Dezesseis anos depois...

Por Julio Ribeiro para Coletiva.net

Em 2002, escrevi uma série de três artigos no jornal Press & Advertising, que causou desconforto, irritação e até a raiva de alguns publicitários. Teve gente que passou alguns anos sem falar comigo.

O "hebdomadário" era distribuído, todas as segundas-feiras, logo cedinho, em todas as agências de propaganda, anunciantes e veículos de comunicação de Porto Alegre. O José Luiz Prévidi era o editor do jornal, produzido em papel chamois, todo em cores, uma beleza.

De que tratavam esses três artigos, que tanta reação provocaram? Tratavam do famigerado BV - Bônus de Veiculação, pago pelos grandes grupos de comunicação para que as agências concentrassem nos seus veículos, os investimentos de seus clientes.

O BV já existia havia muito tempo, mas naquele início dos anos 2000, assumiu contornos que apontavam para o esboroamento das relações comerciais no trade publicitário. De um mero "bônus" ele passava a ser a principal receita de algumas agências e fator de aliciamento no mercado.

Tudo começou com alguns, hoje, afamados publicitários nacionais, que, para conquistarem contas, começaram a devolver para os anunciantes parte da comissão de 20% sobre a mídia. Colocaram o mal na cabeça dos clientes. Os tais 20% eram quase sagrados e, com raríssimas exceções, eram pagos sem questionamento, eram ponto pacífico nos contratos entre agências e anunciantes. Mas aí alguns desses donos de agências "arrojados" se acharam mais espertos que todo mundo e jogaram a sementinha do mal na mente dos anunciantes. Aí, os 20% passaram a ser 17%, depois 15%, 12%.....10% e a coisa ia se deteriorando rapidamente.

Claro que os "espertos locais" copiaram a ideia e, também, começaram a fazer leilões no mercado publicitário gaúcho.

Em 2002, quando eu escrevi os tais três artigos, a situação já começava a ficar dramática. E, então, alinhei alguns dos motivos pelos quais a prática ostensiva do BV iria acabar com as agências, com os veículos e com os anunciantes.

Primeiro, do ponto de vista da propaganda em si, dos seus resultados, é burrice concentrar todos os investimentos dos clientes em um só grupo de comunicação, porque isso desconsidera a penetração dos demais, acaba com a tão falada "inteligência de mídia" e monopoliza a comunicação do anunciante sempre com o mesmo público.

Além disso, o BV, da forma como se estabelecia naqueles dias, desequilibrava o mercado, tornava o anunciante refém das práticas comerciais de um único grupo e tornava a agência dependente do cheque do BV, a cada inicio de ano. Em comunicação, independência é quase tudo.

A coisa foi descambando ao ponto em que, para conquistar ou manter contas, muitas agências abriram mão de qualquer remuneração de mídia e passaram a viver do BV. Uma coisa absurda e desonesta porque diziam não cobrar comissão de mídia dos clientes, mas viviam da comissão de mídia dos veículos, pagas na forma de Bônus de Veiculação. Só que a matemática não fechava. As receitas não acompanhavam os custos para atender as contas, daí começou a diminuir e desqualificar as equipes, no atendimento, na criação, na mídia...

O que eu alertava era que essa engenharia comercial iria terminar de vez com a rentabilidade do negócio e as agências perderiam relevância, uma vez que a solução para todo e qualquer problema do cliente passava a ser uma campanha publicitária, veiculada nuns poucos veículos de comunicação. Ou seja, as agências se transformavam em departamentos comerciais de determinados veículos e os interesses dos clientes passavam para segundo plano.

Deu no que deu. As agências acostumaram os clientes a não cobrar por sua inteligência (até porque, muitas abriam mão de inteligência), o mundo e a mídia mudaram e essas já não podem oferecer os mesmos resultados de antes. O tripé da comunicação foi quebrado. As agências sofrem com suas margens muito apertadas, com clientes insatisfeitos, descrentes e atônitos e os veículos que viviam de dar BV entortaram a boca e não sabem o que fazer para se tornarem relevantes para os anunciantes.

Alguns dos donos de agências que ficaram brabos comigo, voltaram ao meu convívio, outros continuaram do outro lado do rio - nem durmo por causa disso - e outros tantos deixaram o mercado. Não é preciso ser profeta para descobrir muito do que vai acontecer ali adiante, basta ter um mínimo de conhecimento e capacidade de ler os fatos, junto com uma boa dose de independência. O resto é história!

Julio Ribeiro é jornalistas e publisher da revista Press AD.

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