De sanduíche, de bordéis e de TV

Por Mario de Almeida* Em “Sampa”, quando Caetano Veloso confessa que alguma coisa acontece no seu coração, quando cruza a Ipiranga com a Avenida …

Por Mario de Almeida*
Em "Sampa", quando Caetano Veloso confessa que alguma coisa acontece no seu coração, quando cruza a Ipiranga com a Avenida São João, ele se refere à calçada, na Ipiranga, defronte ao bar Jeca que, nos anos 40, transformou-se num ponto de encontro do pessoal de teatro.
Bem perto, havia o Restaurante Paratodos, onde a turma do palco e bastidores gozava de 10% de desconto. E a menos de 500 metros, na mesma época, no Largo Paisandu, no Ponto Chic, nascia o nacionalmente apreciado Bauru, o sanduíche batizado com o apelido de seu criador, um maquinista de teatro natural daquela cidade.
Além de ser o ponto de baldeação da Estrada de Ferro Paulista para Marília e outras cidades, a grande referência de Bauru era o puteiro da Enyr, se não me engano, que durante décadas disputou com a Mônica, de Porto Alegre, o título do bordel mais famoso do Brasil. Se troquei o nome da cafetina de Bauru, o Eliziario Goulart Rocha está aqui mesmo, em Coletiva, para me corrigir. Afinal, ele é autor do "Silêncio no Bordel de Tia Chininha" e, como tal, especialista no assunto.
Com o advento da TV em São Paulo - Tupi e Paulista - e do cinema - Maristela e Vera Cruz - mais gente começou a assinar o ponto, depois das 11 da noite, naquela esquina consagrada por Caetano muito tempo depois. E foi lá, numa noite de quarta-feira, início dos anos 50, que Fábio Sabag, ao me ver, veio apontando o dedo para mim quase gritando:
- Mario, você é a minha salvação!
Resumo: sábado, à tarde, na TV Paulista, Sabag produzia e dirigia um teleteatro infantil. Um ator que iria trabalhar naquele sábado teve que desistir e lá estava eu, suando em bicas, debaixo dos refletores, fantasiado de rei não sei mais em que contexto. Na segunda seguinte, ao entrar num bonde fechado, conhecido como "Camarão" (devido à sua cor), um garoto começou a gritar, apontando para mim:
- Olha o rei, olha o rei!!!
Descobri, de imediato, que quem aparece na telinha não pode viajar em transporte coletivo.
Depois, Sabag foi para o Rio e começou a produzir, na TV Tupi, o Vesperal Trol que ele dirigia ou entregava a direção a amigos. Eu, já morando em Porto Alegre, quando tinha que passar mais de uma semana no Rio, ganhava uma direção e um bom cachê.
Sabag deve ter uma prateleira só para os prêmios acumulados pelo Vesperal Trol no decorrer dos anos, programa imperdível, nas tardes de domingo, para a criançada da época. No elenco permanente, a grande Zilka Salaberry que se consagrou, anos depois, como Dona Benta, no Sítio do Picapau Amarelo, o múltiplo Othon Bastos, o gaúcho Paulo Padilha, Maria Helena Dias, Roberto de Cleto, Germano Filho e muitos outros.
Semanas atrás, ao publicar aqui que não gostava de colunistas que escreviam crônicas referindo-se a personagens ou situações de telenovelas ou programas de TV, as quais eu e mais da metade do universo de telespectadores não vêem, ganhei um e-mail e dois telefonemas perguntando o que eu tinha contra a televisão, apesar de haver escrito que não tinha nada contra o veículo.
E não tenho mesmo nada contra, absolutamente nada. Tenho, pelo contrário, muitas coisas a favor. Assisto, nos canais da TV aberta, a muitos programas de esporte ao vivo. Não assisto a telejornais, pois não tenho um mordomo para reeditar apenas os assuntos que me interessam, coisa que a gente faz todos os dias nos jornais e revistas impressos e/ou digitais.
De resto, para encerrar o assunto, na Fundação Roberto Marinho, fui responsável por mais de 100 programas sobre profissões de nível médio. Eu era o Diretor Geral de "Globo Profissões". E guardo a grande alegria de haver pertencido à equipe que implantou, Brasil adentro, os telecursos.
Nem por isso deixei de ter meus próprios critérios de auto-programação e não censuro ninguém pelo que vê ou deixa de ver.
Apenas estou me programando melhor e deixei de ler alguns colunistas.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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