E o Ibope pisou na bola

Por Paulo Rogério Rodrigues Sabe quando a emenda fica pior que o soneto? Pois foi exatamente isso que aconteceu, quem diria, com o Ibope, …

Por Paulo Rogério Rodrigues
Sabe quando a emenda fica pior que o soneto? Pois foi exatamente isso que aconteceu, quem diria, com o Ibope, o maior instituto de pesquisas da América Latina.
Tudo começou com a divulgação de um Ranking dos Jornais do Rio Grande do Sul, publicado no jornal Zero Hora em 24 de março deste ano, sob o título "Ibope divulga o ranking de leitura de jornais no Estado". Qualquer pessoa, diante dessa manchete e ao ler o conteúdo da matéria, não teria nenhuma dúvida de que o resultado do estudo

estava revelando o número de leitores e a participação de cada jornal no mercado gaúcho. Informação essa, diga-se de passagem, extremamente valiosa, tanto que o próprio gerente do escritório do Ibope no Estado, Domício Torres, reconhecia naquela matéria que "a pesquisa anual do Interior passa a proporcionar ao mercado

publicitário e às empresas gaúchas uma ferramenta de medição da penetração da mídia impressa que é de grande importância para dar segurança às veiculações publicitárias." Destacou

ainda que "os mídias das agências contam agora com números confiáveis para programarem de forma científica as suas mídias. As decisões de mídia poderão ser muito mais técnicas e confiáveis

quanto aos resultados que poderão ser esperados."
Diante de todo esse conteúdo, reforçado pela autoridade das palavras e análises do representante do Ibope do Rio Grande do Sul, poderia haver alguma dúvida sobre o elevado valor e grande aplicabilidade dos dados daquele Ranking dos Jornais? Imagino que não, até porque,

segundo o próprio Domício Torres, "trata-se de uma pesquisa muito representativa, com um indicador de confiança (que determina a

confiabilidade dos dados) de 95%."
No Ranking de Jornais produzido pelo Ibope são relacionados 32 títulos, entre publicações da Capital e do Interior do Estado, com os seus respectivos índices de participação e número de

leitores.
Tudo muito certo, muito bonitinho, desde que a história parasse por aí. Ocorre que um jornal de Passo Fundo, o Diário da Manhã, gostou de saber que possuía um número de leitores maior que o seu principal concorrente na mesma cidade, o jornal O Nacional. Como é natural em um ambiente competitivo, o Diário da Manhã procurou capitalizar a informação que lhe era favorável, reproduzindo em suas páginas a matéria da Zero Hora. Naturalmente que o jornal O Nacional não

gostou e foi buscar explicações junto ao Ibope sobre os métodos da pesquisa. E foi então que a emenda começou a comprometer o soneto.
Em carta enviada ao jornal O Nacional, o Ibope afirma que "por sua configuração amostral, essa pesquisa não possibilita comparativos entre jornais locais nem performances isoladas de jornais que não possuam circulação estadual." Ora, mas não foi o próprio Ibope que afirmou que a pesquisa anual do Interior "passa a proporcionar ao mercado publicitário e às empresas gaúchas uma ferramenta de medição da penetração da mídia impressa que é de grande importância para dar segurança às veiculações publicitárias", e que "Os mídias das agências contam agora com números confiáveis para programarem de forma científica as suas mídias"? Afinal, os números eram verdadeiros antes, tanto que até destacavam um jornal do Interior, O Pioneiro, de Caxias do Sul, e agora perderam a validade? Ou será que não tinham consistência desde o início, como atesta o Ibope na carta endereçada ao jornal O Nacional, mas mesmo assim foram publicados como indicadores de mercado?
Ao que tudo indica, o Ibope pisou feio na bola e colocou em dúvida o rigor que sempre apregoou em relação aos seus estudos de mídia.
Isso fica claro quando o Ibope informa, na carta enviada ao jornal O Nacional, que "qualquer utilização dessa pesquisa envolvendo aspectos locais não estará refletindo a realidade e deverá ser desconsiderada". Mas então por que o próprio Ibope não desconsiderou esses dados quando da publicação do Ranking dos Jornais na Zero Hora? Por que o Ibope permitiu a publicação dos

índices de 32 jornais, dos quais mais de dois terços possuem circulação apenas no Interior, sem fazer qualquer alerta sobre a falta de consistência nesses números, a ponto de determinar que os mesmos "não refletem a realidade e devem ser desconsiderados"?
Bem, talvez a resposta esteja no primeiro parágrafo da interessante carta recebida pelo jornal O Nacional. Ali o Ibope esclarece que "a

pesquisa que realizamos no período de 19 a 26 de novembro de 2001 tinha como objetivo medir o índice de leitura dos jornais de Porto Alegre que têm penetração estadual". Muito bem, se esse era o objetivo da pesquisa, teria algum sentido publicar os inconsistentes índices dos jornais do Interior, os quais, segundo o próprio Ibope,

"não possibilitam comparativos entre jornais locais nem performances isoladas"?
Ao final de tudo, ainda resta mais uma pequena dúvida: o resultado do Ranking de Jornais foi publicado no dia 24 de março de 2002. A pesquisa do Ibope que deu origem aos números foi feita em novembro de 2001, ou seja, quatro meses antes. Por que tamanha defasagem entre a coleta dos dados e a divulgação dos resultados? Quatro meses de retardo já não estariam determinando que a pesquisa perdesse sua validade por simples envelhecimento? Achamos que sim, especialmente por ser a mídia um ambiente altamente dinâmico, no qual decisões, ações e fatos podem modificar uma realidade de maneira muito rápida. Ainda bem, porque é justamente isso que garante aos

institutos de pesquisa a permanente possibilidade de prestação dos seus importantes serviços. Só é preciso um pouco de cuidado para não pisar na bola.
* Professor da Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade de Passo Fundo.

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