Em memória de Clóvis Ott

Por Jayme Copstein Recebo surpreendido e com imensa tristeza a notícia da morte de Clóvis Ott, maluco genial que vi nascer para o jornalismo …

Por Jayme Copstein


Recebo surpreendido e com imensa tristeza a notícia da morte de Clóvis Ott, maluco genial que vi nascer para o jornalismo no velho celeiro chamado Diário de Notícias. Desde o início, me pareceu uma espécie nova de Peter Pan, com visão de adulto e coração de criança. Isso o tornava combinação feliz, não muito comum, de talento fora de bitola e decência.

O texto perfeito o trouxe para a jovem Folha da Manhã, da velha Caldas Junior, onde eu trabalhava no Correio do Povo. Em certa manhã, às vésperas de se encerrar o prazo das inscrições para o extinto Prêmio Visconde de Cayru, que destacava reportagens sobre o comércio, li uma reportagem sua, maravilhosa na abordagem humana dos problemas enfrentados pelos pescadores artesanais do Guaíba.

Como se recusasse a inscrever o trabalho no concurso, eu o fiz à sua revelia, e ele só aceitou o fato porque consumado e porque a "ursada" tinha sido obra minha. Quando o resultado saiu, Clóvis era o vencedor e eu, o segundo colocado.

Corri à redação da Folha da Manhã para abraçá-lo e ao mesmo tempo me vingar da sua teimosia, dizendo-lhe: "Tu não entendes nada de jornal, otário!".


Ele não estava. Foi Zeca Vieira da Cunha, outro grande jornalista daquela geração, hoje no leme da revista eletrônica Coletiva.Net, que me informou: "Ele saiu com o Alemão!".


O alemão era Floriano Corrêa, chefe de reportagem e paizão de toda aquela gurizada que começava. Fui encontrar os dois no bar do edifício vizinho, o Clóvis Ott zangado e chorando. Zangado porque achava que não merecia o prêmio, chorando porque tinha me vencido, eu que o inscrevera.

Foi preciso proferir a frase mágica - "Tu não entendes nada de jornal, otário!" - para que todos caíssemos na gargalhada.

Depois disso, muito pouco encontrei Clóvis. Foi para a Europa, fez nome na publicidade, notabilizou-se como correspondente internacional, destacou-se na cobertura da Revolução dos Cravos que devolveu a democracia a Portugal.

Voltou para Porto Alegre nos anos oitenta, mas a cidade já tinha inchado e as muitas passarelas e viadutos haviam terminado com as encruzilhadas mais importantes. As pessoas passam lá em cima ou aqui em baixo, como se ocupassem o mesmo lugar no espaço e o pior - sem se enxergar.

Só que o tempo ou a geografia não diminuem nem a admiração nem o afeto que a gente nutre por criaturas como Clóvis Ott. Ele pertence àquela legião dos que sobrevivem para sempre na ternura e na beleza que semeiam no coração de seus semelhantes.



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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que há poucos dias negara o mensalão, afirmando que a CPI nada havia provado, agora em entrevista a Pedro Bial, admite que existiu sim, mas queixa-se de que foi uma facada nas costas.

Lula não quis dizer quem o apunhalou, mas por palavras tortas, sugere que destina a José Dirceu o papel de Judas em sábado de Aleluia. Quando Bial lembrou-lhe uma declaração taxativa, de que levaria Dirceu ao palanque, em 2006, Lula se irritou. Disse que não disse, que apenas foi perguntado. Mas respondeu que sim, todos se lembram. Só que, em relação a Dirceu, acrescentou uma frase gélida: "A CPI vai mostrar se ele errou".

Lula só foi coerente nas suas acusações à imprensa. Repete que ela só noticia as coisas ruins, não fala do que é bom. Ora, o que é bom e o que é ruim, fora de comida e de bebida, é questão de ponto de vista Denúncia de corrupção pode ser ruim para o denunciado, mas é boa para o país que assim tem ocasião de combatê-la e acabar com ela.

Quem prestou atenção no noticiário, soube de muitas coisas positivas. A dívida com o FMI está quitada, a dívida externa está em seu valor mais baixo desde 1995, a Petrobrás deve manter sem aumentos o preço dos combustíveis, os preços públicos - telefone, eletricidade, água etc. - só devem subir uma merrequinha no ano que vem, por isso a inflação de 2006 será reduzidíssima, talvez a menor desde os tempos de Juscelino Kubistchek.

Tudo isso está no noticiário dos últimos dias. O problema é que talvez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não goste de ler jornais, ouvir rádio, assistir tevê. Se o faz, parece ficar contrariado e só prestar atenção às notícias que lhe são desagradáveis. A culpa é só dele.


 


 


 


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