janela da cozinha.
Minha hora de participar daquele mundo de adultos surgiu em um domingo de sol fraco e céu imensamente azul, quando meu avô, com um sorriso maroto, declarou que eu poderia acompanhar a cavalo minha mãe e minha irmã em seu passeio dominical de charrete até a vila próxima.
Fiquei ainda mais encantado quando um peão surgiu com os arreios ajezados de prata de meu avô, ciosamente guardados debaixo de sua cama. Canhestramente montei o tordilho e segui a charrete, troteando em direção à porteira da fazenda. Do alto dos meus 12 anos, saboreei gostosamente aquele momento diante do grupo de primos, tias e peões, reunidos no terreiro em frente à casa grande.
A estradinha que levava da casa até a porteira era orlada por um renque de quase cem grandes eucaliptos, plantados 30 anos antes pelo falecido tio César. Era uma das muitas estórias que minha mãe contava nas demoradas viagens entre Porto Alegre e a fazenda. O tio César era o filho primogênito de meus avós e havia falecido prematuramente, abatido pela tuberculose. Quando sentiu-se muito doente, cavalgou de madrugada até o hospital da cidade mais próxima. Neste ponto da narrativa, minha mãe baixava a voz e, quase num sussurro, contava que o tio César fora encontrado caido junto ao cavalo perto do riacho do Passo Grande. Foi sepultado no cemitério de Tapes, mas meus avós nunca o visitaram, mesmo no dia de Finados. Mas sempre que se percorria a longa linha de eucaliptos, o nome do "falecido César" era mencionado com quase reverência.
O medo da tuberculose viveu por muito tempo na família e faria outra vítima alguns anos depois - o tio Nésio, muito magro, sempre com um cigarro de palha de cheiro acre, que de longe denunciava sua chegada.
Mesmo adolescente, nos úmidos invernos de Porto Alegre eu continuava a ser vigiado de perto por minha mãe. E a cada sinal de tosse ou resfriado, era imediatamente levado para a cama e rodeado pelos cuidados extremos de minha mãe e de minhas tias.
Enquanto a lembrança do tio Cesar aos poucos se esvaia, exorcizada pelos ventos nos altos eucaliptos, o fantasma do tio Nésio ainda me acompanharia por muito tempo.
* J.A.Moraes de Oliveira é jornalista e publicitário.
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