De olhos bem abertos: vem aí o "tratoraço"

Por Belmiro Ribeiro da Silva Neto Que ninguém se espante com a insólita manifestação que tem previsão de tomar a Esplanada dos Ministérios na …

Por Belmiro Ribeiro da Silva Neto

Que ninguém se espante com a insólita manifestação que tem previsão de tomar a Esplanada dos Ministérios na próxima semana, mais precisamente, no dia 28 de junho. É o "tratoraço", um comboio que pretende reunir milhares de tratores, caminhões e produtores rurais que, neste momento, já estão marchando rumo a Brasília para, então, realizarem o seu protesto. Não é um evento original, mas sempre que ocorre costuma ter um grande impacto sobre o governo e a opinião pública.


Pelo que percebo o protesto é válido. Os produtores foram severamente afetados pela falta de chuvas e seus custos de produção, notadamente dos insumos, cresceram mais que a inflação e, para o golpe de graça, os preços de seus produtos caíram devido à valorização do real em relação ao dólar. Há dívidas a pagar e esta é uma das formas tradicionais que os produtores conhecem para pressionar por socorro. 


O governo se defende culpando o câmbio e repete um sermão requentado de que é preciso reduzir ainda mais os custos de produção. Os líderes do movimento colocam a culpa na ganância do setor de insumos, que culpa a alta carga tributária e esta corrente de mazelas, como um bumerangue, volta ao colo do governo que não reduz a carga tributária, que não faz acontecer o seguro rural e a renegociação da dívida, e tantas outras providências aparentemente lógicas e necessárias.


Será necessário tudo isso para que um dos setores mais significativos da economia brasileira faça a sua voz ecoar?  O "tratoraço" tem como objetivo chamar a atenção do governo para os problemas da agropecuária, ou agronegócio, que nos últimos anos, alçou o Brasil ao posto de terceiro maior exportador agrícola do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da União Européia. É este o setor que responde por 34% do PIB e 37% dos empregos no País hoje. O saldo positivo da balança comercial brasileira é fruto, primordialmente, da exportação de produtos agrícolas, que em 2004, chegou à marca de 39 bilhões de dólares.


E é importante destacar que a maior parte desse progresso foi conseguida graças ao empenho do próprio produtor. De acordo com a Agência Safras, de 21/06/2005, um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado  recentemente, aponta o Brasil como um dos países que menos concede subsídios à agricultura. Segundo o estudo, o Suporte Total ao Produtor no Brasil equivale a 3% do Valor Bruto da Produção, enquanto na União Européia chega a 34%, nos Estados Unidos 17%, e no Japão 58%.


Antes mesmo de chegar à Esplanada dos Ministérios, o "tratoraço" já produz seus efeitos, o movimento desperta a atenção e desafia a capacidade de trabalho de quem atua na comunicação há tanto tempo, como eu. No dia 30 de maio, a Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMR&A), reuniu jornalistas e publicitários para apresentar os resultados da Pesquisa Comportamental e Hábitos da Mídia do Produtor Rural Brasileiro. E é a percepção do "tratoraço" que me faz parar para analisar importantes dados dessa pesquisa.


A quarta edição do estudo da entidade trouxe à tona informações valiosas. Começo destacando a resposta à pergunta: a opinião pública urbana valoriza o agronegócio brasileiro? Por mais impensável que possa parecer, 53% dos 2.428 produtores rurais que responderam o questionário, entre janeiro e março deste ano, disseram que não. E logo em seguida, 79% dos entrevistados afirmaram que, sim, falta comunicação para melhorar a imagem do agronegócio brasileiro.


Se esta percepção da maioria dos produtores está correta - e creio que está - então, estamos diante de um universo repleto de oportunidades de trabalho para publicitários, jornalistas e agências de comunicação. A própria área de comunicação está diante de um grande desafio: produzir e divulgar informação de qualidade sobre o agronegócio brasileiro com vistas a realinhar a percepção da opinião pública às realidades positivas do setor, que são muitas e o colocam como um dos mais representativos da nossa economia.


Isso pode significar então a abertura da temporada de construção da imagem de um setor. Isso vai exigir que os profissionais pesquisem, estudem e mergulhem na realidade do interior do País. Será preciso investigar os heróis e vilões que geram a necessidade dos "tratoraços". Muita informação precisará ser gerada sobre a cadeia produtiva, sua relação com os conceitos de bem estar social, de sanidade, de direitos das minorias, de globalização e de sustentabilidade ambiental e econômica.


E, olhe, a pesquisa da ABMR&A nos revela um outro dado importante. Diferente do que alguns possam imaginar, os produtores brasileiros de hoje constituem um público bem informado que valoriza a informação e a inovação tecnológica. Hoje, 97% dos produtores rurais assistem à TV; 85% recebem informações dos folhetos de insumos agrícolas; 75% dos pesquisados escutam o rádio, 47% lêem revistas e jornais agropecuários e 44% lêem o jornal diário. É, portanto, um setor esclarecido que gostaria de ser mais valorizado pela sociedade.


E, como entender a pouca importância dada pela opinião pública ao setor? Só pode ser porque há desconhecimento sobre essa realidade positiva. Porque os elementos pelos quais é percebido pela sociedade não são suficientes e precisam ser revistos. Se assim for, então, o setor precisa criar uma nova identidade à altura de sua importância social e econômica. Precisa divulgar o que tem de melhor através de suas instituições, marcas, discursos, declarações públicas e criar uma visão única, que imprima coerência a todas as comunicações que emite para a opinião pública. Precisa de ajuda de profissionais de comunicação. É esse o caminho para se criar imagem e reputação positiva, com força superior a qualquer "tratoraço" jamais realizado em Brasília. 

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