De que são feitos os brasileiros?

Por Adriano Martins Costa Brasileiros já nascem chutando e gritando gol. Quando aprendem a falar, depois do papai e mamãe, a primeira palavra que …

Por Adriano Martins Costa

Brasileiros já nascem chutando e gritando gol. Quando aprendem a falar, depois do papai e mamãe, a primeira palavra que aprendem é bola. Seu primeiro presente é justamente uma redonda, e antes mesmo de aprender a andar, o garoto já sabe dar um bicudo na pelota. Seus primeiros passos são atrás de uma bola, sua primeira paixão é uma bola. Sua primeira incursão pelo esporte é no futebol.


A principal preocupação na primeira infância não é sobre o que eu vou ser quando crescer, mas para que time vou torcer, o Flamengo do papai ou o Vasco da mamãe, e ainda tem aquele avô palpiteiro, que não quer que o neto sofra o mesmo destino de seu progenitor, ou o tio corintiano fanático que quer converter todo mundo. São grandes as aflições de um garoto. Mas definido seu futuro futebolístico, ou em parte, começa uma relação de amor que vai durar a vida toda. Brasileiro pode trocar de religião, de esposa, de emprego e até de sexo, mas nunca de time.


Nos primeiros anos de escola o garoto vai descobrir a que destino vai seguir: se tornar um artilheiro, um zagueiro, um goleiro ou técnico. De primeiro impulso todos querem ser artilheiros, mas a sapientíssima bola sabe dosar bem a gama de craques que lhe tocam e os vai colocando nos seus devidos lugares. Após as referidas escolhas o garoto chega à adolescência cônscio de sua importância para a nação futebolística.
Sendo um artilheiro, o rapaz terá pela frente uma vida cheia de glamour, tragédias e muitas alegrias. No Brasil ser artilheiro é sinônimo se ser rei. É você comandar um coral com milhões de vozes que se levantam no momento em que a bola é lançada no centro do campo, vai crescendo o tom à medida que se aproxima da grande área, tem um maravilhoso anticlímax quando chega à pequena, um corte em "uh" menor no momento em que o goleiro espalma de volta o chute certeiro, mas sem a sorte de entrar, e uma explosão em um grande "gol" maior no momento em que ela volta aos seus pés e sem ângulo, mas com a total maestria de um Mozart, ele detona a última nota dentro das redes.


Ser zagueiro é ser o carrasco do artilheiro. É ser o anti-herói da história. É tentar impedir o que todos querem ver: gol. É você ter que se acostumar a uma vida de truculência, ainda que você seja sensível. Você tem que ser o destruidor de obras de arte, não ter pena de ninguém, e xingar sempre a mãe do juiz.


Agora ser goleiro é viver na linha tênue entre o céu e o inferno. Você simplesmente tem que ser perfeito, e nada mais. Não existe goleiro que seja mais ou menos bom, você simplesmente é bom. Ou então não deveria ser goleiro. Pegar um pênalti em uma decisão não fará de você um herói eterno, serão apenas momentos de glória finitos, mas levar um frango nessa mesma decisão acabará com sua carreira para sempre. Ser goleiro é viver acima do bem e do mal. É ser o mais aplicado. O único que não vai às baladas nas vésperas dos jogos. É ser aplicado e inerrante.


Caso vire técnico ele será um entre 170 milhões. Pode até ser, mas um número insignificante em meio à miríade de entusiastas, mas não é. São esses que realmente fazem o País-Bola, são os responsáveis pelo nascimento e pela glorificação das outras classes. Sem estes não haveria futebol no Brasil, não haveria futebolistas no Brasil. Aqui vão os pais que quando vêm seu filho nascer profetizam logo sobre a vida do rapaz:
- Este vai ser jogador de futebol, e dos bons.
São os que lotam os estádios gritando, xingando, impulsionando e aplaudindo seu time (e até mesmo o adversário, pois para brasileiro o que importa é o espetáculo, ainda que seu time perca). São os que se reúnem aos milhares nas praças e comemoram aquele título que não vinha há anos. São os que vêem um craque antes mesmo que o treinador da equipe, e esfuziantemente gritam seu nome até que sua reivindicação seja atendida. São os que choram, e sorriem. São os Brasileiros.


Mas voltando a pergunta do título, de que são feitos os brasileiros? Brasileiros são seres mágicos, nascidos da bola e que um dia à bola retornarão. E essa união acontece no momento em que seu time entra em campo e todos se tornam uma única pessoa com a redonda partindo de um lado para o outro.


*Adriano Martins Costa é jornalista. O texto foi publicado originalmente no site www.communique-se.com.br

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