E vesti a camisa da propaganda

Por Mario de Almeida O golpe de 64 me castrou em duas coisas que eu achava que sabia fazer: teatro e jornalismo. Quando estudante …

Por Mario de Almeida
O golpe de 64 me castrou em duas coisas que eu achava que sabia fazer: teatro e jornalismo. Quando estudante vendi muitos penicos, mas não queria voltar a nada que, apenas, suprira minha vida de estudante. Aos quase 33 anos, não era fácil encontrar novos caminhos, pois não me interessava fazer teatro comercial e, quanto a escrever, nunca soube fazê-lo por metáforas. Eu estava à cata de uma profissão e a propaganda caiu-me bem, pois ao contrário do jornalismo, exaltar virtudes pode, até, ser criativo, sem ser puxa-saquismo. Devo ter me dado bem, pois já em 67 chefiava a então sexta maior conta do país, a Shell. Como, em qualquer profissão, vivi na propaganda muitos "causos".
O compositor Chico Feitosa, também conhecido como Chico Fim de Noite, era dono de um estúdio de gravação, no tempo em que os spots de rádio eram entregues às emissoras em cópias de acetato. No estúdio do Chico Feitosa eu gravava, sempre, os spots de uma grande construtora civil na Bahia e o "locutor oficial" era Othon Gomes que, até hoje, pilota o microfone da Rádio MEC. Certa tarde, entrei no estúdio, onde o Othon já se encontrava, acompanhado pelo múltiplo artista Paulo José, amigo de sempre. Chico, discretamente, se aproximou de mim e dizendo que lera o texto, perguntou o que o Paulo José iria fazer ou se simplesmente me acompanhava. Disse-lhe que ele iria dar um grito, um "jagarrei", um neologismo que eu inventara em cima de toda a campanha a partir do "verbo jagarrar", um comando de ação imediata. Percebi o olhar crítico do Chico, chamei o técnico, mostrei-lhe o texto e avisei para ele abaixar o som na hora do grito, pois se não "estourava". Tudo pronto, Othon iniciou a locução e na hora que o Paulo José soltou o grito, o técnico parou tudo, pediu desculpas e gravamos de novo, com o técnico já convencido que um grito é um grito.
As cópias foram enviadas para as emissoras de Salvador e, um mês depois, em uma ida minha para lá, o diretor de uma das emissoras telefonou-me para dizer que sua cópia estava gasta e se eu não arranjaria outra. Perguntei se ele tinha um locutor para fazer a gravação comigo e, por questões de minha agenda, marcamos para as 7 horas da manhã seguinte. Lá, repetiu-se minha recomendação para baixar o som quando eu fosse gritar o "jagarrei". Aconteceu a mesma coisa que no Rio, e quem, na Baixa do Sapateiro, não acordara com o meu primeiro grito, certamente acordou com o segundo?
Em outra ocasião, para o mesmo cliente, criei um spot que era um diálogo entre marido e mulher, a mulher ressaltando os pontos de venda do imóvel. Resolvi enfatizar o diálogo batizando o marido com um nome meio risível e inspirei-me no primeiro nome de uma rua de Salvador: Leogevildo. O cliente, diretor de marketing da empresa, aprovou o anúncio pedindo, apenas, que eu mudasse o nome do personagem, pois era o nome do pai do dono da empresa? Fui salvo pela lembrança que o escritório da construtora, no Rio, era na Rua Anfilófio de Carvalho. E o Anfilófio entrou no ar.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos)
[email protected]

Comentários